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Jornal da Lei

- Publicada em 10 de Abril de 2021 às 16:16

Entenda ações no Supremo que questionam a Lei de Segurança Nacional

Numa das ações, PSDB pediu que o Supremo determine ao Congresso que edite uma lei de defesa do Estado Democrático

Numa das ações, PSDB pediu que o Supremo determine ao Congresso que edite uma lei de defesa do Estado Democrático


NELSON JUNIOR/STF/JC
A substituição da Lei de Segurança Nacional (LSN) por uma nova legislação está entre as prioridades do Congresso. Protocoladas em março, algumas ações questionam a LSN e o seu uso. As de PTB e PSDB pedem que a legislação seja completamente suspensa. Já a ação do PSB e a conjunta de PSOL, PT e PC do B pedem que apenas parte da lei seja invalidada e que alguns artigos tenham a aplicação limitada pela corte.
A substituição da Lei de Segurança Nacional (LSN) por uma nova legislação está entre as prioridades do Congresso. Protocoladas em março, algumas ações questionam a LSN e o seu uso. As de PTB e PSDB pedem que a legislação seja completamente suspensa. Já a ação do PSB e a conjunta de PSOL, PT e PC do B pedem que apenas parte da lei seja invalidada e que alguns artigos tenham a aplicação limitada pela corte.
A reportagem analisou as principais diferenças entre as ações e consultou a opinião de especialistas do direito sobre elas.
Porque a lei está sendo questionada?
No jargão jurídico, quando uma lei é anterior à Constituição, ela pode ser considerada recepcionada ou não pela Constituição, e esse questionamento pode ser feito por meio de uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF).
Parte dos críticos à LSN se refere a ela como entulho autoritário, por ela ter sido feita baseada na lógica de um inimigo interno e destinada a silenciar críticos ao governo. Assim, ela feriria preceitos fundamentais da Constituição, como do pluralismo político e da liberdade de expressão.
Por outro lado, na ausência de uma lei que defenda o Estado de Direito, a manutenção de artigos é defendida mesmo entre alguns críticos à LSN.
Quais os caminhos possíveis?
Entre especialistas ouvidos pela reportagem, há divergências tanto quanto ao grau de compatibilidade da LSN com a Constituição como em relação a qual seria o caminho.
Alexandre Wunderlich, professor de Direito Penal da Pucrs, considera que a lei não é compatível com a Constituição, mas argumenta que, até que se tenha uma nova lei aprovada, o ideal é que seja mantida a validade de parte da LSN e que o Supremo restrinja interpretações possíveis.
Irapuã Santana, doutor em Direito Processual pela UERJ, considera que a LSN foi recepcionada pela Constituição, mas concorda que seria preciso delimitar sua aplicação. "Há dispositivos que geram maior possibilidade de se executarem abusos contra as pessoas", afirma.
A professora de Direito Constitucional Tayara Lemos, da Universidade Federal de Juiz de Fora, considera que a lei não foi recepcionada, mas avalia que seria importante o STF declarar a incompatibilidade da LSN integralmente, pelo efeito simbólico da decisão. "Ele estaria sinalizando para o fato de que a legislação não é adequada, porque o legado autoritário que ela representa é um dano à democracia", explica.
Já a advogada e conselheira federal da OAB Daniela Teixeira, que considera a LSN parcialmente recepcionada pela Constituição, defende que o caminho para a questão é via Legislativo, e não no Supremo – ou seja, que o Congresso aprove uma nova lei de defesa do Estado de Direito.
O PSDB pediu em sua ação que o Supremo determine ao Congresso que edite uma lei de defesa do Estado Democrático de Direito em prazo a ser fixado, sob pena de suspensão da eficácia da atual legislação.
Como o STF pode limitar a interpretação de trechos da lei que não sejam invalidados?
Segundo a professora de direito penal da FGV Raquel Scalcon, delimitar as interpretações, estabelecendo parâmetros objetivos, pode ser um caminho para reduzir as imprecisões e as vaguezas da LSN. "Na revogação, a norma deixa de existir. Na interpretação conforme a Constituição, a norma permanece, mas algumas interpretações possíveis são excluídas, porque são consideradas inválidas", explica.
De acordo com Gabriel Sampaio, coordenador da Conectas Direitos Humanos, caso o STF opte por invalidar a lei parcialmente, ele pode excluir partes do texto, como artigos e incisos ou palavras específicas.
O STF tem que se ater a uma das ações?
Não. O STF poderia, por exemplo, buscar argumentos em uma ADPF e reconhecer pedidos das outras. Raquel Scalcon explica que as ações podem ser julgadas juntas, pois são conexas. "Não é binário, pode ser uma construção bastante diferente dos pedidos".
Quais pontos possuem maior consenso entre as ações?
Como duas das ações pedem a suspensão integral, os pontos de consenso seriam aqueles citados também nas ações que pedem a suspensão parcial. Entre eles está o artigo 26, que prevê que é crime caluniar e difamar os chefes de qualquer um dos Três Poderes e que foi usado contra o youtuber Felipe Neto.
O artigo também foi um dos citados na decisão do STF que decretou a prisão em flagrante do deputado Daniel Silveira e no pedido de busca e apreensão contra bolsonaristas no inquérito das fake news.
Outro artigo que aparece nessas duas ações é o 23, que trata de incitação. As ações defendem que sejam declarados inconstitucionais os trechos que dizem que é crime incitar "à subversão da ordem política ou social" e " luta com violência entre as classes sociais". Permaneceria como crime, por exemplo, incitar "à animosidade entre as Forças Armadas ou entre estas e as classes sociais ou as instituições civis".
Já o artigo 22, que trata de atos de propaganda em público, também é mencionado nas ações. A de PSOL, PT e PC do B pede que seja excluído o trecho que diz que é crime fazer propaganda de "discriminação racial, de luta pela violência entre as classes sociais, de perseguição religiosa". Permaneceriam sendo crimes a propaganda de guerra ou de "processos violentos ou ilegais para alteração da ordem política ou social".
Já a ação do PSB pede apenas para que deixe de constar no artigo 22 o termo "ilegais" e a expressão "luta pela violência entre as classes sociais". O partido também pede que a expressão "atos de hostilidade contra o Brasil", no artigo 8, tenha a interpretação limitada a "atos violentos, praticados em contexto de conflito armado".
Ambas as ações também pedem a invalidação dos artigos que dizem que "durante as investigações, a autoridade de que presidir o inquérito poderá manter o indiciado preso ou sob custódia, pelo prazo de 15 dias" e que "a instauração de inquérito policial pode se dar mediante requisição de autoridade militar responsável pela segurança interna".
Quanto aos artigos 22 (propaganda), 23 (incitação) e 26 (calúnia e difamação), a ação do PSDB diz que constituem crimes de opinião. "O grau de subjetividade conferido ao intérprete por tais dispositivos é tamanho que inviabiliza por completo a liberdade de expressão do cidadão".
E quais as diferenças?
A ação do PSDB, por exemplo, faz críticas mais alongadas a alguns artigos que não foram questionados nem pela ação de PSOL/PT/PC do B nem pela do PSB e que, para o partido, seriam tipos penais extremamente vagos.
Um deles é o artigo 18, que diz que é crime "tentar impedir com grave ameaça o livre exercício de qualquer dos Poderes da União ou dos Estado".
"O que seria a grave ameaça? Sugerir a instauração ou requerer a abertura de processo de impeachment, por exemplo? Denunciar crimes praticados por uma autoridade?", questionam. "O limite é sutil e depende apenas da força política da autoridade que deseje reprimir a oposição".
O artigo foi usado pelo STF na decretação da prisão de Daniel Silveira e em mandados de busca e apreensão no inquérito das fake news.
Outro exemplo que não é citado nas ações que pedem suspensão parcial é o artigo 13 que, segundo a ação do PSDB, pode criminalizar a conduta do cidadão que, por exemplo, denuncia violações de direitos humanos perpetradas pelo Estado brasileiro no exterior. Tal artigo estabelece, em linhas gerais, que é crime comunicar ou entregar a governo ou grupo estrangeiro assuntos, dados ou documentos que, no interesse do Estado brasileiro, sejam classificados como sigilosos.
Para o professor de Teoria e História do Direito da UFSC Diego Nunes, o artigo 18 é importante. Ele diz que, por exemplo, o item poderia ser aplicado caso um episódio semelhante ao que ocorreu nos EUA, com a invasão do Capitólio, se desse no Brasil. Ele defende, porém, que o STF restrinja o uso dos artigos da LSN, para que sua interpretação seja limitada no sentido de proteger o Estado Democrático de Direito. Nunes argumenta, por outro lado, que o artigo 16 deveria ser considerado inconstitucional, pois feriria a liberdade de associação; o item não é questionado nas ações.
Quanto às críticas a artigos considerados vagos que poderiam ser mantidos numa suspensão parcial da LSN, Wunderlich diz que, de fato, a limitação da interpretação não resolve o problema. "Podar artigos é cosmético; pode melhorar, mas não vai resolver".
Se a LSN for declarada incompatível com a Constituição, o que acontece com inquéritos abertos com base nela?
Há que considerar se um determinado inquérito é baseado apenas na LSN e se a lei seria declarada inconstitucional parcial ou integralmente.
Caso seja declarada inconstitucional em sua totalidade, investigações baseadas apenas na LSN seriam arquivadas, e as ações penais, extintas. Já no caso de parte dos trechos da lei ser mantida, investigações baseadas nesses trechos poderiam continuar.
Os inquéritos das fake news e dos atos antidemocráticos investigam se foram cometidos crimes previstos na LSN. Mas, como correm em sigilo, não é possível saber por quais artigos cada pessoa é investigada --da LSN ou de outra lei.
Em análise em reservado ao jornal Folha de S. Paulo, ministros do STF indicaram que anular a legislação integralmente deixaria a corte desprotegida e que eles avaliam excluir trechos usados pelo governo Bolsonaro – com o que consideram ser uma interpretação muito expansiva da lei –, mas manter outros artigos usados pelo Supremo.
Excluiriam, por exemplo, o artigo 26 (calúnia e difamação), mas manteriam o 18 (tentar impedir o livre exercício dos Poderes). Já para o 22 (propaganda para alteração da ordem), avaliam delimitar as interpretações possíveis.
A LSN
O que é?
Tendo sua última versão editada nos estertores do regime militar, em 1983, é desdobramento de legislações anteriores, mais duras, usadas contra opositores políticos.
Com 35 artigos, estabelece, em suma, crimes contra “a integridade territorial e a soberania nacional, o regime representativo e democrático, a federação e o Estado de Direito e a pessoa dos chefes dos Poderes da União”.
Aplicações hoje
O procurador-geral da República, Augusto Aras, usou a lei para pedir ao STF a abertura de inquérito para apurar atos antidemocráticos promovidos por bolsonaristas.
O Ministério da Defesa usou a lei em representação contra o ministro do STF Gilmar Mendes, que havia declarado que o Exército estava “se associando a um genocídio” na gestão da pandemia.
O ministro da Justiça, André Mendonça, usou a lei para embasar pedidos de investigação contra jornalistas, entre eles, o colunista da Folha de S.Paulo Hélio Schwartsman, pelo texto “Por que torço para que Bolsonaro morra”.
O ministro Alexandre de Moraes (STF) usou a lei para embasar a prisão do bolsonarista Daniel Silveira (PSL-RJ).
Propostas de mudança
Tramitam na Câmara 37 projetos de lei que alteram ou revogam a LSN. No STF, quatro ações questionam a constitucionalidade da lei:
ADPF 797, do PTB, pede que a lei em sua íntegra seja declarada não compatível com a Constituição.
ADPF 815, do PSDB, pede que a lei seja suspensa e que o STF determine ao Congresso que edite uma lei de defesa do Estado de Direito em prazo a ser fixado, sob pena de suspensão da eficácia da atual legislação.
ADFPs 799 (PSB) e 816 (PT, PSOL e PCdoB) pedem que partes da lei sejam declaradas não compatíveis com a Constituição.
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