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Direitos Humanos

- Publicada em 21 de Julho de 2020 às 21:50

ECA 30 anos: Preocupações com letalidade infantojuvenil, encarceramento e saúde de crianças e adolescentes são marcas do Estatuto

Letalidade infantojuvenil ainda é um dos maiores problemas no Brasil

Letalidade infantojuvenil ainda é um dos maiores problemas no Brasil


Spencer Platt/Getty Images/AFP
Nesses 30 anos de Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), muitas foram as preocupações com a educação, a saúde e a proteção das pessoas entre zero e 18 anos. A Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, porém, considera a letalidade infantojuvenil um dos problemas mais urgentes hoje no Brasil. Esse conjunto de preocupações se acirrou com a chegada da pandemia de Covid-19. Entre os dados mais alarmantes, sublinha o secretário nacional, Mauricio Cunha, está a queda nos registros de violência contra crianças e adolescentes no Disque 100, que recebe denúncias de violações aos direitos humanos.
Nesses 30 anos de Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), muitas foram as preocupações com a educação, a saúde e a proteção das pessoas entre zero e 18 anos. A Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, porém, considera a letalidade infantojuvenil um dos problemas mais urgentes hoje no Brasil. Esse conjunto de preocupações se acirrou com a chegada da pandemia de Covid-19. Entre os dados mais alarmantes, sublinha o secretário nacional, Mauricio Cunha, está a queda nos registros de violência contra crianças e adolescentes no Disque 100, que recebe denúncias de violações aos direitos humanos.
"Os registros de violência contra crianças caíram 18% em março em relação ao mesmo mês do ano anterior. Como a gente sabe que 90% das violências contra a criança acontecem no ambiente doméstico, o que está acontecendo é uma grande subnotificação. Os atores sociais que fazem a denúncia não estão fazendo, porque são justamente os professores, educadores e profissionais de saúde. É gravíssima a situação", afirma ele, que acredita que as crianças serão as maiores vítimas indiretas da pandemia no médio e longo prazo. "A criança está sofrendo sozinha em casa. O abusador está lá, e ela não tem a quem recorrer."
Com a pandemia e o isolamento social, as vítimas de violência doméstica que encontravam proteção e abrigo na escola, estão agora em casa, com os agressores. A secretaria fez campanhas publicitárias estimulando a denúncia de abusos contra a criança e o adolescente e planeja distribuir um material para alertar escolas sobre o acolhimento das crianças no pós-pandemia. "Que a preocupação seja mais de acolhimento, de escuta e criar um ambiente de confiança do que de recuperar conteúdo perdido", diz Cunha.

Maioridade penal e encarceramento

Redução da maioridade penal e aumento do encarceramento de crianças e adolescentes são ameaças ao ECA

Redução da maioridade penal e aumento do encarceramento de crianças e adolescentes são ameaças ao ECA


KARINE VIANA/PALÁCIO PIRATINI/JC
A Diretora do Centro Internacional de Estudos e Pesquisas sobre a Infância (CIESPI) da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Irene Rizzini, participou das discussões que geraram o Artigo 227 da Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente. Apesar dos avanços conquistados, a socióloga pondera que nenhuma lei é capaz de corrigir problemas sociais crônicos. "Não é o Estatuto que vai corrigir a desigualdade social. Mas ele é uma lei que, com as várias que vieram depois e com as políticas públicas criadas a partir do seu referencial, proporcionou uma mudança positiva em inúmeros aspectos."
A pesquisadora considera como ameaças a essa população iniciativas como reduzir a maioridade penal e aumentar o encarceramento de crianças e adolescentes. "É extremamente grave que se reduza o problema a encarcerar adolescentes. No Brasil, os adolescentes e jovens são as principais vítimas de homicídios. Irene alerta que haverá retrocessos se as crianças e adolescentes não ocuparem uma posição de prioridade no orçamento público. A socióloga afirma, ainda, que cortes em áreas como a saúde, a educação e a assistência podem reverter ganhos em indicadores como mortalidade infantil, analfabetismo e desnutrição.
Ela também defende o fortalecimento de espaços para participação da sociedade civil, como o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), que teve a composição reduzida de 56 para 36 membros por decreto presidencial no ano passado, mudança suspensa pelo Supremo Tribunal Federal. Em nota divulgada na época, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos explicou que a medida visava a reduzir gastos com passagens e diárias dos conselheiros.
Diante de desafios históricos, como a desigualdade, e contemporâneos, como questões ligadas à internet, Irene acredita que as premissas do ECA continuam a apontar o caminho a seguir. "A criança e o adolescentes são sujeitos de direito e têm proteção integral. Essa semente não tem volta. Essa semente fica."

Premissas do ECA moldaram políticas de saúde específicas

ECA permitiu reconhecer as necessidades específicas de crianças e adolescentes nos serviços de saúde, como estar em enfermarias menores e separadas

ECA permitiu reconhecer as necessidades específicas de crianças e adolescentes nos serviços de saúde, como estar em enfermarias menores e separadas


MIGUEL ALVAREZ/AFP/JC
A coordenadora do Grupo de Trabalho sobre Criança, Adolescente e Natureza da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), Evelyn Eisenstei, participou da redação do Artigo 8 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que, na época, reforçou o direito da gestante ao atendimento pré e perinatal no Sistema Único de Saúde (SUS). Em sua casa, a pediatra guarda uma edição especial do estatuto, publicado há exatos 30 anos, que ajudou a reduzir a mortalidade infantil no País em mais de 70%. Nesse quesito, o Rio Grande do Sul apresenta índices melhores que o restante do País.
"Não é o estatuto em si que diminuiu a mortalidade. O que diminuiu a mortalidade foram as políticas públicas baseadas nas premissas do estatuto. Quando a gente tem uma legislação, a gente obriga, entre aspas, os gestores públicos a investirem recursos, principalmente no quesito saúde".
A pediatra acrescenta que o ECA permitiu reconhecer as necessidades específicas de crianças e adolescentes nos serviços de saúde, como estar em enfermarias menores e separadas. "O ECA mostrou que crianças têm direitos e necessidades básicas. Por exemplo, ter pai ou mãe em uma enfermaria", conta ela.
"A criança hospitalizada tinha o trauma da hospitalização e o trauma de ficar sozinha em uma enfermaria. É um pequeno exemplo de tudo isso", afirma. Ela acredita que a falta de recursos foi o grande obstáculo para fazer valer as premissas do ECA quanto à saúde nestes 30 anos. "O papel não resolve. O papel é uma premissa. Você precisa de recursos para gerir essa máquina de saúde, educação e esse sistema de direitos."
Além da mortalidade e do cuidado pré e pós-natal, Evelyn Eisenstein destaca que há avanços no tratamento odontológico, no acesso a métodos contraceptivos, na proteção contra as drogas e em diversas outras áreas, como a vacinação, que passou a sofrer recentemente com quedas na taxa de imunização. Uma das causas, são as campanhas de fake news.