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Jornal da Lei

- Publicada em 30 de Março de 2020 às 20:34

Definição de protocolos sobre prisão ocorrerá na pandemia, diz especialista

Schneider salienta a falta de infraestrutura nas prisões para conter vírus

Schneider salienta a falta de infraestrutura nas prisões para conter vírus


RITA BARCHET/DIVULGAÇÃO/JC
Desde o início da pandemia, notícias de pessoas infectadas pelo novo coronavírus (Covid-19) que desrespeitaram as recomendações de isolamento social e quarentena ganham popularidade. Em entrevista ao Jornal da Lei, o advogado especialista em Direito Penal e Direito Processual Penal José Paulo Schneider explica sobre esse e outros impactos das determinações e recomendações relativas ao vírus no Direito Penal.
Desde o início da pandemia, notícias de pessoas infectadas pelo novo coronavírus (Covid-19) que desrespeitaram as recomendações de isolamento social e quarentena ganham popularidade. Em entrevista ao Jornal da Lei, o advogado especialista em Direito Penal e Direito Processual Penal José Paulo Schneider explica sobre esse e outros impactos das determinações e recomendações relativas ao vírus no Direito Penal.
Jornal da Lei - Há uma legislação específica para casos de desrespeito às recomendações de isolamento social e quarentena? Qual a orientação do Código de Processo Penal?
José Paulo Schneider - É possível, sim, se falar na responsabilização criminal de algumas condutas realizadas no atual cenário de pandemia do novo coronavírus. Isso depende de uma leitura conjunta do Código Penal e demais legislações e normativas sobre o tema. O artigo 268 do Código Penal, por exemplo, criminaliza, com pena de detenção de um mês a um ano, a conduta de infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa. No caso da Covid-19, estas questões são disciplinadas pela Lei n° 13.979/2020, pela Portaria n° 356/200 do Ministério da Saúde, pela Portaria Interministerial n° 5/2020, bem como pelas demais recomendações, normativas e decretos estaduais e municipais que visam prevenir e conter o coronavírus. Dentre as medidas de combate à doença estão o isolamento, a quarentena, a realização de exames médicos, a vacinação, tratamentos médicos específicos, dentre outros. É importante destacar que isolamento só é exigível juridicamente se for determinado por médico ou agente de vigilância epidemiológica, observadas as demais determinações do artigo 3º da Portaria n° 356/2020. Ademais, faz-se necessária a prévia comunicação da pessoa a respeito da compulsoriedade da medida. Somente preenchidos esses requisitos é que a infração à determinação de permanecer em isolamento será considerada crime. Já a quarentena depende de ato administrativo formal e devidamente motivado, devendo ser editada por Secretário de Saúde do estado, município, do Distrito Federal ou ministro da Saúde ou superiores em cada nível de gestão, publicada no Diário Oficial e amplamente divulgada pelos meios de comunicação. Esclarece-se, ainda, que, de acordo com a Lei 13.979/2020, o isolamento, somente se aplica a pessoas doentes ou contaminadas, não podendo ser imposto a pessoas com mera suspeita de contaminação. Nesse último caso, recomenda-se a quarentena.
JL - Há consequências penais que deverão ser respondidas após o período de pandemia?
Schneider - As condutas criminosas eventualmente praticadas nesse período podem e devem ser apuradas tão logo executadas. O que vai determinar o rito a ser seguido é o tipo e a gravidade do crime cometido. Se estivermos diante de um crime de menor potencial ofensivo, cuja pena máxima não ultrapasse dois anos, como é o caso do artigo 268 do Código Penal, será realizado um Termo Circunstanciado, com a designação de uma audiência preliminar no Juizado Especial Criminal da cidade em que aconteceu o fato.
JL - Existe alguma alteração no protocolo de prisão?
Schneider - Em regra, não se fala em prisão em flagrante ou em preventiva nesses casos menos graves, como o de descumprimento de medida sanitária. Porém, se a pessoa se negar a assinar o Termo Circunstanciado, poderá ser presa em flagrante inclusive por desobediência. Nos crimes mais graves, como, por exemplo, o de causar e propagar epidemia, do artigo 267 do Código Penal, é possível a prisão em flagrante e inclusive a conversão em prisão preventiva para garantia da ordem pública. No entanto, em meu ver, a ocorrência desse delito é menos provável, uma vez que exige prova de que a pessoa dolosamente causou a epidemia. Quanto aos protocolos, é sempre difícil se falar em padrões nesses momentos em que paira a incerteza. Todas as autoridades envolvidas e a comunidade em geral estão inseridas em um ambiente de extrema dúvida. Tudo é novo. Tudo é muito dinâmico. Por isso, acredito que os protocolos irão sendo criados de acordo com a evolução da pandemia. O que é preciso ter em mente é que toda e qualquer medida deve observar os critérios de segurança e de saúde, a fim de evitar que os profissionais e as demais pessoas envolvidas sejam expostas ao vírus. Portanto, se for possível, deve-se evitar o deslocamento da pessoa até a Delegacia de Polícia, com a lavratura do Termo Circunstanciado no local da abordagem e acompanhamento da pessoa até o local em que deveria estar em quarentena ou isolamento. Nos casos em que for necessária a prisão preventiva, é preciso priorizar, se possível, a substituição por prisão domiciliar, com ou sem monitoramento eletrônico, a fim de evitar que as demais pessoas do sistema prisional e os agentes penitenciários sejam expostos à doença.
JL - O senhor acredita que exista outra forma para lidar com essa situação?
Schneider - O bom-senso é sempre o melhor caminho. O momento exige renúncia de todos. A crise está aí e não podemos negar. Precisamos mais amor, empatia e solidariedade. Do ponto de vista jurídico, entendo que medidas administrativas são sempre as mais eficazes e proporcionais. Em bom português, vale mais mexer no bolso da pessoa que descumprir as medidas sanitárias do que se socorrer ao Direito Penal. Urge a necessidade de criarmos uma cultura de que o Direito Penal deve ser reservado para os casos verdadeiramente graves. No Brasil, invertemos a lógica. Qualquer fato que acontece pensamos, em primeiro lugar, na responsabilização penal. As cadeias estão cheias e provam que o encarceramento em massa não é a melhor e única via possível para organizarmos a vida em sociedade. Me preocupa um possível acréscimo de investigações e processos criminais de condutas que, por sua baixa lesividade, não deveriam ser tratadas na esfera criminal. Além disso, é temerária a possível relativização e banalização de conceito jurídicos-penais a fim de resolver todos os problemas desse instável período de pandemia. É necessário que todas as partes que atuam na Justiça Criminal tenham parcimônia, coerência e integridade na condução de suas ações, evitando colapsar ainda mais o caótico sistema criminal.
JL - E quanto aqueles que já estão presos, é possível solicitar a liberdade ou prisão domiciliar para evitar o contágio?
Schneider - Sim, o CNJ editou a Recomendação 62/2020 em que foram estabelecidas diversas medidas que podem ser adotadas para a contenção e a prevenção da doença no sistema prisional. A partir dessa iniciativa diversas portarias e decisões estão sendo tomadas para amenizar o risco de propagação da doença no ambiente carcerário. Embora haja aquele senso comum de que os criminosos não deveriam ter direitos e que não merecem regalias, as medidas de saúde no âmbito das casas prisionais são verdadeira urgência em solo brasileiro. A ausência de infraestrutura mínima das prisões contribui muito para a propagação do vírus. Lá não existe a mínima salubridade. A ser assim, naqueles casos em que o crime não foi cometido com violência ou grave ameaça, ou que o preso tenha idade avançada ou histórico de doença, bem como no caso de gestantes, lactantes ou presos por não pagar pensão alimentícia, deve ser priorizada a conversão em prisão domiciliar, com ou sem monitoramento eletrônico. Não se trata de abrir as portas das cadeias aos criminosos. Trata-se de proteção. O momento é de isolamento total, inclusive de presos que atendam a determinados critérios.
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