Os reflexos da propagação do coronavírus são inéditos para a economia do Rio Grande do Sul. O economista-chefe da Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (Fiergs), André Nunes de Nunes, destaca que a pandemia afetou mais de 90% da indústria gaúcha, provocando paralisação na produção, queda intensa na demanda por produtos e dificuldade na obtenção de matérias-primas. No final de março, o Estado registrou 57,4% das indústrias com operações completamente paralisadas. "Por sorte, a retomada começou a ser lentamente restabelecida ao longo de abril", comenta Nunes.
Ele acrescenta que a queda foi muito disseminada, mas os setores com maiores perdas na produção foram os de bebidas, móveis, couros e calçados, veículos automotores e máquinas e equipamentos. Na ponta positiva estava o segmento de alimentos e alguns ramos da cadeia farmacêutica e química que conseguiram manter a atividade e a demanda durante o surto. Conforme o economista-chefe da Fiergs, o setor industrial sofreu uma parada abrupta, o que impactou uma longa cadeia de fornecimento. Os dados da produção física mostraram uma redução mensal nunca vista. Em março, o recuo foi de 20% em relação a fevereiro, já descontados os efeitos sazonais. Nos indicadores da Fiergs, a diminuição do faturamento do setor foi de 7,3% na mesma base de comparação.
Nunes enfatiza que os números obtidos pelas notas fiscais eletrônicas da indústria retratam uma dimensão dos valores envolvidos. A informação divulgada pela Secretaria da Fazenda do Estado mostra que, após 53 dias do início da pandemia (período de 16 de março até 8 de maio), houve uma queda de 20% no valor das notas fiscais em relação ao mesmo período de 2019 - o que representa uma perda de
R$ 9,3 bilhões. A retração na atividade também impactou os trabalhadores. Em consulta realizada com mais de 300 indústrias gaúchas, os resultados mostraram que 57,6% delas adotaram alguma das medidas previstas na Medida Provisória (MP) nº 936/2020, que possibilita a suspensão do contrato de trabalho ou a redução de jornada e salários. Além disso, 46,2% informaram já ter dispensado colaboradores.
Entre os diversos desdobramentos possíveis da pandemia, Nunes destaca dois cenários que acredita serem os mais prováveis e que abarcam a maioria das possibilidades para os próximos meses. O primeiro deles, mais otimista, e que parece ser o panorama-base da maioria dos analistas, está alicerçado na hipótese de que o gradual processo de abertura e retomada da atividade iniciado em maio terá continuidade sem que haja um significativo impacto das segundas ondas de surto de coronavírus. Assim, surtos localizados teriam como resposta das autoridades públicas a retomada do distanciamento em algumas cidades, mas nada comparável com a paralisação de abril. Dentro dessa perspectiva, a atividade industrial retornaria com mais força já em junho e continuamente a partir do terceiro trimestre.
O quadro alternativo, mais pessimista, trata de abranger a hipótese de novos surtos com ondas de intenso fechamento da economia ao longo de todo o ano de 2020 até que se chegue a um elevado grau de imunização da população ou um tratamento ou vacina seja apresentado. "Nesse caso, os impactos econômicos seriam ainda mais catastróficos, tendo em vista que, a cada tentativa frustrada de abertura, os reflexos econômicos se multiplicariam com pressões sobre as autoridades públicas para agirem com ainda mais rigidez", alerta o economista-chefe da Fiergs.
De acordo com Nunes, no cenário mais otimista, seria possível retornar ao patamar de fevereiro de 2020 até o final do primeiro semestre de 2021. "No alternativo, teríamos um maior volume de perdas permanentes na nossa capacidade produtiva e seria necessário bem mais de um ano para restabelecer o patamar anterior", adverte.
Recuperação deve ser mais rápida para fabricantes de matérias-primas
Demanda fraca também tem afetado as exportações do Estado
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Os setores relacionados aos bens intermediários, aqueles que fornecem matérias-primas e insumos para a produção, devem verificar uma retomada mais célere, prevê o economista-chefe da Fiergs, André Nunes de Nunes. Esse campo abrange segmentos como químicos, metalurgia, materiais de construção e peças. "Logo em seguida, com a diminuição das incertezas, esperamos o início de uma reação nas vendas de bens duráveis, como móveis e veículos", acrescenta o integrante da Fiergs.
Sobre as exportações gaúchas, Nunes diz que elas têm apresentado uma tendência de baixa desde o final do ano passado. A economia mundial já mostrava sinais de desaceleração, e as exportações do Rio Grande do Sul sofriam por conta da contração na demanda. "A pandemia deixou o mundo mais pobre, portanto esperamos que a tendência de queda se acentue nos próximos meses", comenta o economista.
Do ponto de vista econômico, Nunes argumenta que a crise acelerou e ressaltou processos e comportamentos que estavam acontecendo, ainda que de maneira mais comedida. "Nesse caso, não falo apenas da digitalização da economia, que apressou as mudanças na educação, no turismo de negócios, e nas formas de consumo, mas também do comércio internacional", explica. Nos últimos anos, segundo o economista, já se observava uma tendência de deixar as fronteiras entre os países mais demarcadas por conta da intensificação nas disputas comerciais e sociais.
Agora, os defensores de uma economia mais fechada ganharam um palanque importante. A disputa entre segurança, através da internalização das cadeias produtivas, e eficiência pode pender mais para a segurança. "O grande penalizado disso será o crescimento mundial de longo prazo, que tende a ser menor a partir de agora", projeta Nunes.