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Coronavirus

- Publicada em 25 de Março de 2021 às 10:38

Três dos quatro pacientes que receberam nebulização com cloroquina morreram em hospital de Camaquã

Uso do medicamento contra a Covid-19 foi banido pela Associação Médica Brasileira (AMB)

Uso do medicamento contra a Covid-19 foi banido pela Associação Médica Brasileira (AMB)


NARINDER NANU/AFP/JC
O Hospital Nossa Senhora Aparecida, de Camaquã, cidade a 130 quilômetros de Porto Alegre, solicitou na segunda-feira (22) ao Ministério Público estadual e ao Conselho Regional de Medicina (Cremers) que investiguem a conduta profissional da médica Eliane Scherer, que até semana passada atuava como intensivista na instituição. A médica estava utilizando um procedimento experimental e sem comprovação científica em pacientes da emergência com hidroxicloroquina inalável para combater a Covid-19. O medicamento era diluído em soro fisiológico e aplicado sob a forma de nebulização. Conforme o hospital, três dos quatro pacientes que receberam o tratamento morreram.
O Hospital Nossa Senhora Aparecida, de Camaquã, cidade a 130 quilômetros de Porto Alegre, solicitou na segunda-feira (22) ao Ministério Público estadual e ao Conselho Regional de Medicina (Cremers) que investiguem a conduta profissional da médica Eliane Scherer, que até semana passada atuava como intensivista na instituição. A médica estava utilizando um procedimento experimental e sem comprovação científica em pacientes da emergência com hidroxicloroquina inalável para combater a Covid-19. O medicamento era diluído em soro fisiológico e aplicado sob a forma de nebulização. Conforme o hospital, três dos quatro pacientes que receberam o tratamento morreram.
O procedimento não tem aval dos protocolos de saúde do hospital nem do fabricante do produto, o que coloca em risco a segurança dos pacientes. Segundo a assessoria jurídica do hospital, a médica "descumpria protocolos (de segurança) de forma contumaz", o que provocou o pedido para que fosse desligada do corpo de profissionais que atende a instituição.
Em nota divulgada nesta quarta-feira (24) o hospital afirma que “dos quatro pacientes internados que receberam o tratamento por inalação de Hidroxicloroquina, três deles vieram a óbito”. Conforme a instituição de saúde, por se tratar de um tratamento sem comprovação cientifica, não pode afirmar que houve relação direta entre os óbitos e a inalação. Ao mesmo tempo, não foi verificado que a nebulização contribuiu para melhorar o desfecho dos pacientes. “Os indícios sugerem que está contribuindo para a piora, porque todos os casos (de óbito) apresentaram reações adversas após o procedimento”, diz o hospital.
Ainda de acordo com o hospital, todos os pacientes que receberam o tratamento “têm documentado em prontuário taquicardia, ou arritmias, algumas horas após receberem a nebulização”. Dois dos pacientes estavam em estado geral grave, com insuficiência respiratória em ventilação mecânica e um deles estava estável, recebendo oxigênio por máscara com boa evolução.
O ocorrido em Camaquã ganhou repercussão na mesma semana em que a Associação Médica Brasileira (AMB) divulgou boletim no qual defende o banimento do uso da cloroquina contra o novo coronavírus. “Medicações como hidroxicloroquina/cloroquina, ivermectina, nitazoxanida, azitromicina e colchicina, entre outras drogas, não possuem eficácia científica comprovada de benefício no tratamento ou prevenção da Covid-19, quer seja na prevenção, na fase inicial ou nas fases avançadas dessa doença, sendo que, portanto, a utilização desses fármacos deve ser banida”, diz o boletim da AMB.
O Ministério Público do Rio Grande do Sul divulgou que foi instaurada investigação junto à Polícia Civil de Camaquã para verificar se o procedimento foi realizado dentro dos protocolos do Ministério da Saúde e da ética profissional. 

Médica era terceirizada e tinha “histórico de muitas dificuldades no trato pessoal”

A médica não era funcionária do hospital, mas contratada da Promed, empresa que intermedeia serviços médicos em clínicas e hospitais. Ela atuava no local desde março de 2020. Pelo contrato, deveria atuar apenas no serviço de pronto-socorro, mas estava aplicando nebulização de hidroxicloroquina em pacientes internados na UTI e nos leitos clínicos. Scherer não tinha autorização para ingressar ou atuar nesses ambientes.
"A profissional em questão tinha um histórico de muitas dificuldades no trato pessoal com a equipe. As ameaças eram frequentes", justificou o assessor jurídico do Hospital Nossa Senhora Aparecida, Maurício Rodrigues.
No dia 17, diante das denúncias, a instituição pediu à Promed que excluísse Scherer da escala de plantões. A Promed confirmou que a médica foi substituída a pedido do hospital e que a situação de Eliane Scherer junto à empresa continua inalterada.
Enfermeiros e auxiliares de enfermagem relataram que foram pressionados pela médica a aplicar as nebulizações com hidroxicloroquina, mas se negaram dizendo que não há indicação para o uso do medicamento dessa forma. Além disso, a médica não fazia a prescrição para o uso do fármaco, o que também é ilegal.
A cloroquina e a hidroxicloroquina não têm eficácia para o tratamento da Covid-19. O caso foi denunciado por dois profissionais de enfermagem e por uma auxiliar.
O caso ganhou repercussão depois que um vereador da cidade de Dom Feliciano, a 45 quilômetros de Camaquã, disse ter se curado da doença ao usar o método proposto por Scherer.
O tratamento experimental e sem comprovação científica foi exaltado pelo presidente Jair Bolsonaro na sua live da última quinta-feira (18). Na sexta-feira (19), o presidente falou a uma rádio local criticando o hospital por ter pedido o desligamento da médica. Bolsonaro voltou a bater na tecla de que, para salvar vidas, vale qualquer coisa. "Sabemos que a vacina é um custo bilionário para o mundo todo. E parece que grupos interessados em investir apenas na vacina é que deixam de lado a questão do tratamento preventivo que existe e também o tratamento logo após a contração da doença", disse.
A médica disse que não inventou a prescrição da hidroxicloroquina inalável e que a técnica consta da literatura médica. "É para o bem dos pacientes. Não ganho nada com isso, cada cápsula custa muito barato para o tratamento", disse. Scherer é dona de um centro de ecografia em Camaquã.

Famílias entraram na Justiça para receber o tratamento

O Conselho Regional de Enfermagem do Rio Grande do Sul (Coren/RS) disse que os profissionais que se recusaram a seguir as orientações da médica adotaram um procedimento correto. "Além da prescrição não ter sido documentada pela médica, o fármaco não era do hospital. A conduta dela foi totalmente irregular", disse a presidente do Coren, Rosângela Schneider.
"Aos profissionais de enfermagem, mais que um direito, é um dever recusar-se a executar prescrição de enfermagem e médica em caso de identificação de erro e/ou ilegibilidade", defendeu o Conselho em nota. O procedimento está previsto no artigo 46 do Código de Ética da profissão - Resolução Cofen nº 564/2017.
"Também é um dever posicionar-se contra, e denunciar aos órgãos competentes, ações e procedimentos de membros da equipe de saúde quando houver risco de danos decorrentes de imperícia, negligência e imprudência aos pacientes, visando a proteção da pessoa, da família e da coletividade", prosseguiu a nota.
Pelo menos duas famílias de Camaquã recorreram à Justiça para garantir o tratamento proposto pela médica. O juiz Luís Otávio Braga Schuch, da 1ª Vara Cível de Camaquã, concedeu liminar na segunda-feira aos pedidos, mas fez a ressalva de que Scherer deveria "assumir a responsabilidade pelo tratamento integral do paciente". Além disso, o hospital deveria "proceder a cientificação do paciente e/ou seus familiares de que o tratamento em questão é experimental e não atende os protocolos atuais para Covid-19".
O hospital afirma que a terapia aplicada pela médica Eliane Scherer transcende o que se chama de prescrição off label (quando a indicação do profissional de saúde diverge do que consta na bula do medicamento). “Infelizmente, nesse cenário de desespero, polarização e politicagem, diante de muita pressão da sociedade, permitimos que, via judicial e, de maneira formalizada, os pacientes que desejavam receber essa terapia, assim o fizessem”, aponta a instituição de saúde, destacando esperar que “essa ou qualquer tipo de terapia deve passar por profunda investigação e pesquisa científica antes de ser aplicada”.
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