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Coronavirus

- Publicada em 04 de Maio de 2020 às 17:43

'Paciente que se recupera é um de nós se recuperando como ser humano', diz médico

'Meu temor é que com o relaxamento da quarentena podemos ter risco de uma segunda onda'

'Meu temor é que com o relaxamento da quarentena podemos ter risco de uma segunda onda'


CLÓVIS DE SOUZA PRATES/HCPA/DIVULGAÇÃO/JC
Patrícia Comunello
Um dos temas que mais chamam a atenção na pandemia do novo coronavírus é a necessidade, ou a falta de leitos de UTI, onde há mais casos graves de Covid-19. Estados como Amazonas e Pará vivem o chamado colapso da estrutura de atendimento quando esgotam-se os recursos de suporte. Além disso, a ação do vírus no organismo têm como um dos sintomas mais dramáticos a falta de ar.
Um dos temas que mais chamam a atenção na pandemia do novo coronavírus é a necessidade, ou a falta de leitos de UTI, onde há mais casos graves de Covid-19. Estados como Amazonas e Pará vivem o chamado colapso da estrutura de atendimento quando esgotam-se os recursos de suporte. Além disso, a ação do vírus no organismo têm como um dos sintomas mais dramáticos a falta de ar.
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O médico intensivista do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) Édino Parolo, que cuida de doentes com a nova enfermidade, faz um alerta: "É importante identificar de maneira precoce sinais de insuficiência respiratória nos pacientes e encaminhar para a UTI pode determinante das chances desse paciente sobreviver ou não". Nas UTIs, o ventilador mecânico é imprescindível. "E saber 'pilotar' o equipamento também."
Parolo atuou na epidemia da gripe H1N1 e acredita que algumas lições da época podem ajudar agora as equipes, como a do HCPA, que conseguiu ampliar leitos em um novo anexo, mas ainda não teve grande demanda de internações. "Meu temor é que com o relaxamento da quarentena, que já se começa a notar nas ruas, podemos ter risco de uma segunda onda", admite o intensivista.
Nesta entrevista, Parolo, 43 anos, também descreve como é a rotina que exige uso de equipamentos, como máscaras que machucam o rosto. "A remoção da proteção tem de ser mais cuidadosa, porque as camadas que usamos estão contaminadas", observa o médico, que indica a razão que justifica todo o esforço: "Paciente que se recupera é um de nós se recuperando como ser humano." 
Jornal do Comércio - Quanto um paciente que está com a Covid-19 é diferente de todos os demais?
Édino Parolo - É uma doença nova que vem sendo conhecida nos últimos meses. Várias informações chegam de colegas de outros países, especialmente China, Itália, França, Espanha e China e agora dos EUA. A conexão com a comunidade médica internacional tem sido muito útil. O cuidado com os pacientes é peculiar porque o ambiente tem de ter precauções de contato e aerossol (nível mais elevado) para evitar a disseminação entre outras pessoas do hospital e, em especial, infecção da equipe que faz o atendimento. Tivemos de adaptar as tarefas que estamos acostumados a fazer para esse nível de precaução. Toda a equipe está adequando seu comportamentos e os fluxos de trabalho para poder combinar a expertise prévia à essa nova condição. Por último, esses pacientes demandam muito conhecimento específico de vários aspectos da assistência e do suporte cuidadoso. Quando a gente fala em ventilação mecânica ou suporte respiratório, precisamos destacara que deve ser feito com conhecimento e experiência para evitar danos secundários aos doentes. Tem sido uma oportunidade para o nosso trabalho ser desafiado e, ao mesmo tempo, conseguirmos aplicar o que sabemos de melhor.
JC - Por que o nível de cuidado e atenção tem esta importância?
Parolo - Os equipamentos da UTI são fundamentais para atender bem os pacientes graves. Nem todo o médico está capacitado a pilotar a máquinas da melhor forma, principalmente o ventilador mecânico, que empurra o ar para dentro do sistema respiratório de uma maneira coordenada. A gente consegue programar e monitorar de forma precisa e individualizada como o ar é administrado nos pulmões. Conhecimento científico e avanço tecnológico acumulados nos últimos 20 anos permitem que isso seja feito de forma mais segura. Em doenças como a Covid-19, sabemos que, se não fizermos o manejo do ventilador de forma ajustada e monitorada continuamente, podemos causar mais mal do que bem aos pacientes que têm ficado, em média, 10 dias em ventilação mecânica. Enquanto isso, eles ficam anestesiados e dependem de cuidados complexos de enfermagem e fisioterapia. Se, nesse tempo, a ventilação pulmonar for 'pilotada' de maneira gentil e cuidadosa, o pulmão pode 'descansar', enquanto melhora da doença.
JC - Quanto isso é importante nessa luta contra a doença?
Parolo - É importante para permitir que o paciente receba oxigênio adequado e não faça esforço com o pulmão. A doença se caracteriza por uma inflamação infiltrativa no pulmão, com áreas boas e outras doentes. Se o médico não cuidar da interação da máquina com o paciente, acabamos machucando áreas boas. Receber estes cuidados em uma UTI e de uma equipe qualificada pode fazer a diferença. O Centro de Terapia Intensiva (CTI) tem uma equipe multiprofissional composta por médicos, fisioterapeutas, enfermeiros, técnicos de enfermagem e nutricionistas. A gente desenvolve uma rotina de trabalho que combina cuidados com o doente prevenindo complicações. São vários detalhezinhos de processo, como se fosse uma linha de produção bem azeitada, funcionando continuamente, evitando que o paciente fique mal posicionado, que ele tenha infecção hospitalar, que sofra por dor e que tenha feridas na pele. São processos simultâneos que acontecem o tempo todo.
JC - Essas complicações que caracterizam o doente de Covid-19 são comparáveis a outras doenças?
Parolo - Das doenças mais conhecidas das pessoas, dá para fazer analogias com as pneumonias mais comuns, que são as causadas por bactérias. As virais são menos frequentes, mas o suporte com ventilação mecânica é semelhante. Outra comparação é com a Síndrome da Angústia Respiratória Aguda (SARA), que é uma complicação da pneumonia ou outras doenças, caracterizada pela inflamação dos pulmões, parecida com a Covid-19, que exige cuidados respiratórios bem delicados para evitar danos secundários.
JC - Quando o paciente atacado pelo novo vírus vai para a UTI é por que já precisa desses cuidados? Já tem um nível mais grave de insuficiência respiratória?
Parolo – Vimos nos casos na China e na Itália que a demora entre a pessoa ficar com falta de ar e piorar por isso e o momento em que ela é colocada no suporte avançado da UTI, parece, parece estar associado com a piora da chance desse paciente sobreviver. É difícil falar individualmente sobre qual será o futuro imediato de cada paciente. Então, a gente precisa continuamente tomar essas decisões: se o paciente precisa ser entubado ou se espera ele melhorar mais um pouco, para avaliar se melhora ou não. Essa decisão individualizada é delicada e exige muito do médico que presta os cuidados. Com alguns sinais de piora respiratória, como não melhorar apenas com o suporte do cateter nasal e dificuldade de respirar, este paciente tem indicação de UTI para ventilação mecânica. É melhor estar na UTI para receber o suporte em um tempo mais adequado do que num momento pior em que ele vai estar mais debilitado com outros sinais de falência. A pergunta que as pessoas mais fazem é se tem um alerta de que o paciente tem mais risco de sobreviver ou não.
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Equipe multidisciplinar cuida de paciente com Covid-19 em UTI do Clínicas. Foto: HCPA/Divulgação
JC - Por que alguns pacientes sobrevivem e outros não, mesmo recebendo os mesmos cuidados?
Parolo - Ainda há poucos dados estatísticos para chegarmos a maiores conclusões. A literatura médica mostra que muitos pacientes que não sobrevivem é porque têm outras doenças ou fragilidades crônicas. Em um momento em que o corpo é exigido ao extremo, o organismo não consegue se reabilitar. Mesmo pessoas mais jovens e sadias têm risco de não ir bem, pois depende de como a imunidade de cada um reage e se a forma como o organismo ataca o vírus não é diferente em cada caso. Às vezes, a mesma infecção causa um 'incêndio' muito grande em uma pessoa e em outra não. O mais comum é já ter doença crônica, como uma pessoa idosa, que faz parte do grupo com maior risco de falecer.
JC - E como está o uso de medicações para o tratamento?
Parolo - Há muitas hipóteses sendo levantadas por publicações ainda muito pequenas. A gente precisa de informação científica mais consistente para usar medicamentos em larga escala. O controle de infecção hospitalar do HCPA tem acompanhado as diretrizes do Ministério da Saúde, como as indicações sobre o uso de hidroxicloroquina. Esperamos poder responder melhor sobre isso nos próximos meses. É muito natural das pessoas quererem um tratamento logo. A nossa postura como serviço de UTI têm sido cautelosa. Estamos participando de um estudo (ensaio clínico) grande de vários hospitais no Brasil que está testando se estes remédios são eficazes ou não para esses pacientes. Alguns pacientes vão ser sorteados para receber um remédio e outros para outra medicação. É um ensaio que precisa do consentimento da família. Não dá para fazer recomendação a partir de séries de cinco ou 10 casos. Há também estudos com pouquíssimos pacientes que, em tempos normais, não seriam publicados em periódicos de grande impacto. Nesse ambiente de pandemia, infelizmente, revistas super criteriosas têm reduzido as exigências para publicação por causa do clamor da sociedade por tratamento. É muito preliminar e insuficiente para tomar decisões em relação a centenas ou milhares de pessoas.
JC - No geral, a medicação convencional responde bem?
Parolo - Temos pacientes que melhoraram usando hidroxicloroquina, outros que melhoraram sem e há os que pioraram usando ou não. Não dá para afirmar se realmente funciona. Precisamos ter cautela. Há colegas, claro, entusiasmados com este ou aquele tratamento, mas, entre o entusiasmo e a recomendação, tem de ter muito cuidado. A hidroxicloroquina virou disputa política, assunto de redes sociais. Isso é muito triste, porque este tipo de discussão deveria ficar no nível técnico.
JC - Qual é a conduta fundamental de um médico?
Parolo - É importante identificar de maneira precoce a insuficiência respiratória em todos os pacientes. É uma avaliação que o médico vendo o paciente no leito já consegue diagnosticar. Não precisa de exame ou equipamento sofisticado. É a avaliação bem clínica. Identificar isso precocemente e encaminhar para um serviço que possa prestar assistência mais avançada, neste caso as UTIs, é um fator que parece ser determinante para manter as chances desse paciente sobreviver ou não. O atraso nisso pode, em alguns casos, determinar uma trajetória irreversível depois. Com relação a tratamentos medicamentosos, é preciso ser cauteloso e aguardar as diretrizes do Ministério da Saúde e, eventualmente, publicações científicas mais confirmatórias.
JC - O tempo de permanência dos pacientes em UTI em 20 dias é o que vocês têm enxergando?
Parolo - Em média, este tempo tem sido de 10 a 12 dias, com uma variação de oito até casos com mais de 20 dias. Isso não depende só da Covid-19, mas também da reabilitação do paciente, o que precisa de apoio de fonoaudiologia, fisioterapia e enfermagem para poder sair da UTI com segurança. São processos complexos e muito individualizados. Precisamos cuidar para que o paciente não saia tão cedo da UTI, que precise retornar, e, ao mesmo tempo, que não fique tempo demais.
JC - O que significa ver um paciente que reverte o quadro e tem alta?
Parolo - Tem sido a experiência muito gratificante ver quando o paciente sai bem da UTI, sendo devolvido para a família, conversando e respirando sozinho. A gratificação é proporcional ao nível de medo e incerteza que a gente vem enfrentando nestes últimos meses. Para a equipe de saúde que também está exposta, é uma vitória de todos. Paciente que se recupera é um de nós se recuperando como ser humano. Isso se soma à satisfação de ver teu trabalho tendo resultado positivo. 
JC - Como tem sido os plantões na UTI?
Parolo - A gente sai psicologicamente mais cansado. Nos primeiros dias, era pior. Agora aprendemos a nos adaptar a este cenário, pelo desconhecido e pelas novas estratégias de proteção. Até chegar o primeiro paciente, foram várias semanas de estudo e planejamento sobre as áreas para isolamento, saídas para ter mais leitos e como seria para vestir e desvestir o equipamento. Teve um grupo de médicos, enfermeiros e psicólogos que se envolveu por 15 dias, sem ter fim de semana de descanso. Todos fizeram isso de forma voluntária. A equipe toda vem se esforçando muito. A jornada de seis horas hoje é mais difícil, temos equipamentos de proteção para usar, que geram mais desconforto. É o rosto que sai marcado, é o nariz que sai ferido por causa da máscara. A remoção da proteção tem de ser mais cuidadosa, porque as camadas que usamos têm contaminação do vírus. 
JC - Teve alguém da equipe que se contaminou?
Parolo - Até agora não. Teve suspeito, que testou, mas não era Covid-19. Mas na Itália, nos EUA e em São Paulo, é impressionante o número de contaminados, que pode estar ligada à sobrecarga de doentes e a falhas na proteção com gotículas e aerossol. É muito difícil que isso não ocorra. Se aqui no Clínicas tivéssemos lotados, isso também poderia acontecer. O esgotamento pode levar a descuidos individuais. Já a sobrecarga do serviço pode levar à falta de material de proteção.
JC - Vocês estão prontos para encarar uma situação de superlotação?
Parolo - Conseguimos ampliar a capacidade da UTI com a reorganização e abertura do novo anexo. Profissionais foram chamados, o que deu mais capacidade de adaptação. Na fase do medo e susto da epidemia, as pessoas não têm vindo ao hospital com outras doenças. É inevitável que, em breve, comecem a chegar outros doentes com mais complicações, ainda mais no inverno. Meu temor é que com o relaxamento da quarentena, que já se começa a notar nas ruas, podemos ter risco de uma segunda onda com uma disseminação em toda a cidade. Os casos importados já estão sendo atendidos. Já os que tiveram contaminação local não sabemos como vão se comportar.
JC - Essa situação que exige tanta proteção e sobre uma doença que ainda é pouco conhecida é comparável à epidemia da gripe causada pelo vírus H1N1, que causa a Gripe A?
Parolo - São vírus um pouco diferentes. A transmissão do Influenza (H1N1) é por gotículas. A máscara tradicional, as luvas e o avental eram suficientes para nos protegermos. A H1N1 também não tinha a letalidade e agressividade da Covid-19 e nem o volume de casos. A máscara que usamos agora é a mesma para tratar casos de tuberculose. À medida que temos dezenas ou centenas de pacientes com risco de contaminar outros tantos, é uma novidade. Nunca precisamos adaptar leitos em larga escala. Tivemos algo próximo, em termos de mobilização, na tragédia da Boate Kiss, quando hospitais de Santa Maria e da Capital foram requisitados, mas o número de pacientes que chegou às UTIs foi muito menor.
JC - Tu chegaste a viver o impacto da H1N1?
Parolo - Comecei a trabalhar no hospital bem na epidemia, pois me chamaram no concurso que tinha feito. Naquela época, não tínhamos leitos de UTI suficientes. Tivemos de adaptar uma área da emergência e outra  na recuperação do bloco cirúrgico. Era surpreendente como a H1N1 debilitava e muito rápido o doente. Como acometia mais os jovens e as gestantes, o drama era um pouco diferente que o de agora.
JC - Como foi lidar naquela epidemia com uma doença nova e agora?
Parolo - É difícil comparar as duas situações, mas acredito que aprendemos muito naquele cenário para o que temos de fazer agora. A impressão que tenho é que a incidência foi menor e mais lenta na Gripe A. A gente fica preocupado com as estatísticas da Covid-19 em outros estados onde a curva é exponencial. Na H1N1, era uma reta com subida mais linear, o que nos deu mais tempo de adaptação. Isso fez a gente ser mais agressivo na preparação agora. Pode ser que isso tenha nos feito ganhar tempo.
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