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Crise na saúde

- Publicada em 06 de Abril de 2020 às 20:57

Covid-19 traz incerteza a autônomos e estimula criatividade em escritórios

Advogados procuram maneiras de clientes cumprirem contratos, mesmo que diferente do acordado

Advogados procuram maneiras de clientes cumprirem contratos, mesmo que diferente do acordado


/OLIVIER DOULIERY/AFP/JC
A suspensão dos prazos processuais e a criação do sistema de plantão no Judiciário em razão da pandemia do novo coronavírus (Covid-19) colocam em risco a renda de muitos advogados autônomos e de pequenos escritórios. Esses não têm contratos fixos e dependem da conclusão dos casos para receber os pagamentos. Já para os grandes escritórios, a crise gerada pelo coronavírus tem trazido uma grande demanda de trabalho de consultoria em algumas áreas. 
A suspensão dos prazos processuais e a criação do sistema de plantão no Judiciário em razão da pandemia do novo coronavírus (Covid-19) colocam em risco a renda de muitos advogados autônomos e de pequenos escritórios. Esses não têm contratos fixos e dependem da conclusão dos casos para receber os pagamentos. Já para os grandes escritórios, a crise gerada pelo coronavírus tem trazido uma grande demanda de trabalho de consultoria em algumas áreas. 
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) suspendeu, no dia 19 de março, devido à crise do coronavírus, todos os prazos processuais (exceto em ações que envolvam a preservação de direitos e de natureza urgente) e instituiu um regime de plantão no Judiciário até 30 de abril - prazo que pode ser prorrogado.
O setor mais comprometido pela crise envolve a assistência jurídica pública gratuita para pessoas que não têm renda suficiente para arcar com as despesas de advogados e custas processuais. Em São Paulo, essa tarefa cabe, primordialmente, à Defensoria Pública, instituição que, apesar de receber repasses do governo estadual, tem autonomia administrativa e funcional e conta com 777 defensores públicos. Porém esse número não é suficiente para atender à demanda do estado, e por isso a instituição mantém um convênio com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de São Paulo para que 47 mil advogados possam trabalhar nas causas defendendo as pessoas de baixa renda.
Ainda que no Rio Grande do Sul não exista esse convênio com a Defensoria Pública, o cenário é parecido com o de São Paulo. Lá, os advogados autônomos e pequenos escritórios não vinculados ao convênio, principalmente aqueles que atuam em áreas do Direito não atendidas pela Defensoria, como a trabalhista e a previdenciária, também sentem a ameaça da queda na remuneração. Além de não terem condições de dar qualquer previsão para seus atuais clientes, consideram que, durante a crise, também cairá a quantidade de novos casos.
No dia 23 de março, o Conselho Federal da OAB anunciou a criação de um fundo emergencial para receber doações voltadas a advogados em crise financeira. A OAB-RS prorrogou os prazos de pagamento das anuidades de março, abril e maio para outubro, novembro e dezembro, respectivamente. Ainda, a OAB-RS afirma estar estudando uma medida para auxiliar os advogados com dificuldades financeiras por conta da pandemia.

Demandas trabalhistas mudaram no atual cenário

Além de não terem condições de dar qualquer previsão para seus atuais clientes sobre os casos que já estavam em andamento, alguns advogados autônomos gaúchos notam que a quantidade de novos casos diminuiu e acreditam que esse número possa sofrer uma redução ainda maior nos próximos dias.
A advogada autônoma especialista em Direito do Trabalho Kelly Martins já percebeu uma alteração no volume de trabalho e na procura dos clientes desde o início da pandemia. Ela aponta que, mesmo que, atualmente, os processos tramitem por meio eletrônico, grande parte do serviço dos advogados acontece de forma presencial. "E, sem atendimento nos foros trabalhistas, o tempo de tramitação das ações, que já é longo, tende a aumentar ainda mais. As audiências foram canceladas e, em muitas varas, a espera por uma nova pauta pode levar meses", conta.
Já para o também advogado autônomo e especialista em Direito do Trabalho Felipe Schnitzer, a pandemia diminuiu a procura apenas nas demandas tradicionais, a serem ajuizadas. "Mas houve uma grande procura de pessoas interessadas em tirar dúvidas sobre as novas situações surgidas nas relações de trabalho com a chegada do coronavírus, tais como teletrabalho, antecipação das férias e interrupção da prestação de serviço, por exemplo."
Para ambos, a diminuição aconteceu por causa da preocupação com a saúde e, principalmente, com a manutenção dos postos de trabalho. Shnitzer afirma não estar tendo dificuldades para atuar. "Com a baixa procura de clientes para processos típicos e a suspensão de prazos e audiências, estou conseguindo colocar em dia ações que estavam para serem ajuizadas, assim como tempo para estudar", acrescenta. Kelly, porém, ressalta que, no Direito do Trabalho, o pagamento só é feito no final da demanda. "Então, para nós autônomos, fica a incerteza já que não se tem uma previsão de quando voltaremos a receber."

Consultoria na área tecnológica tem aumento de procura na pandemia

Se, por um lado, o trabalho está minguando para os pequenos escritórios, nas grandes bancas jurídicas a procura dos clientes por informação sobre como proceder frente à crise se intensificou. Clientes com questões sobre proteção de dados digitais e trabalho remoto, revisões contratuais, dúvidas trabalhistas e tributárias são alguns dos exemplos.
O escritório paulista Opice Blum, Bruno, Abrusio e Vainzof, especializado em direito digital, teve um aumento de trabalho de 40% na área de proteção de dados, segundo o sócio-fundador Renato Opice Blum. "A área tecnológica está com uma demanda forte. Há questões sobre dados pessoais que podem sofrer vulnerabilidades em função do aumento no número de conexões, sobre a mudança ou implementação de novas medidas para dar mais segurança e sobre a questão mais atual, de dados de saúde", afirma o sócio.
O escritório Zulmar Neves Advocacia (ZNA), em Porto Alegre, também notou aumento nas demandas sobre questões tributárias e trabalhistas desde o início da pandemia. Segundo o advogado especialista em Direito Tributário e sócio do ZNA Vinícius Lunardi Nader, esse aumento aconteceu por causa das mudanças nas respectivas legislações para atender às demandas da população em meio ao coronavírus. "Essas mudanças demandam adequada interpretação para sua aplicação e a ZNA tem apoiado diversos clientes nesse desafio", explica. Para ele, a principal dificuldade está na impossibilidade de estar em contato presencial com o cliente. "Apesar disso, nossa estrutura de TI permite que 100% dos colaboradores atuem em home office, sem prejuízo da qualidade dos serviços prestados", justifica.
O advogado paulista Flávio Pereira Lima, do escritório Mattos Filho, conta que no momento a preocupação tem sido mapear os possíveis cenários e analisar o efeito da pandemia em cada contrato. Segundo ele, é preciso identificar maneiras de seus clientes cumprirem os contratos, ainda que de forma diferente da inicialmente acordada. "Em um cenário extremo como esse é preciso mudar a forma de resolução desses conflitos e encontrar soluções em que todos percam menos, negociando com todos os envolvidos", defende.
Assim como Mattos Filho e ZNA tiveram de se adaptar à nova realidade, outros escritórios também criaram soluções após o início da pandemia. O escritório Demarest, por exemplo, criou uma plataforma com conteúdos jurídicos sobre as medidas que vêm sendo tomadas frente à crise e sobre suas repercussões jurídicas. Já o escritório Lobo de Rizzo organizou uma série de webinars para empresários. Entre os temas abordados estão, além dos impactos trabalhistas e contratuais, também as repercussões no direito de ir e vir das pessoas.