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Coronavirus

- Publicada em 20 de Março de 2020 às 20:43

Presidente deve coordenar ação contra coronavírus para evitar conflito, diz professor da Ufrgs

O professor da Ufrgs, Jean Segata, que estuda os impactos antropológicos das epidemias, analisa conduta do presidente e publicação de Eduardo Bolsonaro, na qual responsabiliza a China pela pandemia de coronavírus

O professor da Ufrgs, Jean Segata, que estuda os impactos antropológicos das epidemias, analisa conduta do presidente e publicação de Eduardo Bolsonaro, na qual responsabiliza a China pela pandemia de coronavírus


/DIVULGAÇÃO/JC
Marcus Meneghetti
O professor do programa de pós-graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) Jean Segata acredita que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) deveria não só dar o exemplo de como se portar diante da pandemia de coronavírus, como também coordenar as medidas adotadas pelos ministérios.
O professor do programa de pós-graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) Jean Segata acredita que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) deveria não só dar o exemplo de como se portar diante da pandemia de coronavírus, como também coordenar as medidas adotadas pelos ministérios.
Para o professor - que estuda o impacto antropológico de epidemias -, as orientações de diferentes setores do governo são contraditórias, muitas vezes. O presidente, avalia Segata, deveria coordená-las para que não conflitem umas com as outras.
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Jean Segata avalia ainda a mensagem divulgada pelo filho do presidente, deputado federal Eduardo Bolsonaro (sem partido), na rede social Twitter, na qual responsabilizou a China pela pandemia. Conforme o professor, um dos efeitos das epidemias - infelizmente - é a culpabilização do povo que vive onde a doença foi catalogada. "É uma espécie de 'racialização'", pois associa a enfermidade a um determinado grupo étnico - o que é "descabido", do ponto de vista científico.
Jornal do Comércio- Inicialmente, o presidente Jair Bolsonaro classificou a pandemia de coronavírus como uma “fantasia” da mídia. Depois, desafiando a orientação do Ministério da Saúde, que aconselhava o isolamento das pessoas, cumprimentou manifestantes que se aglomeravam em frente ao Palácio do Planalto - mesmo depois de membros da sua equipe terem testado positivo para o vírus, por conta de uma viagem internacional na qual ele também participou. Como avalia esses episódios?
Jean Segata - O que se espera, em primeiro lugar, é que dê o exemplo. Não tem explicação para pendurar uma máscara na orelha, sair dando a mão para as pessoas em manifestação. Um líder não pode se considerar o centro do mundo, tem que pensar nos outros. Digo isso porque ele (o presidente) disse que, se ele se contaminasse, a responsabilidade era dele. Entretanto, a preocupação naquele momento era que ele contaminasse a população, porque tinha sido ele quem veio de um voo que teve 22 passageiros com Covid-19.
JC – O que se espera de um líder como o presidente em um momento como este?
Segata – É necessário que seja uma figura capacitada para coordenar os trabalhos de contingenciamento de uma crise como essa. Hoje, cada setor do governo toma suas próprias decisões. Só que as medidas têm conflitado. Por exemplo, o Ministério da Saúde diz que as pessoas com suspeita de contaminação pelo coronavírus devem permanecer em isolamento em casa. Essas pessoas não devem procurar o serviço médico para não abarrotar o sistema público de saúde. Entretanto, a Secretaria do Trabalho – ex-ministério – diz que os trabalhadores com suspeita da Covid-19 devem apresentar atestado nos locais de trabalho para receberem a dispensa das suas funções. Mas, se eles devem ficar em isolamento, como vão buscar atendimento médico? É necessário uma figura firme, capacitada para que as medidas tenham mais coerência no processo de contingenciamento dessa crise de saúde.
JC –O filho do presidente Jair Bolsonaro, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, publicou no Twitter uma mensagem responsabilizando a China pelo coronavírus. Em uma epidemia, é comum a responsabilização das pessoas que vivem no local onde a doença foi catalogada?
Segata - Sim, é uma espécie de ‘racialização’ da doença. O próprio Eduardo Bolsonaro justificou sua fala assim: “ah, mas isso é normal, porque o zika vírus remete a uma floresta de Uganda, chamada Zika, onde foi descoberto o vírus”. Esse tipo de nomeclatura já existiu na literatura médico-epidemiológica. Mas hoje tem sido cada vez mais abolida, justamente por causa dos efeitos de localização e de estigmatização das populações que vivem nos lugares onde são catalogadas as doenças. Uma coisa é o coronavírus ter sido descoberto na China. Outra é culpabilizar a população daquele país pelo vírus, pela doença. São coisas completamente diferentes. Infelizmente, (a fala de Eduardo Bolsonaro) não é um episódio isolado. Quando surgiu o zika no Brasil, muita gente dizia que era a doença do nordeste, falavam que as gestantes que contraíam a doença (que causa microcefalia nos bebês) iam ter filhos do mosquito. É esse tipo de estigmatização em certas populações que deve ser evitada.
JC – Eduardo Bolsonaro chegou a dizer que o governo chinês sonegou informações ao resto do mundo...
Segata - Tem teorias da conspiração, dizendo que governo comunista chinês espalhou a doença e outras coisas. Isso é algo descabido em um momento como esse. Temos que tomar todos os cuidados, articular o sistema público de saúde etc. Temos que evitar a culpabilização de certas populações, o que, aliás, já foi feito inúmeras vezes no Brasil. Se você voltar na história até os anos 1890, vai constatar que o Barata Ribeiro (que foi prefeito do Rio de Janeiro, entre 1891 e 1893, época em que a cidade era a capital federal) mandou derrubar os cortiços no centro do Rio, porque achava que a febre amarela era uma doença da população negra e pobre, que vivia amontoada nesses locais, em condições precárias.
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