Os vetos do presidente da República, Jair Bolsonaro, ao novo marco legal do saneamento (lei 14.026), que foram mantidos pela Câmara dos Deputados nessa quarta-feira (17) e refletem nas condições de contratos das concessionárias do setor, são vistos por agentes desse segmento como um fator que levou o governo gaúcho a decidir pela privatização da Corsan. No entanto, uma dúvida que fica e divide opiniões é se a questão está sendo usada politicamente para enfraquecer a discussão que sempre ocorre dentro de um processo de desestatização ou realmente é uma estratégia essencial para que a empresa não seja tão impactada pelos vetos e possa cumprir as metas de universalização de serviços impostas dentro das novas regras da área em que atua.
Com a decisão da Câmara de quarta-feira, foi vetada a possibilidade de que, nos locais em que as empresas públicas de saneamento prestam serviços sem contrato, sejam formalizadas essas atividades. Também foi inviabilizada a opção da renovação dos contratos das estatais por mais 30 anos sem licitação. Já quanto a objetivos traçados, a lei 14.026 instituiu a meta da universalização do saneamento no País até o fim de 2033, atingindo uma cobertura de 99% para o fornecimento de água potável e de 90% para coleta e tratamento de esgoto. Esses percentuais também precisam ser alcançados pela Corsan nos lugares em que opera.
O conselheiro de Orientação do Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento (Ondas), Abelardo de Oliveira Filho, admite que o novo marco do saneamento e a proibição da renovação dos contratos em vigor sem licitação impactam as empresas públicas e induzem a um movimento de privatização. No entanto, no caso da Corsan, o dirigente considera que o governo gaúcho está utilizando a legislação como uma desculpa para ir adiante com a venda da estatal, algo que não seria uma ação obrigatória. "A Corsan, tendo os contratos regularizados, não precisava fazer a abertura de capital", frisa.
Oliveira Filho enfatiza que o discurso sobre ser necessária a entrada da iniciativa privada para fazer os investimentos previstos na área de saneamento não tem relação com os fatos. O integrante do Ondas acrescenta que os vetos do presidente Bolsonaro significaram uma quebra de acordo feito pelos líderes do governo no Congresso com governadores para a aprovação do novo marco do saneamento. Ele ressalta que já há três Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) tramitando no Supremo Tribunal Federal (STF) questionando a nova legislação e, depois da manutenção dos vetos, Oliveira Filho projeta que esse número aumentará.
Já o diretor executivo da Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto e do Sindicato Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (ABCON/Sindcon), Percy Soares Neto, considerou positiva a confirmação dos vetos. Ele argumenta que a decisão é importante para atrair investimentos privados para o setor e com isso se avence na abertura desse mercado.
Quanto à privatização da Corsan, Soares Neto considera que o governo gaúcho teve uma sensibilidade política apurada e tomou a decisão em um momento ideal. "O Rio Grande do Sul sai na frente dos outros estados", aponta o dirigente. O diretor executivo da ABCON/Sindcon estima que a venda da empresa atrairá vários interessados. Ele enfatiza que as empresas privadas têm uma maior facilidade para conseguir recursos no mercado e assim levar adiante as metas de expansão de saneamento que a Corsan precisa cumprir. O dirigente espera ainda que a ação sirva de exemplo para o Departamento Municipal de Água e Esgotos (DMAE), de Porto Alegre, seguir também em uma linha de abertura para a iniciativa privada.
Governo leva em consideração os cenários nacional e regional
O secretário-chefe da Casa Civil do Rio Grande do Sul, Artur Lemos Júnior, afirma que os vetos no Congresso Nacional ao marco do saneamento não foram uma questão preponderante para a decisão de privatização, no entanto assume que tiveram influência. "Aumentou o conteúdo de justificativas que levam a gente a chegar ao mesmo resultado", diz Lemos.
O secretário enfatiza que o planejamento envolvendo a Corsan também se deve às experiências que o governo já teve com outras empresas que passaram por dificuldades, como a CEEE-D e a Companhia Estadual de Silos e Armazéns (Cesa). Segundo Lemos, está sendo feito um trabalho de recuperação da credibilidade da Corsan, porém, somente no ano passado, a empresa pagou em dívidas trabalhistas cerca de R$ 200 milhões. Outro ponto ressaltado pelo secretário é o débito da estatal com a Fundação Corsan (entidade de previdência complementar), que supera os R$ 600 milhões.