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'Estamos vivos', desabafa dono de restaurante tradicional de Porto Alegre
Marins descreve as adaptações e medidas adotadas para suportar os impactos da pandemia
LUIZA PRADO/JC
Patrícia Comunello
O cardápio dos restaurantes na pandemia em Porto Alegre tem sido: fecha e abre, fecha e abre; reduz quadro de funcionários, suspende contratos ou e demite. Tenta crédito, nem sempre consegue, de linhas como Pronampe para o negócio não 'azedar' de vez. E o empreender é 'obrigado' ainda a buscar inovação, para dosar o atendimento no salão (presencial) com o de casa.
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O cardápio dos restaurantes na pandemia em Porto Alegre tem sido: fecha e abre, fecha e abre; reduz quadro de funcionários, suspende contratos ou e demite. Tenta crédito, nem sempre consegue, de linhas como Pronampe para o negócio não 'azedar' de vez. E o empreender é 'obrigado' ainda a buscar inovação, para dosar o atendimento no salão (presencial) com o de casa.
A trajetória é descrita pelo dono de um dos restaurantes mais tradicionais em Porto Alegre, que atesta, após seis meses da chegada da pandemia, com certo toque de alívio: "Estamos vivos, trabalhando e olhando para o futuro', diz Fernando Marins, do Le Bistrot.
Jornal do Comércio - Como tem sido a pandemia para o restaurante?
Fernando Maris - Bastante difícil porque somos uma empresa de serviço, tem muita mão de obra envolvida no processo e acabamos demitindo uma parte dos colaboradores, alguns têm contrato suspenso e outros tiveram redução de jornada, dentro das possibilidades que o governo ofereceu. Reduzimos 40% no Le Bistrot, que é o que está aberto, onde tínhamos 21 a 22 funcionários. Agora entre nove e 11. No Constantino, demitimos quase todos. Lá tivemos de entregar o imóvel (que foi pedido pelo dono), mas o plano era mudar para outro endereço. Mas surgiu o coronavírus, aí fechamos. A ideia de abrir em outro local está congelada. Não está descartada, mas vamos aguardar o que vai acontecer.
JC - O senhor nunca havia passado por isso antes como empresário do setor?
Maris - Já passei por muitas crises na minha vida porque eu sou bem antigo, e o Brasil sempre foi mestre me criar muitas crises. Mas como essa nada foi visto antes e é mundial, por isso é bem, mais complexa. Mas o governo, mal ou bem, está tentando resolver, gerando créditos e criando condições de contratos de trabalho diferentes. Se não fosse isso, estaríamos todos fechados.
JC - Vocês chegaram a buscar crédito?
Maris - Pegamos um pouco de crédito do Pronampe, pois a oferta era muito limitada, mas abaixo da nossa necessidade. É muito difícil trabalhar sem capital de giro. Estamos usando os recursos para despesas correntes. A nossa venda hoje não paga a nossa despesa fixa. Como é um financiamento com carência grande e prazo de 36 meses para pagar, vamos diluir isto no futuro. Esperamos que tenha futuro. Mas acho que sim, pois quando reabrimos percebe-se o interesse das pessoas em vir ao restaurante. É um bom sinal. As pessoas estão carentes disso.
JC - Desde março, quando surgiu a pandemia e com fechamentos e reabertura (uma vez apenas até começo de agosto), vocês reabriram antes da recente retomada?
Maris - Reabrimos em fim de maio até fim de junho e começo de julho com tudo que a lei permitia, que era almoço e jantar e 50% da capacidade, e funcionou muito bem, conseguimos ter faturamento equilibrando receita com despesa. Mas quando está fechado, não tem como equilibrar.
JC - O senhor conhece muitos empreendedores que chegaram e não vão voltar?
Maris - Sim, muitos que estão fechando para não voltar. São empresas mais novas, que foram abertas há dois e três anos e não estavam bem capitalizadas - nós estamos há 20 anos no mercado -, tínhamos uma gordura que está se indo. Mas no começo é muito difícil, pois tem de pagar o investimento feito. Se te pegam (pandemia) neste momento, é muito difícil. Agora estamos nos descapitalizando e vamos passar por um processo de recapitalização. A outra saída era fechar, mas aí vamos fazer o quê?
JC - O senhor chegou a pensar em fechar?
Maris - Em um primeiro momento, pensamos porque se a crise durar um ano vai fechar igual. Mas não se acredita que vai durar todo este tempo. Quando se pensa em fechar, é acabar com um trabalho de 20 anos ficar sem emprego (risos), entrar para o rol dos desempregados. Como se sobrevive? Ninguém tem dinheiro para sobreviver pelo tempo que imagina que vai durar (a crise). Essa é a conta mais difícil de fazer: se um dia vamos poder parar de trabalhar. É triste fechar. Fechamos o Constantino, pelo qual tínhamos muito carinho, mas porque o imóvel foi vendido.
JC - Como o senhor foi processando as medidas adotadas em Porto Alegre ao longo dos últimos meses?
Maris - Se a gente imagina uma situação desta teoricamente, é muito difícil de administrar. Vai durar 90 dias e tudo vai terminar? Ou vai fechar? Mas à medida que as coisas vão acontecendo vamos encontrando soluções. Tivemos acordos com fornecedores, reescalonamos pagamentos, o dono do imóvel que nos dá um desconto importante na locação.
JC - É um desconto ou é um valor que o senhor terá de pagar mais à frente?
Maris - Sobre isso não falamos. Estamos negociando mês a mês. Isso é uma coisa que aprendemos ao longo desse tempo. É muito difícil fazer projeções. Mês a mês conversamos com locador e fornecedores, porque um mês está aberto, no outro fechado, em outro abre um turno, em outro dois. Não tem como fazer um projeto. O importante é que as partes tenham boa vontade. O que se percebe que está todo mundo solidário a essa situação porque se as pessoas ficarem intransigentes, a maioria não vai sobreviver. Hoje se comprar muito menos porque não se consome, ou seja, os nossos fornecedores também estão vendendo muito menos. Há uma redução em toda a cadeia de faturamento. Por incrível que pareça, conseguimos estar vivos, trabalhando e olhando para frente e acreditamos que algumas coisas vão voltar melhor do que estavam. Talvez a gente passe a ter mais produtividade por pessoa, porque talvez antes da pandemia tivéssemos mais funcionários do que precisávamos ou havia escassez de mão de obra, que agora vai sobrar. É terrível falar sobre isso, porque estamos com desemprego. Mas vai mudar, porque os que vão trabalhar serão os mais profissionais ou melhor treinados.
JC - Como o restaurante enfrentou o período sem abertura e mesmo agora que volta aos poucos?
Maris - Estamos sobrevivendo com base do delivery e take-away, áreas em que não trabalhávamos. Agora profissionalizamos.
JC - Como vocês estão atuando?
Maris - Com o fechamento do restaurante, passamos a entregar a comida do cardápio. Depois disso, resolvermos criar um menu trivial, mas em conta para o dia a dia e que serve duas pessoas. Serve quem está trabalhando em casa. A gente vinha pesquisando este assunto há uns 10 anos, para dominar o método. Só não tínhamos conseguido implementar porque a rotina de um restaurante em movimento não nos dá tempo. A crise abrir oportunidade para isso. A casa parou e os equipamentos estavam aqui. Conseguimos fazer o desenvolvimento completo do processo e chegamos a uma conclusão bem interessante.
JC - Explica o que é o conceito de delivery que o Le Bistrot está levando ao mercado.
Maris - Os equipamentos, que são fornos alemães, onde elaboramos as combinações já são usados na cozinha, permitem a cocção da proteína, como filés, ou salmão, é feita dentro do vácuo. O alimento é embalado cru com os temperos e é cozido no vácuo dentro do forno em temperatura super controlada por um tempo definido. Os aromas, temperos e perfume ficam tudo ali. Depois que sai do forno, vai para outro equipamento onde a temperatura baixa de 80ºC para 5ºC em uma curva descendente rápida e depois é resfriado. É uma pasteurização, com validade que é de até 15 dias. Ao chegar em casa, a pessoa só tem de colocar o pacote dentro de uma panela com água fervendo. Em cinco minutos, o filé fica pronto e é só servir como se estivesse no restaurante.
JC - Quem comanda esta produção?
Maris - É o chef, que é o detentor do processo do dia a dia. Este método é muito usado para grandes eventos, como casamentos. Tudo é pré-preparado e através desse equipamento é regenerado e em minutos está pronto. Por isso, atende-se 300 pessoas. O método não é novidade, o difícil é implantar porque precisa de equipamentos e disciplina. É um processo quase industrial, mesmo que se conserve o aspecto artesanal da elaboração. A vantagem em relação ao congelado é que, se surge algo inesperado, como duas pessoas estarem chegando de surpresa para jantar, a pessoa está com o jantar pronto em 15 minutos, se tiver os produtos na geladeira. Se não, é só telefonar para o Le Bistrot que entregamos (risos). A diferença entre pedir para fazer em casa é que a pessoa vai comer melhor do que se mandarmos embalado pronto para comer em casa. É o mesmo sabor do restaurante, o que pode faltar é o estilo da montagem, mas tem fotos do site do restaurante para inspirar na hora de servir.
JC - Como é possível operar com esta 'linha de produção' para o delivery e o restaurante funcionando?
Maris - Aproveitamos a parada da cozinha na pandemia para aprimorar o método e porque entendemos que haverá uma mudança de comportamento das pessoas. Muitas vão demorar a voltar ao restaurante, seja porque se considerem grupo de risco ou até porque aprenderam a cozinhar ou descobriram que é mais em conta (comer em casa). É uma mudança de comportamento importante que vem por aí. Não digo que o restaurante vai perder a sua função, não, ela é muito clara. Mas as pessoas aprenderam a ficar em casa, muitos vão passara trabalhar em casa e aí não vão sair para almoçar. Nós, por exemplo, por 20 anos, servimos almoço para quem trabalhava em escritórios nas empresas. Muitos vão poder ter a nossa comida na geladeira para manter o padrão de que gostaram e isso resolve o problema.
JC - Que outras mudanças estão ocorrendo no restaurante?
Maris - Tínhamos, por exemplo, um cardápio super bonito, feito em casa, em folha de papel, mas tudo isso acabou. Agora está no celular, ao direcionar a câmera para um QR Code.
JC - Como é o preço deste produto que eu posso comer em casa em relação ao que eu comeria no restaurante?
Maris - O restaurante tem toda uma parte de serviço, como o atendimento, tem o da cozinha. Imaginamos que podemos baixar o preço entre 30% e 40% porque as porções são um pouco maiores para duas pessoas. A gente sugere o cardápio no site, podemos dar instruções por telefone para resolver alguma dúvida do que servir.
JC - O cardápio é específico para esse delivery ou segue o mesmo do que as pessoas podem pedir presencialmente?
Maris - Alguns são do la carte e que se prestam para este método. Aqueles que conseguimos chegar no mesmo resultado, como um risoto de cordeiro com o mesmo sabor.
JC - Vocês não tem receio de perder mais clientes que podem preferir agora pedir em casa?
Maris - Acho que não. Uma das coisas fortes do Le Bistrot são os grupos, com dois a três casais que elegem se encontrar aqui do quem em casa. Também não teremos de volta tão cedo os eventos, que é um prejuízo grande, pois fazíamos casamento, aniversário, formatura com 30 a 40 pessoas e parou tudo. Mas os casais vão continuar vindo, pois buscam um ambiente romântico, com uma luz diferente, para relaxar. O restaurante tem essa coisa do 'restaurar', a palavra vem daí. Em casa, tem de lavar a louça... Às vezes, é bom sair. Não vamos perder clientes, talvez ganhemos clientes, como pessoas que não nos conheçam e vão comprar os produtos antes de vir aqui e aí fideliza.
JC - O que o senhor projeta para o futuro, após chegar a este momento da pandemia?
Maris - Acredito que nos manteremos abertos no nível minimo, é pouco para todo mundo, mas a gente sabe que a pandemia vai recuando. Em São Paulo, já abriram mais, mas tivemos uma Espanha voltando a fechar após abrir. Então, antes de fechar novamente (se ocorrer), vamos abrir um pouco mais. Talvez tenhamos problemas no fim do ano e verão, com aglomeração em praia.
JC - O senhor se considera um sobrevivente?
Maris - Podemos dizer que sim, que estamos financiando a crise. Estamos devolvendo o dinheiro ao mercado, pois o capital de giro que era sólido está indo embora. Mas chega uma hora que não tem mais o que fazer. Espero não chegar a isso. Em setembro, esperamos poder equilibrar (receita e despesa). Vivemos hoje em busca do equilíbrio. Se pagarmos as contas e não ganharmos nada está ótimo. Isso pode durar um ano que a gente aguenta. Isso faz parte do senso do empresário. Temos de salvar o mercado. Não adianta fechar tudo e pegar um pouco de dinheiro e me sumir. Isso não resolve a vida de ninguém.