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política monetária

- Publicada em 16 de Março de 2020 às 03:00

Há 30 anos, Plano Collor interrompia sonhos

Brasileiros correram aos bancos na tentativa de liberar dinheiro

Brasileiros correram aos bancos na tentativa de liberar dinheiro


/MURILO CLARETO/AE/JC
Há exatos 30 anos, quem tinha dinheiro guardado na poupança e depositado nos bancos, no Brasil, levou um susto. Uma das medidas do então novo governo mexeu diretamente nas economias de muita gente: foi estabelecido um teto de NCZ$ 50 mil para saques dos recursos. Acima disso, nada podia ser movimentado.
Há exatos 30 anos, quem tinha dinheiro guardado na poupança e depositado nos bancos, no Brasil, levou um susto. Uma das medidas do então novo governo mexeu diretamente nas economias de muita gente: foi estabelecido um teto de NCZ$ 50 mil para saques dos recursos. Acima disso, nada podia ser movimentado.
Essa história começou bem antes. No fim da década de 1980, o Brasil se preparava para a primeira eleição democrática do Brasil em 29 anos, a primeira depois de 21 anos de ditadura militar e quatro anos de governo civil eleito por voto indireto.
Enquanto o País celebrava o retorno à democracia, também se temia o descontrole econômico causado pelo aumento inflacionário. Ao final do governo do presidente José Sarney (MDB), que assumiu após a morte do titular Tancredo Neves, a inflação crescia dia a dia, chegando a 40% em outubro de 1989 e a 80% em março de 1990, mês da posse do então presidente eleito Fernando Collor de Mello (PRN, hoje filiado ao Pros). Eleito com uma proposta moralizante e de ajuste das contas públicas, Collor assumiu com a promessa de uma "bala de prata" contra a inflação galopante, que veio logo na posse.
Na capa do jornal O Globo de 17 de março de 1990, dois dias após a posse do novo presidente, a fotografia de Antônio Kandir, Zélia Cardoso de Mello e Ibrahim Eris na primeira coletiva de imprensa após o anúncio do plano ilustrava a manchete "Collor bloqueia o dinheiro". A Medida Provisória nº 186/90, expedida no primeiro dia de mandato, instituía o cruzeiro como a nova moeda nacional em substituição ao cruzado novo, com paridade 1/1, implantava um controle de preços e dispunha sobre novas regras de liquidez de ativos financeiros. Com um teto instituído para saques de NCZ$ 50 mil, o resto do dinheiro guardado pela população em cadernetas de poupança e contas-correntes foi retido pelo Banco Central, onde renderia 6% de juros ao ano mais correção monetária por 18 meses.
A partir daquele momento, entre as "torneirinhas" de liberação de verbas abrindo exceções no plano original e os milhares de processos judiciais que se sucederam, a chamada bala de prata se tornou o mais controverso plano econômico da Nova República e que resulta em processos indenizatórios até hoje, três décadas após sua implantação.
"Antes de o Collor se eleger, ele despontava como um governador de muita coragem por enfrentar os chamados 'marajás' de Alagoas, funcionários públicos do governo que ganhavam uma fortuna", relembra o empresário Luiz Carlos Mandelli, que presidiu a Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs) durante o período. O então candidato chegou a ser um dos convidados das reuniões-almoço que a entidade realizava à época, reuniões essas com repercussão da imprensa. Segundo Mandelli, "consequentemente, o Collor ficou satisfeito em ter aquela exposição midiática tão grande. Isso o aproximou muito de mim". Mandelli conta que, próximo da reta final da campanha, ele ajudou a levantar recursos para a campanha mesmo sem ser correligionário político. "Foi uma operação que muitos empresários, com temor da eleição do Lula (PT), estavam dispostos a ajudar a campanha do Collor". Vencida a eleição, Mandelli se reuniu algumas vezes com o presidente eleito, discutindo medidas como atenção à infraestrutura do Rio Grande do Sul e a aprovação de cartões de crédito de uso internacional, uma novidade que o Banco Central era contrário mas acabou sendo implantada de jeito bem-sucedido.
Entretanto, o cenário foi mudando após a posse. Mandelli define o confisco da poupança como algo chocante, mesmo havendo uma expectativa de que "alguma coisa" seria feita para combater a inflação. "Ninguém esperava isso. Semanas depois, aquele potencial de esperança que existiu já se dissipou", conta. "Foi muito rápido, porque ele lançou logo depois da posse e depois ninguém acreditava no plano mais, estava todo mundo, principalmente a classe média, muito incomodada."

Da euforia ao desencanto

Paulo Vellinho lembra que custo do Plano Collor foi elevado

Paulo Vellinho lembra que custo do Plano Collor foi elevado


MARCO QUINTANA/JC
Para o empresário Paulo Vellinho, que, à época, presidia a Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), Collor despontava como uma figura nos moldes dos ex-presidentes Getúlio Vargas (PTB), Jânio Quadros (PDC) e João Goulart (PTB), e o atual ocupante do cargo, Jair Bolsonaro (sem partido), como alguém que motivava uma esperança de mudança com o rompimento com o status quo. "O discurso dele me animava, me empolgava, porque parecia que ele seria um presidente que conseguiria mudar o País. O recado dele era tudo o que eu queria ouvir", conta.
Na condição de presidente da Abinee, Vellinho se reuniu com o então candidato Collor para sugerir que ele fizesse uma campanha sem depender do poder econômico. Segundo Vellinho, ele pensava que Collor deveria usar seu discurso, que era de mudança, para conclamar a sociedade a votar nele contribuindo com o que pudesse. "Ele disse que gostou, mas que não havia mais tempo físico para implantar", conta. Contudo, Vellinho afirma que o plano saiu muito caro, porque ninguém estava preparado para ficar sem capital. "Para mim, foi um desencanto", lamenta. "Cheguei à conclusão que o poder econômico era um bando de apátridas que só visavam ao poder."
Para o professor Simão Silber, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA/USP), o período entre o fim do governo Sarney e o começo do governo Collor era um momento de pânico, no qual o País caminhava, em sua avaliação, para a hiperinflação. "A inflação estava 2,5% ao dia, e a taxa de juros no overnight em 4% ao dia, isso agora é a taxa ao ano", relembra. Ele define o plano como "um ato de desespero, que acabou sendo feito porque o País estava na beira de uma guerra civil por causa da inflação alta".
Como muitos setores não tinham mais capital de giro e era necessário repassar dinheiro para prefeituras e estados para realizar serviços públicos, esse recurso aos poucos foi voltando à circulação, relembra o professor Silber. "Foi um trauma monumental, que acabou não resultando em nada." Para o professor, a iniciativa não tinha como dar certo por ser draconiana demais. "Se não tiver dinheiro e crédito, a economia para, trava", diz.

Consumo menor não diminuiu a inflação

Luiz Carlos Mandelli, ex-presidente da Fiergs, conta que houve uma diminuição drástica do consumo que não representou uma queda inflacionária imediata. "No segundo mês já não funcionou. As exceções começaram a aparecer, então o efeito da medida não foi o que se esperava." Para o empresário, a decepção maior ocorreu com a ministra da Economia, Zélia Cardoso de Mello. "Ela, em que pese ser uma economista competente, não tinha estatura para o ministério, porque não conhecia os detalhes da economia privada", afirma Mandelli. Silber também acredita que a ministra não tinha domínio o suficiente para exercer o cargo. "Ela tinha uma formação em história e teve um caminho muito tortuoso até o ministério", explica o professor.
Mandelli também afirma que houve um distanciamento não só da Fiergs como da classe empresarial brasileira nos desdobramentos do governo, uma vez que crescia o noticiário envolvendo o tesoureiro da campanha de Collor, Paulo César "PC" Farias. Farias foi peça importante no escândalo que acabou derrubando Collor em 1992 e foi encontrado morto, quatro anos depois, com sua então namorada, Suzana Marcolino.
Entretanto, mesmo com o afastamento e o eventual apoio ao impeachment, que foi encaminhado pelo presidente da Câmara dos Deputados, o recém-falecido deputado gaúcho Ibsen Pinheiro (MDB), Mandelli acreditava que Collor tinha uma proposta de modernização do País no governo, fora ter proporcionado uma abertura econômica. "A maioria do empresariado entendeu que a abertura ia incentivar a competitividade", conta. Além da abertura, Silber aponta que o plano conseguiu fazer avanços na área de reforma administrativa e em acelerar os programas de privatização, mas que o legado não é duradouro em comparação com o do sucessor de Collor, Itamar Franco (1930-2011), que foi o Plano Real, que conseguiu encerrar a hiperinflação.