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mercado financeiro

- Publicada em 23 de Outubro de 2019 às 22:33

Quebra da Bolsa em 1929: Grande Depressão começa a mostrar suas marcas

Desempregados fazem fila para receber comida de graça em restaurante público em Chicago em 1931, durante a recessão

Desempregados fazem fila para receber comida de graça em restaurante público em Chicago em 1931, durante a recessão


/US NATIONAL ARCHIVES/DIVULGAÇÃO/JC
Quando o mercado de ações faliu em outubro de 1929, poucos americanos acreditavam que uma década de depressão estava em andamento. Afinal, dos 121 milhões de habitantes do país, apenas 4 milhões investiam em Wall Street.
Quando o mercado de ações faliu em outubro de 1929, poucos americanos acreditavam que uma década de depressão estava em andamento. Afinal, dos 121 milhões de habitantes do país, apenas 4 milhões investiam em Wall Street.
O Presidente Herbert Hoover se dirigiu à nação, professando sua fé na solidez da economia. Mas palavras não foram suficientes para impedir o encolhimento de um sistema econômico profundamente falho. Os Estados Unidos entram na maior recessão da história, conhecida como a Grande Depressão, e arrastam boa parte do mundo junto para o precipício econômico.
Bancos que emprestaram dinheiro de forma pouco cautelosa a especuladores que compravam ações descobriram que muitos desses empréstimos não seriam pagos. Consequentemente, uma onda de quebras bancárias varreu o país. Somente em 1929, 659 bancos fecharam suas portas. Em 1932, 5.102 faliram. No total, mais de 9 mil bancos seriam fechados durante os piores anos da crise. Isso teve um efeito cascata na economia. Famílias que tinham suas economias em um banco falido perderam todo o dinheiro. 
Quando a população viu os bancos fecharem e as economias desaparecerem, menos dinheiro foi gasto em bens e serviços. Muitos consumidores que durante a década de 1920 compraram bens parcelados não conseguiram efetuar seus pagamentos das prestações. As empresas começaram a demitir trabalhadores para compensar novas perdas. Muitos fabricantes haviam produzido em excesso e criado enormes estoques.
Em 1933, a produção industrial dos EUA havia caído 37% desde 1929; os preços, 33%; e o Produto Interno Bruto (PIB), 30%. O PIB norte-americano só atingiria de novo os níveis pré-crise durante a Segunda Guerra Mundial.
O desemprego aumentou de 1,5 milhão de americanos em 1929 para 12 milhões em 1932, cerca de 25% da força de trabalho. A maioria das pessoas que mantiveram seus empregos viu sua renda diminuir em um terço. Em 1932, mais da metade dos trabalhadores dos EUA tinham empregos informais ou sem turnos fixos. Antes desconhecidos pela classe média, os locais que forneciam "sopão da caridade" não conseguiram atender à crescente demanda por alimentos.

Catástrofes em série

O Crash da bolsa não foi a única causa da Grande Depressão. Uma combinação de condições levaram à recessão:
Quebra da bolsa - Dois meses após a queda do mercado de ações em outubro de 1929, os investidores haviam perdido mais de US$ 40 bilhões.
Falências bancárias - Nos anos 1930, mais de 9.000 bancos faliram. Os depósitos bancários não eram segurados e, como os bancos faliam, as pessoas simplesmente perdiam suas economias. Os bancos sobreviventes, inseguros da situação econômica e preocupados com sua própria sobrevivência, deixaram de estar tão dispostos a criar novos empréstimos.
Redução do poder de compras da população - Com o colapso do mercado de ações e o medo de mais problemas econômicos, indivíduos de todas as classes deixaram de comprar itens. Isso levou a uma redução no número de itens produzidos e também à queda na força de trabalho. Como as pessoas perderam o emprego, não conseguiram pagar os produtos que haviam comprado através de planos de parcelamento. A taxa de desemprego subiu acima de 25%, o que significou ainda menos gastos para ajudar a aliviar a situação econômica.
Política de comércio exterior - Quando as empresas começaram a falir, o governo criou a Tarifa Smoot-Hawley em 1930 para ajudar a proteger as indústrias americanas. Isso cobrava um imposto alto pelas importações, levando a menos comércio entre os EUA e países estrangeiros, que passaram a fazer retaliação econômica.
Grande seca - Embora não seja uma causa direta da Grande Depressão, secas prolongadas que ocorreram nos estados agrícolas do Oeste norte-americano em 1930 foram de proporções tão elevadas que muitos produtores nem sequer podiam pagar seus impostos ou outras dívidas e tiveram que vender suas fazendas sem lucro para si mesmas. A área foi apelidada de "The Dust Bowl", devido às grandes tempestades de poeira criada nos solos ressequidos e sem cobertura vegetal na época.

Governo não consegue reagir

Multidão se reúne em frente a banco falido no início dos anos 1930

Multidão se reúne em frente a banco falido no início dos anos 1930


/US NATIONAL ARCHIVES/DIVULGAÇÃO/JC
O presidente Herbert Hoover, que assumiu o comando dos Estados Unidos apenas sete meses antes da quebra da Bolsa em outubro, tentou fazer uma intervenção na economia. Em 1930, sucumbindo à pressão dos industriais americanos, o presidente assinou a Tarifa Hawley-Smoot, que foi projetada para proteger a indústria americana da concorrência no exterior. Aprovada contra o conselho de quase todos os economistas de destaque da época, foi a maior tarifa da história americana. Mais de 3.200 produtos passaram a ter imposto de importação de 60%.
No entanto, a taxa gerando retaliação de outros países, o que fez o comércio internacional cair ainda mais. As importações dos EUA diminuíram 66%, de US$ 4,4 bilhões (1929) para US$ 1,5 bilhão (1933), e as exportações reduziram 61%, de US$ 5,4 bilhões para US$ 2,1 bilhões. No geral, o comércio mundial diminuiu cerca de 66% entre 1929 e 1934.
"O mercado americano era o maior do mundo, então quando eles cortam a importação, vem um período caótico de protecionismo e queda do comércio mundial que prejudica a todos. Isso é parecido com o que está acontecendo hoje entre EUA e China, uma disputa que é um arremedo dos anos 1930", afirma Simão Davi Silber, professor sênior da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP).
Em 1932, Hoover criou a Reconstruction Finance Corporation (RFC). Esse ato destinou US$ 500 milhões para empréstimos a bancos, corporações e governos estaduais. No entanto, Hoover e a RFC não atenderam a uma demanda das massas - ajuda direta a indivíduos. A população ficou indignada que o governo ajudava bancos, mas não o cidadão comum. O palco estava montado para a eleição do democrata Franklin D. Roosevelt, que conquistou 58% dos votos populares e 89% dos votos eleitorais.

Fortes efeitos sociais

Famílias empobreceram e não tinham como sustentar filhos

Famílias empobreceram e não tinham como sustentar filhos


/USA NATIONAL ARCHIVES/DIVULGAÇÃO/JC
Nenhuma nação poderia emergir do caldeirão da crise sem profundas mudanças sociais e culturais. A Grande Depressão trouxe um rápido aumento nas taxas de crime, já que muitos trabalhadores desempregados recorreram a pequenos furtos para colocar comida na mesa. As taxas de suicídio aumentaram, assim como os casos relatados de desnutrição. Nos estados agrícolas do Oeste, uma forte e persistente seca provocou grandes nuvens de poeira que arrasou as plantações, forçando milhares de famílias a migrar, especialmente para a Califórnia. Os afro-americanos sofreram taxas de desemprego quase o dobro das comunidades brancas, já que eram frequentemente os últimos contratados e os primeiros demitidos. As tendências demográficas também mudaram bastante. Os casamentos foram adiados, pois muitos homens esperaram até que pudessem sustentar uma família antes de propor um cônjuge em potencial. As taxas de divórcio caíram constantemente na década de 1930. Já as taxas de abandono de lares aumentaram à medida que muitos maridos escolheram a opção "divórcio do homem pobre" - eles simplesmente fugiram de seus casamentos. As taxas de natalidade caíram acentuadamente, de 3 filhos por mulher em 1928 para 2,1 em 1936. As famílias simplesmente não tinham como sustentar filhos.

Salvando o sistema financeiro

Dois dias depois de prestar juramento, Roosevelt declarou um feriado bancário

Dois dias depois de prestar juramento, Roosevelt declarou um feriado bancário


/LIBRARY OF CONGRESS/DIVULGAÇÃO/JC
Ao contrário de Hoover, Roosevelt foi rápido em agir. Com as falências bancárias, decidiu que remediar essas instituições financeiras era sua primeira prioridade após sua inauguração. Dois dias depois de prestar juramento, Roosevelt declarou um "feriado bancário". De 6 a 10 de março de 1933, as transações bancárias foram suspensas em todo o país, exceto para câmbio. Durante esse período, o Congresso aprovou o Ato Emergencial Bancário, que dava ao governo o poder de fechar bancos em risco de fechar e reabrir os que iriam ficar estáveis. O Federal Reserve (banco central dos EUA) ganha o poder de colocar mais dinheiro nos bancos. Isso ajuda a retornar a confiança no sistema financeiro, e a população volta a fazer depósitos.
Além disso, o governo criou uma legislação que garantia aos depositantes dos bancos a segurança de saber que, se a instituição falisse, o governo federal reembolsaria suas perdas. Depósitos de até US$ 2,5 mil, um número que aumentaria ao longo dos anos, passaram a ser 100% seguros. O ato também impediu os bancos de especular imprudentemente o dinheiro dos depositantes no mercado de ações. Com isso, em 1934, apenas 61 bancos faliram.
Outra medida efetivada tinha a ver com a moeda. Roosevelt acreditava que, para a economia crescer, os preços deflacionados precisavam voltar a subir, e o dinheiro tinha que voltar a circular. O governo então proíbe o estoque privado de ouro, sua exportação e toma conta da produção do metal em abril de 1933. O ouro privado deveria ser entregue ao governo, que pagava US$ 0,75 o grama (depois US$ 1,25). Duas semanas depois, ele desvencilha o dólar do padrão ouro, e deixa a moeda ser negociada por livre mercado.
Segundo o autor Alexandre Versignassi, no livro Crash, uma breve história da Economia, a proibição do ouro foi engenhosa. "Se Roosevelt só tivesse imprimido dinheiro e pronto, era capaz de as pessoas pegarem a grana extra para comprar mais ouro e deixar guardado na gaveta, com medo de um futuro ainda mais incerto. E aí a estagnação continuaria na mesma. Sem o ouro como alternativa de proteção, as pessoas ficariam mais encorajadas a gastar."
Com isso, o valor do dólar cai 11,5% contra as principais moedas europeias, ligadas ao padrão ouro. Isso aumenta expectativas de exportações, a bolsa sobe, e as indústrias começam a retomar capital.

O New Deal e o fim da recessão

Maior programa de assistência de todos foi a Administração de Trabalhos Públicos

Maior programa de assistência de todos foi a Administração de Trabalhos Públicos


/US NATIONAL ARCHIVES/DIVULGAÇÃO/JC
Os conselheiros do novo governo começam a desenvolver uma série de políticas que serão conhecidas como o New Deal (novo acordo), a fim de gerar empregos e reativar a economia. A primeira iniciativa desse tipo começou em março de 1933. Chamado de Civilian Conservation Corps (CCC), visava mais de dois milhões de homens solteiros desempregados entre 17 e 25 anos. Os participantes do CCC deixaram suas casas e moravam em acampamentos no campo. Sujeitos à disciplina de estilo militar, os homens construíram reservatórios e pontes e cortaram pistas de incêndio pelas florestas. Plantaram árvores, cavaram lagoas e limparam terras para acampar. Eles ganhavam US$ 30 dólares por mês, a maioria dos quais era enviada diretamente às famílias. O CCC era extremamente popular. Jovens apáticos foram removidos das ruas e receberam empregos remunerados e receberam espaço e abrigo.
Havia muitas outras oportunidades para os desempregados no New Deal. No outono de 1933, Roosevelt autorizou a Administração de Obras Civis (CWA). Esse programa empregou 2,5 milhões de pessoas no período de um mês e, eventualmente, cresceu para 4 milhões no seu pico. Ganhando US$ 15 por semana, os trabalhadores da CWA ensinavam os analfabetos, construíam parques, reparavam escolas e construíam campos esportivos e piscinas.
O maior programa de assistência de todos foi a Administração de Trabalhos Públicos (PWA, na siga em inglês), que empregava quase 9 milhões de pessoas antes de sua expiração. Os americanos de todos os níveis de habilidade receberam empregos para combinar com seus talentos. os recursos, da ordem de US$ 3,3 bilhões (6% da economia do país) foram gastos principalmente em programas de obras públicas, como estradas e pontes.
Todo esse envolvimento do governo na economia muda a política dos EUA para sempre. A economia cresce cerca de 10% todos os anos de Roosevelt (único presidente a ser eleito quatro vezes consecutivas), exceto em 1937 e 1938, quando foram encerrados muitos programas do New Deal.
No entanto, por mais abrangente que o New Deal parecesse, e apesar de todos os empregos e obras gerados, ele não alcançou seu objetivo principal: acabar com a Depressão. Em 1939, a taxa de desemprego ainda era de 17%, e somente em 1943 alcançou seus níveis pré-depressão. O PIB também ainda não havia alcançado os níveis de 1929.
Críticos de direita apontam que o New Deal deixou por herança uma burocracia estatal inchada, que tinha quase um milhão de trabalhadores, acima dos 600.000 de 1932. Além disso, lembra que Roosevelt praticamente duplicou a dívida pública, que cresce de US$ 23 bilhões em 1933 para US$ 40 bilhões em 1939. Para financiar essa expansão, os impostos subiram, e a mais alta faixa chega a 79% em 1936. Já críticos apontaram que a diferença entre ricos e pobres mal foi reduzida no final da década, e que grupos como os negros e latinos foram pouco favorecidos pelas políticas do governo.
No fim, o verdadeiro fim da Grande Depressão nos EUA viria com a Segunda Guerra Mundial. A necessidade de construir o aparato militar dos Estados Unidos e dos Aliados na luta contra a Alemanha nazista e o Império do Japão geraram grandes gastos industriais. O emprego deixou de ser um problema, com uma grande parte da população mobilizada nas fábricas (além de boa parte do excesso de força de trabalho estar servindo as Forças Armadas). Como disse o economista Paul Krugman, Prêmio Nobel de Economia de 2008, "o que pôs fim à Grande Depressão foi um massivo programa de obras públicas chamado Segunda Guerra Mundial".
>> Leia a primeira reportagem da série: Os 90 anos da crise de 1929
>> Leia Amanhã: Os efeitos da crise no Brasil e no Rio Grande do Sul