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Mercado Financeiro

- Publicada em 22 de Outubro de 2019 às 21:07

Os 90 anos da crise de 1929

Multidão em pânico nas ruas próximas a Wall Street

Multidão em pânico nas ruas próximas a Wall Street


/US NATIONAL ARCHIVES/DIVULGAÇÃO/JC
Há exatos 90 anos, uma das maiores crises financeiras já ocorridas no mundo tinha início. O crash ou quebra da Bolsa de Nova Iorque, em 1929, destruiu uma década de alto crescimento da economia dos Estados Unidos. Em poucos dias, fortunas foram extintas e sonhos de riqueza ilimitada acabaram. Com a economia norte-americana tendo um papel central no sistema financeiro e no comércio mundial, o caos nos Estados Unidos começou um efeito dominó que gerou, no resto do mundo, problemas sociais e políticos, inclusive no Brasil. Iniciava-se o que foi chamado de a Grande Depressão, a mais forte crise do século XX, e cujas políticas criadas para enfrentá-las forjaram as sociedades modernas. Nesta série de reportagens, de hoje até sexta-feira, o Jornal do Comércio lembra a história da crise de 1929, suas origens e consequências.
Há exatos 90 anos, uma das maiores crises financeiras já ocorridas no mundo tinha início. O crash ou quebra da Bolsa de Nova Iorque, em 1929, destruiu uma década de alto crescimento da economia dos Estados Unidos. Em poucos dias, fortunas foram extintas e sonhos de riqueza ilimitada acabaram. Com a economia norte-americana tendo um papel central no sistema financeiro e no comércio mundial, o caos nos Estados Unidos começou um efeito dominó que gerou, no resto do mundo, problemas sociais e políticos, inclusive no Brasil. Iniciava-se o que foi chamado de a Grande Depressão, a mais forte crise do século XX, e cujas políticas criadas para enfrentá-las forjaram as sociedades modernas. Nesta série de reportagens, de hoje até sexta-feira, o Jornal do Comércio lembra a história da crise de 1929, suas origens e consequências.
 

O boom econômico da década de 1920

Propaganda da General Motors nos anos 1920; período foi de intenso consumismo nos EUA

Propaganda da General Motors nos anos 1920; período foi de intenso consumismo nos EUA


REPRODUÇÃO/DIVULGAÇÃO/JC
Com o fim da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), os Estados Unidos estavam em uma posição de comando na economia mundial. A indústria e a agricultura norte-americana abasteceram a Europa durante o conflito, e o país financiou o esforço bélico dos países da Entente (Reino Unido, França e Itália) contra os Poderes Centrais (Alemanha, Áustria-Hungria e Império Otomano).
Ao contrário da Europa, os EUA têm sua infraestrutura econômica intacta e abundantes recursos naturais. No entanto, o fim da guerra provoca uma recessão. A economia europeia entra em caos, e a demanda por importações cai drasticamente. A indústria americana produz um grande número de produtos que, de repente, não possuem mais comprador. Preços de bens industrializados e produtos agrícolas caem. Ao mesmo tempo, os veteranos voltando da guerra geram um excesso de mão de obra disponível no mercado de trabalho. Fábricas são fechadas, e o desemprego aumenta em todo o país, chegando a 11,7% em 1921.
Aproveitando o fato de os Estados Unidos possuírem 121 milhões de habitantes, 70% deles vivendo em cidades, os empresários americanos decidiram investir no aumento do consumo doméstico. Conseguiram isso, em parte, com uma revolução do marketing. A publicidade deixa de apenas listar as qualidades dos bens, e as companhias passam a ligar seus produtos a sonhos de status social, felicidade, poder e sexo. A General Motors foi uma pioneira dessa tendência. Enquanto a Ford vendia o Modelo T anunciando sua durabilidade e baixo preço, a GM começa a anunciar mostrando como seus carros são novos e atraentes, usando campanhas massivas de marketing em revistas e jornais.
Essas novas técnicas de marketing ajudam a criar uma explosão de consumismo, o que contribui para o fim da crise do início da década e a geração de um boom econômico. A frota de carros cresce de 7 milhões para 23 milhões na década. O número de casas com rádio aumenta de 60 mil para 10 milhões. Empresas se tornam conglomerados, investindo em bens de consumos. A fabricante de armas Colt passa a fazer lava-louças, e a Remington começa a fabricar talheres.
Um dos fatores que contribuíram para esse movimento é o crédito ao consumidor, que foi introduzido na época. Antes ou durante a Primeira Guerra Mundial, se alguém tivesse que comprar um carro, tinha que fornecer pagamento em dinheiro antecipado. Em 1919, a GM começa a financiar a aquisição de automóveis. Dos 4 milhões de carros vendidos em 1923, somente 1 milhão foram comprados com dinheiro. Os demais foram vendidos parcelados a crédito.
O crédito começa a ser usado para comprar tudo: móveis, rádios, ferros de passar roupa, todos os itens domésticos que o consumidor deseja. A década vê os EUA se transformarem em uma sociedade de consumo.

A bolsa dita o mercado

Faxineiro limpando o chão da bolsa de valores em outubro de 1929

Faxineiro limpando o chão da bolsa de valores em outubro de 1929


/WIKIMEDIA COMMONS/DIVULGAÇÃO/JC
O motor da cultura consumista dos EUA era o mercado de capitais. O historiador Charles R. Geist destacou que o "gasto excessivo da década era baseado na percepção de que a vida econômica estava melhorando o tempo todo. As pessoas viam a bolsa de valores como prova disso, e poucos estavam dispostos a dissuadi-los".
A bolsa de valores se torna um símbolo do sonho americano. Em 1929, 4 milhões de pessoas investiam em ações nos EUA. E muitas delas estavam usando a bolsa como uma forma de banco, colocando suas poupanças em ações, pensando que havia retorno garantido. Uma bolha começa a se criar.
O excesso de crédito fácil começa a mostrar efeitos adversos. As pessoas ainda tomavam empréstimos para comprar bens de consumo, mas começam a ver que suas poupanças estão drenadas, e grande parte de seus rendimentos está desaparecendo para pagar prestações. Além disso, o crescimento estava concentrado nas cidades. No campo, a crise de preços seguiu durante toda a década, com preços agrícolas em baixa e produtores tendo que vender suas terras e migrar para as cidades. Aos poucos, isso começa a atingir a economia urbana. A construção civil apresenta redução de atividade desde 1925, e a produção industrial cai em 1929.
Mas o mercado de capitais não refletia isso. O boom era sustentado pela bolsa, e não por crescimento real da economia. Em média, as principais empresas listadas no Dow Jones estavam crescendo cerca de 10% ao ano na segunda metade da década de 1920. No entanto, o índice da bolsa teve aumento de cerca de 100% entre 1928 e 1929. Era praticamente impossível não ter lucro com ações. No entanto, muitas pessoas não estavam ficando ricas no sentido de ter dinheiro, por que, para isso, teriam que vender as ações. Como o mercado estava sempre subindo, os investidores queriam ficar com as ações o máximo de tempo possível, ou investir mais ainda para garantir o máximo lucro. A especulação começa a se tornar a regra.
Os preços que aumentam eram artificiais, puxados pela alta demanda criada pela especulação ao invés do aumento real da lucratividade das empresas. "Houve um otimismo crescente que, a partir de uma certa hora, dá uma espécie de cegueira nos agentes econômicos, achando que aquilo é para sempre", destaca Simão Davi Silber, professor sênior da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP). "É um exemplo do que é chamado de 'exuberância irracional': o mercado precifica que as empresas vão ter lucros astronômicos eternamente, então comprar ações é entrar em uma corrente de felicidade, e quanto mais gente compra, mais consolida essa visão de mundo perfeito", explica.

O dia em que os sonhos ruíram

A quebra do mercado de ações de 1929

A quebra do mercado de ações de 1929


/A quebra do mercado de ações de 1929
Quarta-feira, 23 de outubro de 1929. Um dia aparentemente normal para os negócios na Bolsa de Valores de Nova Iorque. Não havia notícias bombásticas. A primeira página do New York Times destacava a queda do primeiro-ministro da França, Aristide Briand, e de seu gabinete; uma votação no Senado norte-americano a respeito de impostos sobre produtos químicos importados; e reportagens sobre um vendaval que havia castigado a Costa Leste dos Estados Unidos no dia anterior.
No dia 22, o Dow Jones Industrial Average, índice que mede a performance das ações das maiores companhias listadas na Bolsa de Valores de Nova Iorque, havia subido 1,75%, recuperando em parte a perda de 3,71% da segunda-feira, dia 21. Mas mesmo essa perda era desconsiderada pelo mercado. “O presente declínio é uma reação saudável, que provavelmente já se esgotou”, afirmava Charles E. Mitchell, presidente do conselho do National City Bank. “Em um mercado como esse, os fundamentos econômicos são aquilo que devemos olhar. Apenas se você me mostrar algo errado com a situação geral eu vou me preocupar.”
E, aparentemente, não havia por que duvidar de Mitchell. A década de 1920 havia sido extremamente próspera, os norte-americanos estavam mais ricos do que nunca, e comandavam a economia mundial. Essa prosperidade era refletida no mercado de capitais. De 1925 até o terceiro trimestre de 1929, as ações na Bolsa de Nova Iorque haviam subido 120% em valor.
As expectativas dos principais nomes do setor financeiro e da política eram de que essa prosperidade continuaria. No dia 16 de outubro de 1929, Irving Fisher, professor de economia da Universidade de Yale, dizia que “os preços das ações nos Estados Unidos atingiram o que parece ser um platô que será permanentemente alto”. No ano anterior, o então candidato republicano Herbert Hoover, depois eleito presidente, afirmava que, “hoje, na América, estamos mais perto do triunfo final sobre a pobreza do que qualquer país antes na história. Logo, com a ajuda de Deus, veremos o dia em que a pobreza será banida desta nação”.
Todo esse otimismo iria acabar naquele dia. Nas horas finais do pregão de 23 de outubro, um pânico se espalha na bolsa. Ninguém sabe ao certo como começou. De repente, todo mundo quer vender suas ações. Os preços despencam. Na última hora do dia, 2,6 milhões de papéis são ofertados, mais do que era negociado em um dia inteiro. O Dow Jones cai 7% em uma única sessão.
O dia seguinte ficará conhecido como Quinta-Feira Negra, quando o mercado despenca 12%. Um total de 12 milhões de ações é negociado enquanto o pânico vendedor continua. Os corretores ficam atolados com ordens de venda. Fortunas são destruídas instantaneamente, e começam a circular rumores de suicídios entre especuladores. Na verdade, não existem suicídios registrados oficialmente, mas esses boatos ajudam a aumentar o pânico.
Os bancos tentam retomar o controle da situação e apaziguar o mercado. Na sexta-feira, eles compram US$ 130 milhões em blue chips, como US Steel, AT&T e General Electric, com a intenção de incentivar outros investidores. Isso estabiliza por um tempo o mercado, ajudado por anúncio do presidente Hoover de que a economia está com bases sólidas e prósperas.
No entanto, na segunda-feira, o pregão cai 12,82%. A fabricante de rádios RCA perdeu um terço de seu valor. A metalúrgica US Steel despencou 15%. Em quatro dias, segundo o New York Times, o mercado americano perdeu US$ 14 bilhões em valor. No dia 29, a Terça-Feira Negra, 16 milhões de ações são vendidas, e o Dow Jones perde 11,73%.
O pânico irá continuar até o meio de novembro, quando o mercado vai estabilizar em um nível muito menor. Nesse tempo, o Dow Jones perdeu 50% de seu valor. O mercado havia chegado a um pico em 3 de setembro 1929, quando o Dow Jones alcançou 381 pontos. O índice só voltaria a esse nível em novembro de 1954.
Os efeitos mais devastadores na economia vão acontecer em 1930, mas Wall Street, com sua promessa de riqueza infinita, havia perdido sua credibilidade.