Corrigir texto

Se você encontrou algum erro nesta notícia, por favor preencha o formulário abaixo e clique em enviar. Este formulário destina-se somente à comunicação de erros.

Tecnologia

- Publicada em 14 de Outubro de 2018 às 23:48

Digitalizar museus é opção para preservar a cultura

Incêndio no Museu Nacional destruiu mais de 20 milhões de peças

Incêndio no Museu Nacional destruiu mais de 20 milhões de peças


/MAURO PIMENTEL/AFP/JC
O incêndio no Museu Nacional do Rio de Janeiro, a mais antiga instituição histórica do Brasil, fundada em 1818 por D. João VI, ligou o sinal de alerta para os riscos que a falta de uma visão mais moderna de preservação dos acervos pode trazer de prejuízos para a cultura. Na instituição, vinculada à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), eram mais de 20 milhões de peças, sendo que a estimativa é que, pelo menos, 90% tenham sido perdidas.
O incêndio no Museu Nacional do Rio de Janeiro, a mais antiga instituição histórica do Brasil, fundada em 1818 por D. João VI, ligou o sinal de alerta para os riscos que a falta de uma visão mais moderna de preservação dos acervos pode trazer de prejuízos para a cultura. Na instituição, vinculada à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), eram mais de 20 milhões de peças, sendo que a estimativa é que, pelo menos, 90% tenham sido perdidas.
Lançar mão da tecnologia tem sido a aposta de instituições no mundo todo para tentar prolongar a vida dos acervos, como por meio de digitalizações 3D das peças originais. Mas, pelo menos no Brasil, o segredo para a longevidade das obras de arte depende também de um cuidado maior com as pessoas e os processos. "A digitalização não substitui uma peça histórica, mas serve como objeto de referência daquilo que já foi. Às vezes, as instituições têm tecnologia de ponta, mas não possuem equipes preparadas para lidar com os sinistros", alerta o museólogo e especialista em acervos digitais, Rubens Ramos.
Por uma dessas coincidências do destino, ele visitou o Museu Nacional do Rio de Janeiro algumas horas antes do incêndio. "Estava cheio de pessoas e muito quente. Tinha seguranças, mas não reparei em nenhum funcionário para informar os visitantes sobre qualquer situação que surgisse. Percebi a fiação exposta, um risco visível até para leigos. E olha que estamos falando de um museu de grande porte", relembra.
Ter uma estratégia voltada para os cuidados básicos de conservação preventiva é o primeiro passo. Porém, vencido esse desafio, não há dúvidas de que as inovações podem trazer uma contribuição imensa para preservar o patrimônio cultural. "Embora a tecnologia, na maioria dos casos, não possa ajudar a preservar objetos tangíveis, a capacidade que temos hoje de digitalizar e armazenar a arte do mundo pode ajudar tanto a preservar a cultura como também a disseminá-la de uma maneira que não era possível antes", afirma Emmanouil Benetos, da Escola de Engenharia Eletrônica e Ciência da Computação da Queen Mary University, de Londres.
Nesse caso, uma questão importante é que, ao digitalizar um acervo de vídeos, é preciso pensar na manutenção, já que a tecnologia evolui muito rápido. Na década de 1990, houve uma corrida dos museus no mundo todo para digitalizar as obras. Na época, colocaram tudo em disquete, mas, hoje em dia, é quase impossível encontrar um computador com entrada para essa mídia. "É preciso ter uma estratégia para a digitalização e a consciência de que estaremos sempre sujeitos a lidar com a obsolescência", destaca Ramos.
Em tempos de redes sociais, o pesquisador reforça a importância do uso dessas tecnologias, inclusive, como um difusor dos acervos. É a lógica dos museus virtuais. "Se as instituições relacionarem o seu acervo com as redes sociais, como Instagram e Facebook, vão ter um alcance muito maior e conseguir estabelecer um diálogo com as pessoas que é muito interessante", analisa.

Modelos 3D mantêm memória das esculturas do Aleijadinho

Foi uma quase tragédia, há três anos, que levou a Unesco e o CNPq, com apoio da Iphan-MG, a apostar na tecnologia de preservação digital. Um incêndio na cidade de Congonhas (MG) quase atingiu a área onde ficam as 12 esculturas dos Profetas, esculpidas em pedra-sabão pelo escultor e arquiteto Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho.
Essa situação, e o fato de ficarem expostos em frente à igreja do Senhor Bom Jesus de Matosinhos, sujeitos a chuva ácida - devido às mineradoras que tem no entorno da cidade - e vandalismo, mostraram que era preciso fazer algo.
A decisão foi apostar na preservação digital das obras. Foi feito um modelo 3D digital de cada um dos 12 profetas e 32 esculturas devocionárias do mestre Aleijadinho. A ideia era que, a partir disso, pudessem ser realizadas quantas reproduções físicas fossem necessárias ao longo do tempo. "Vimos que, se tivéssemos um modelo tridimensional preciso, os Profetas poderiam, futuramente, ser restaurados em caso de alguma danificação", diz a professora de Computação Gráfica da Universidade Federal do Paraná e integrante da Comissão de Computação Gráfica e Processamento de Imagem da SBC, Olga Regina Pereira Bellon.
Inicialmente, foram montados tablados para que a equipe e os equipamentos de imageamento pudessem alcançar todas as partes das esculturas. Em seguida, foram tomadas imagens 2D coloridas, de uma câmera digital profissional, e 3D, de um sensor a laser, de várias vistas de cada profeta. "É um reforço importante para conseguirmos preservar digitalmente as obras e, com isso, disponibilizar os acervos para que cada vez mais pessoas possam aproveitar", diz a especialista, com 15 anos de atuação na área de digitalização de acervos.

Brasil e Londres desenvolvem projeto inédito

Imagina poder comparar a música composta no Brasil com a produzida em um mesmo período na Europa e avaliar as influências culturais de cada país? Foi em um projeto como este que o pesquisador brasileiro Dr. Rodrigo Schramm esteve envolvido entre 2016 e 2017 em parceria com o Dr. Emmanouil Benetos, professor da Universidade Queen Mary de Londres.
Juntos, eles trabalharam com a recuperação de acervos corais, extraindo automaticamente partituras a partir do registro fonográfico e do uso de técnicas de processamento de sinais que identificam as vozes e as melodias presentes nesses áudios. A técnica usada é baseada em algoritmos de Music Information Retrieval (MIR, recuperação da informação musical, na tradução para o português) e é considerada importantíssima para a preservação de acervos musicais e museus.
"A transcrição musical automática é uma área importante de pesquisa da ciência da computação que foca em recuperar a informação musical presente em gravações de áudio ou em restauração de acervos de partituras", diz Schramm, que é professor da Ufrgs e presidente da Comissão Especial em Computação Musical da Sociedade Brasileira de Computação (SBC).
Técnicas de MIR também têm um importante papel na recuperação de acervos de partituras. Nesse caso, o sistema escaneia, digitaliza e tentar identificar padrões. Se a partitura tem um buraco, por exemplo, algoritmos de MIR podem fazer o cruzamento de informações (teoria musical, período da história, estilos composicionais etc.) para tentar recuperar a parte faltante. Schramm conta que o objetivo do trabalho realizado em parceria com Benetos é gerar ferramentas computacionais que possam auxiliar na tarefa de transcrição musical.
"Tínhamos como objetivo criar ferramentas que pudessem servir para a catalogação e a preservação de acervos musicais em museus espalhados pelo mundo. Além da preservação e da catalogação, o projeto também busca gerar análises musicológicas dos acervos de diferentes países e culturas", relata.
Segundo o pesquisador, pouco se sabe sobre o uso da tecnologia para preservar a arte. Ele comenta que o museu que se incendiou no Rio de Janeiro deveria ter muitas partituras, e que a catalogação automatizada desse acervo poderia ter sido utilizada para garantir a sua preservação. "A recuperação de informação musical é fundamental para preservar o acervo. Mas a área de computação musical ainda é pouco valorizada no Brasil', lamenta. Para Schramm, é preciso que a sociedade como um todo, especialmente instituições como o Ministério da Educação e a Capes, invistam em pesquisa e recursos nessa área.
"As tecnologias de transcrição automática de música podem ter enormes implicações na indústria da música, mas também na herança cultural: podem ajudar a compreender e preservar a música e torná-la acessível a usuários de bibliotecas, museus e arquivos de som, bem como ao público em geral", relata Benetos.
Através do seu trabalho, ele tem colaborado com a British Library, que hospeda um dos maiores arquivos de som do mundo (com mais de 3 milhões de gravações de áudio), e tem trabalhado com as coleções World & Traditional Music da biblioteca, usando tecnologias automáticas de transcrição de música, disponibilizando os resultados para músicos, musicólogos e o público em geral.
"Trabalhos como o que estamos fazendo com o Rodrigo (Schramm) podem dar uma contribuição inestimável para a preservação do patrimônio imaterial do mundo, como música e som", destaca. Mas ainda há muitos desafios que precisam ser enfrentados. "Precisamos trabalhar em estreita colaboração com órgãos públicos, como bibliotecas e museus, para entender quais são as necessidades das instituições e de seu público, para criar ferramentas para o som e preservação de música", sugere Benetos.