Há 10 anos, no mês de agosto, diretores da empresa Wilson Sons apresentavam no Palácio Piratini projeto que previa a construção de um estaleiro no porto do Rio Grande. Depois desse encontro, em 2010, a então governadora Yeda Crusius chegou a descerrar a placa que marcava o investimento no empreendimento. No entanto, até hoje, as obras não se iniciaram e a área separada para o complexo segue sem uma destinação definida.
Uma série de discussões legais atrapalhou a iniciativa. Uma das dificuldades relatadas pela Wilson Sons era a espera pela licença para uso da faixa de água, de atribuição da Secretaria do Patrimônio da União (SPU). De acordo com a assessoria de imprensa da SPU, após um período de indefinições e mudanças no marco legal do setor portuário, a partir de agora, a análise da cessão da área será retomada tendo por base a nova legislação sobre o tema, especialmente nos termos da Portaria nº 7.145/2018.
O Ministério Público Federal também ajuizou ação civil pública alegando que haveria mau uso da área em questão, que seria a única adequada para receber um segundo terminal de contêineres. Com a implementação do estaleiro, o espaço seria perdido. Além disso, estaria havendo alteração no Plano de Desenvolvimento e Zoneamento do porto, com favorecimento de empresas em detrimento de concorrência. O estado do Rio Grande do Sul recorreu ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que decidiu, em um primeiro momento, liberar a instalação do empreendimento do grupo Wilson Sons. Porém, ainda há um recurso (apelação cível) pendente nesse tribunal sobre a matéria.
Questionada pela reportagem do Jornal do Comércio sobre se haveria um prazo para requisitar o terreno caso o empreendedor não fosse adiante com o projeto do estaleiro, a Superintendência do Porto do Rio Grande (Suprg) respondeu que "o porto não irá se manifestar sobre o assunto enquanto o mesmo estiver sub judice. A Suprg aguarda decisão judicial para depois disso se manifestar". Já o grupo Wilson Sons diz que "ainda aguarda decisão judicial referente ao imóvel para a liberação da instalação de um estaleiro. A cada ano, a Wilson Sons vem renovando o Termo de Compromisso junto ao Estado do Rio Grande do Sul, manifestando seu interesse na construção na área doada".
O governo gaúcho doou um terreno de aproximadamente 125 mil metros quadrados, localizado no Superporto, para a construção do complexo no qual se previa investimento de até US$ 140 milhões. Na ocasião do lançamento da pedra fundamental do estaleiro, o vice-presidente do grupo Wilson Sons, Arnaldo Calbucci, dizia que seriam gerados cerca de 600 postos de trabalho diretos, número que chegaria a 2 mil quando o estaleiro estivesse funcionando em plena capacidade. O projeto prevê ainda a instalação de um centro de treinamento para a capacitação de mão de obra local.
O objetivo do estaleiro é construir embarcações de apoio a exploração de petróleo e gás tipo PSV - Platform Supply Vessel - e AHTS - Anchor Handling Tug Supply -, rebocadores portuários e oceânicos. A estrutura compreende também um dique flutuante para lançamento dessas embarcações. A estimativa de capacidade de produção anual é de até oito embarcações de apoio a plataformas de petróleo, o que equivale ao consumo de 16 mil toneladas de aço no período.
Projeto foi idealizado em período de aquecimento do setor
Manteli torce por manutenção de empreendimento no Estado
/CLAITON DORNELLES /JC
Quando o plano do estaleiro da Wilson Sons em Rio Grande foi divulgado, a economia nacional não tinha ainda sentido os efeitos da crise, a indústria naval estava sendo retomada no País e a Petrobras estava fazendo encomendas internas de plataformas de petróleo. Hoje, o PIB brasileiro retraiu, a construção naval estagnou e a Petrobras direcionou várias de suas demandas para o exterior.
O vice-coordenador do Fórum de Infraestrutura da Agenda 2020 e vice-presidente da Associação Brasileira de Logística (Abralog), Paulo Menzel, argumenta que antes do estaleiro da Wilson Sons começar a sair do papel, provavelmente terão que ser reativados os estaleiros que já se encontram em Rio Grande (como o da Ecovix), que hoje sofrem com a inércia. "Não vejo interesse de um investidor em um novo projeto, pelo menos neste momento", afirma. Menzel recorda que o projeto da Wilson Sons justamente previa trabalhar com embarcações complementares, ligadas ao setor da indústria naval.
O coordenador da Associação Brasileira dos Terminais Portuários (ABTP), Wilen Manteli, defende que é preciso apoiar qualquer empreendimento que gere riqueza e empregos no Estado. No entanto, o dirigente ressalta que os órgãos públicos atuam de forma independente, o que atrapalha o desenvolvimento das ações dos investidores. "Aí um autoriza, mas o outro não e ninguém se entende", critica. Manteli reforça que torce para que a Wilson Sons não desista do complexo, contudo essa insegurança jurídica é algo que dificulta a iniciativa.
Uma fonte que acompanha o setor portuário comenta que o fato de simplesmente a Wilson Sons ter a área reservada para a implantação do estaleiro é uma vantagem para a empresa. Isso porque o terreno em questão, situado próximo ao Terminal de Contêineres (Tecon) Rio Grande (que é controlado pelo grupo), originalmente seria destinado justamente para a instalação de um segundo terminal de contêineres. Ou seja, sem área para que esse projeto se desenvolva, o Tecon Rio Grande, da Wilson Sons, não teria concorrência de outra empresa privada.
No mês passado, a Wilson Sons soltou um comunicado ao mercado informando que iniciou um processo formal envolvendo ativos de terminais de contêineres e de logística que pode incluir a alienação desses empreendimentos, bem como a atração de parceiros estratégicos. Apesar de não ter sido anunciado oficialmente quais os complexos estariam abrangidos nessa iniciativa, o Tecon Rio Grande é tido como um dos possíveis ativos envolvidos.