"Precisa de chave a porta que abre pra dentro". O verso, tirado do rock-blues A chave, abre o primeiro e único disco solo de Beni Borja, No meio do caminho, que recebe lançamento póstumo nas plataformas digitais hoje, quando o autor completaria 61 anos de vida. Ele faleceu em dezembro do ano passado, pouco antes de ver concretizado em disco o trabalho ao qual dedicou boa parte da última década.
Fundador do Kid Abelha, coautor de hits do grupo como Fixação e baterista de sua primeira formação, Beni (ou Carlos Beni Carvalho de Oliveira Borja, como consta no batismo) sempre rejeitou o título de "roqueiro". Era músico, criador sobretudo. Carinhosamente chamado de "guru" por alguns, ao menos até agora Beni pertenceu, sobretudo, àquela classe fundamental de artistas mais conhecidos e influentes em seu próprio meio do que reconhecidos pelo grande público. Descobriu nomes como Biquini Cavadão e Gabriel O Pensador. Criou seu próprio selo, Psicotronica, no início dos anos 2000, e por ele lançou Picassos Falsos (Novo mundo) e Cris Braun (Atemporal). Sabia colocar seu talento a serviço do talento alheio. Talvez por isso tenha se deixado ficar nos bastidores por muito tempo.
No meio do caminho, era, afinal, o seu projeto de expressão exclusivamente pessoal, uma saga sobre a qual a única coisa certa era que seria radicalmente autoral, marcada por autêntica liberdade criativa. Essa é provavelmente a razão pela qual, durante anos, Beni insistiu em fazer tudo sozinho, gravando todos os instrumentos e empilhando camadas musicais em seu estúdio particular.
Em 2016, o repertório estava pronto, e o compositor, preparado para cantá-lo, mas a produção se arrastava com muitas indefinições. Foi quando o baixista Rian Batista, casado com a filha de Beni, a artista plástica e também cantora e compositora Julia Debasse, entrou em cena. "Casa de ferreiro, espeto de pau. O Beni, que ajudou tantos artistas a colocar seus projetos de pé, não estava conseguindo fazer isso por si mesmo. Era um caos cheio de indecisões, e eu lhe disse o óbvio".
O óbvio, no caso, era reunir uma banda, tocar e criar os arranjos a partir das sessões. Assim foi feito, e, em algumas semanas, nove das dez faixas do disco estavam gravadas: Beni, cantando e tocando violões e guitarras, Sérgio Diab nas guitarras, violões e vocais de apoio, Bruno Wanderley na bateria, e Rian no baixo e vocais. Apenas Matemática, com pegada latina, manteve- se na versão solitária do autor.
No meio do caminho reflete um interesse pela música como um todo. Corais gospel, beats eletrônicos e refrões de MPB, melodias nordestinas e riffs pesados combinam-se em uma demonstração de apreço pela canção. As letras escritas para as 10 faixas montam um painel a respeito do massacre das nossas subjetividades, submetidas a fórmulas compradas prontas.
No início de 2020, o disco, com produção assinada por Rian e Diab, estava praticamente pronto, mas a pandemia chegou e adiou o lançamento. Beni finalizou e batizou o álbum e escolheu para a capa uma pintura da filha; um carro quebrado no meio da estrada e um homem que parece cogitar aflito sobre o que fazer.
Em dezembro de 2021, ele se preparava para, afinal, apresentar a obra ao público no início deste ano. Então, na antevéspera do Natal, literalmente no meio do caminho, no trânsito, um infarto súbito levou Beni em segundos, mesmo tendo sido imediatamente socorrido.
Diferente de discos de artistas que tinham consciência de viver seus últimos dias, como Blackstar, de David Bowie, ou Pink moon, de Nick Drake, Beni não fazia ideia do trágico futuro próximo. No meio do caminho celebra a vida e apresenta um capítulo crucial de uma carreira sempre em mutação profissional, artística e musical. Tudo está refletido em um álbum plural e inclassificável, ao qual a prematura morte do autor confere um ar quase místico. Na faixa-título, com pedal baixo, sua voz continua a convocar à aventura da vida: "Embaralhe as cartas novamente / Quem sabe o que elas vão dizer?"
Os produtores e a família de Beni prometem levar No meio do caminho ao palco para celebrar a vida desse artista que nos deixou tão cedo, mas sobrevive eternamente em sua própria música.