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Cinema

- Publicada em 30 de Janeiro de 2022 às 11:43

'De Olhos Abertos' leva para a tela as vozes das ruas de Porto Alegre

Documentário conta a história dos responsáveis pela produção e venda do jornal Boca de Rua, veículo impresso com mais de 20 anos de atividades

Documentário conta a história dos responsáveis pela produção e venda do jornal Boca de Rua, veículo impresso com mais de 20 anos de atividades


LUIZ ABREU/DIVULGAÇÃO/JC
Adriana Lampert
As vozes das ruas de Porto Alegre foram parar em uma grande tela erguida no jardim do Museu Joaquim Felizardo, localizado no bairro Cidade Baixa. Em clima de festa, os responsáveis pela produção e venda do jornal Boca de Rua receberam um público de mais de 250 pessoas no final da tarde deste sábado (29), para uma sessão gratuita de exibição noturna e ao ar-livre do documentário De Olhos Abertos, dirigido por Charlotte Dafol.
As vozes das ruas de Porto Alegre foram parar em uma grande tela erguida no jardim do Museu Joaquim Felizardo, localizado no bairro Cidade Baixa. Em clima de festa, os responsáveis pela produção e venda do jornal Boca de Rua receberam um público de mais de 250 pessoas no final da tarde deste sábado (29), para uma sessão gratuita de exibição noturna e ao ar-livre do documentário De Olhos Abertos, dirigido por Charlotte Dafol.
Na chegada ao espaço do Museu, os expectadores foram recebidos com material de divulgação do veículo impresso, que circula trimestralmente na Capital, há exatos 21 anos. Idealizada pela ONG Agência Livre para Informação, Cidadania e Educação (Alice) e tocada pelas mãos de quem vive em situação de rua, a publicação é o mote do primeiro longa de Charlotte, mas o protagonismo é dos 30 integrantes do jornal independente. 
Durante 112 minutos, homens e mulheres que dormem nas ruas de Porto Alegre e que abraçaram o projeto - coordenado pela jornalista Rosina Duarte - contam de forma forte, sensível e inteligente como enfrentam os desafios da cidade, ao mesmo tempo que relatam a beleza do laço solidário entre o grupo. Situações de violências sofridas, abandonos, mortes, doenças e fome se interlaçam com histórias de pequenas alegrias do cotidiano e da dignidade com que enfrentam tantas adversidades. A emoção tomou conta do Museu Joaquim Felizardo.
Na plateia, muitos jovens, além de profissionais de diversas áreas - alguns conhecidos do grande público, como o cartunista Santiago e a atriz Deborah Finocchiaro - assistiram atentos às cenas gravadas pela fotógrafa, escritora e musicista Charlotte Dafol. Na tela, as imagens revelam detalhes da paisagem do Centro Histórico e da Cidade Baixa, bairros onde o jornal mais circula; além de entrevistas com o grupo que realiza a produção, venda e autogestão do Boca de Rua.
"O jornal é o ganha pão de muitos deles, que compram roupas, sapatos, e suprem outras necessidades com o dinheiro das vendas", destaca Rosina, que também é uma das personagens do documentário. Ela conta que também o filme partiu de uma ideia do grupo. "Este documentário é a imagem e semelhança do jornal. Assim como é com o trabalho com o veículo, foi uma saga para ser feito." 
Gravado e montado de forma independente, com o apoio da ONG Alice (iniciativa da qual Charlotte também é integrante), o filme foi rodado em 2019 e finalizado em 2020, com cerca de R$ 20 mil em recursos erguidos através de uma vaquinha eletrônica. Depois de finalizado, já foi exibido nos Estados Unidos, Alemanha e Cuba. 
A história do jornal independente, e do dia a dia destas pessoas frequentemente invisibilizadas no convívio na cidade e nas políticas públicas, foi premiada no exterior antes mesmo de estrear no Brasil. Finalizado às vésperas da pandemia, participou do Inffinito Brazilian Film Festival (Miami e Nova York), no qual ganhou o prêmio de melhor filme na mostra competitiva de documentário, e também foi exibido no Refugees Festival (Berlim) e no Festival de Cine Latinoamericano de La Habana (Havana).
Em Porto Alegre, a estreia presencial ocorreu no último dia 22 de janeiro, para um público de aproximadamente 70 pessoas na Sala Paulo Amorim (Casa de Cultura Mario Quintana), seguida de uma exibição no espaço Marakayá – antigo Comitê Latino-Americano (Vieira de Castro, 133). O longa-metragem já havia estreado também em plataforma digital.
Francesa, radicada no Brasil desde 2013, a diretora do documentário comenta que apesar de existirem outros projetos audiovisuais que contam a história do Boca de Rua, havia a necessidade de fazer uma obra com o olhar de quem colabora e convive com as pessoas do jornal. A ideia surgiu em meados de 2018.
Diante da falta de recursos, as gravações ocorreram somente em janeiro de 2019. Por economia e também opção autoral, Charlotte decidiu conduzir a maior parte do trabalho sozinha, contando por vezes com voluntários. A experiência, segundo ela, mostrou-se transformadora: ao longo da narrativa, são reveladas histórias de preconceito e abuso, mas também de companheirismo e esperança.
"Na minha opinião, (o Boca de Rua) é a maior ferramenta de transformação social que conheci na minha vida. Nem a Universidade Federal do Rio Grande do Sul é tão transformadora quanto esse jornal", afirma, em um dos trechos do filme, o estudante de Políticas Públicas e colaborador do jornal, Anderson Rosa Ferreira. "Com o que os grupos vulneráveis estão acostumados? Quando você pede alguma coisa, você está em uma relação de poder e a tendência é aceitar, dizer 'sim, senhor'. Então, a autonomia, o protagonismo, a crítica, a autocrítica e o questionar e o querer saber o porquê, o próprio jornal conseguiu reunir todas essas coisas", avalia.
Antes da exibição, o público se divertiu com um grupo de artistas de rua e a apresentação dos Poetas Vivos. Ao final do filme, a plateia ainda ficou para um bate-papo com a diretora do documentário e os integrantes do Boca de Rua.
Morador de rua desde os nove anos, e um dos personagens do documentário, Paulo Ricardo da Silva, 55 anos, avaliou que "Charlotte fez um bom trabalho". "Estamos mostrando para a sociedade que também temos potencial", afirma. "Nós mesmos escolhemos as pautas do jornal, e, entre os assuntos, entra muita coisa que a mídia oficial não mostra." Silva destaca ainda que, ao contrário do que o preconceito estabelece, "pessoas em situação de rua ou vestidas com roupas simples" não deveriam ser discriminadas por sua aparência. "Em geral, quem rouba anda bem vestido, usa roupa social e tem carro importado."
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