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Cultura

- Publicada em 25 de Outubro de 2021 às 20:20

Livro da diplomata Ana Beltrame traz história ambientada na Amazônia dos garimpos

Autora lança nesta terça-feira (26) obra 'O passeio de Dendiara', que aborda tráfico de meninas

Autora lança nesta terça-feira (26) obra 'O passeio de Dendiara', que aborda tráfico de meninas


/TEMA EDITORIAL/DIVULGAÇÃO/JC
Igor Natusch
Há vários Brasis que o Brasil não conhece. Um deles está lá no Norte dos mapas, na fronteira muitas vezes esquecida entre o Amapá e a Guiana Francesa: um Brasil de florestas ainda densas, de garimpos clandestinos onde a lei raramente chega, de crianças que trocam de mãos em negócios dolorosos até de pensar. Uma fronteira dos ditos civilizados que não é a mesma dos povos nômades da mata, e que não impede o fluxo das pessoas em busca do ouro, ou de outra resposta qualquer para a urgência da miséria. Um Brasil de violência e abuso, mas também de uma Amazônia imponente e quase mítica, de incontáveis potências e encantamentos. Um Brasil que espera por nós.
Há vários Brasis que o Brasil não conhece. Um deles está lá no Norte dos mapas, na fronteira muitas vezes esquecida entre o Amapá e a Guiana Francesa: um Brasil de florestas ainda densas, de garimpos clandestinos onde a lei raramente chega, de crianças que trocam de mãos em negócios dolorosos até de pensar. Uma fronteira dos ditos civilizados que não é a mesma dos povos nômades da mata, e que não impede o fluxo das pessoas em busca do ouro, ou de outra resposta qualquer para a urgência da miséria. Um Brasil de violência e abuso, mas também de uma Amazônia imponente e quase mítica, de incontáveis potências e encantamentos. Um Brasil que espera por nós.
É desse mundo insuspeitado que a diplomata Ana Beltrame fala em O passeio de Dendiara (Tema Editorial, 192 págs., R$ 40,00). A partir do período em que serviu como cônsul-geral do Brasil em Caiena (capital do país de fronteira), ela constrói a tocante história de Dendiara, ou Dendy, como é batizada ao ser encontrada: uma menina de cerca de dez anos, grávida, incapaz de dizer de onde veio, com quem estava ou como chegou até ali. No esforço para preencher as lacunas, a representante do Itamaraty entra em contato com garimpeiros, atravessadores, 'tias' que adotam crianças na informalidade, famílias desestruturadas pela pobreza sem fim. Um trajeto doloroso, mas que também nos traz o contato com a sabedoria dos povos originários e o sabor de culturas, lugares e experiências que nem imaginávamos existir.
O livro terá lançamento em Porto Alegre nesta terça-feira (26), a partir das 19h30min, na Livraria Santos da Galeria Casa Prado (Dinarte Ribeiro, 148). A autora estará presente para autógrafos, e exemplares da obra estarão à venda no local.
Embora seja uma obra de ficção, O passeio de Dendiara costura histórias que Ana Beltrame conheceu entre 2008 e 2013, nos cinco anos em que residiu na Guiana Francesa, região ultramarina ligada à França. Ou seja, é um livro de muitas verdades, mesmo que não se amarre a uma pessoa específica. "A Dendiara não existe, mas existem umas cinco menininhas que a inspiraram muito de perto", afirma. "Algumas dessas crianças são jovens adultos agora, e talvez estejam fazendo força para viver com um passado de abusos. Não queria recriar algo que pudesse magoá-las, ou que permitisse a alguém sacar de quem eu estivesse falando."
Embora surja de histórias vividas no extremo Norte da América do Sul, O passeio de Dendiara foi escrito em outros territórios - no caso, na cidade canadense de Toronto, onde a diplomata estava quando a pandemia chegou. O isolamento contribuiu para que Ana resgatasse a história que, há anos, desejava contar. "De repente, não acontecia nada em Toronto. Me deu até uma tristeza daquele silêncio, as avenidas de oito pistas cobertas de outdoors piscando e nenhum carro na rua. Aí pensei 'é agora, vou escrever'", relembra.
Além de nos falar de realidades humanas que ignoramos, o livro convida a pensar sobre a Amazônia e os vizinhos que desconhecemos. Não é à toa que o volume traz alguns mapas da região, de forma que o leitor ou leitora não se perca pelo caminho. "O Suriname ninguém sabe onde fica; a Guiana, que era a antiga Guiana Inglesa, muita gente nem sabe que existe. A Guiana Francesa, então, nem se fala. As pessoas não têm conhecimento", comenta. "Algumas pessoas mandavam coisas para Guiné (país da África) e endereçavam para a Guiana. Os franceses entregavam no consulado e eu mandava de volta com uma observação."
Hoje vivendo em Rivera, no Uruguai, a gaúcha de Santa Maria está mais perto da terra onde nasceu. O que não a impede de refletir sobre a outra ponta do Brasil, hoje marcada nos noticiários pelos incêndios na floresta e pela exploração irresponsável de recursos naturais. "Vejo as pessoas dizendo que os garimpeiros exploram a floresta, mas eles são uns pobres coitados explorados também. Não existe garimpeiro rico, existe garimpeiro morto", frisa. "Não há uma dicotomia entre floresta em pé e pessoas com renda, como nos dizem os que são contrários à ecologia. As pessoas buscam o ouro, por exemplo, porque ele dá renda. Mas, do jeito que ele vem sendo explorado, na mão de bandido, de clandestino e de atravessador, ele acaba com as pessoas e acaba com a floresta", acentua Ana.
Uma Amazônia que exige, antes de tudo, disposição para o conhecimento. E o mesmo se aplica quando pensamos nas crianças e adultos que lá vivem, muitos afundados em dramas semelhantes aos que surgem em O passeio de Dendiara. "Eu digo que essa situação é formada por dois 'M': miséria e mentira. É a miséria que faz as mães darem os filhos, que faz as pessoas abandonarem tudo em busca de um emprego. E a pessoa que pega a criança, ou o coiote (que ajuda a atravessar a fronteira de forma clandestina), mente, diz que é tudo maravilhoso, que a criança vai voltar para visitar, que vão chamar a mãe para ver a filha se formar no primário. É a miséria que empurra, e a mentira que puxa. Temos que combater a pobreza extrema, e temos que trazer informação para as pessoas."
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