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Cultura

- Publicada em 20 de Setembro de 2021 às 19:05

Escaler vira livro, reunindo as memórias de seu idealizador

Parada obrigatória da boemia nos anos 1980 e 1990, lendário bar era um porto seguro no Bom Fim

Parada obrigatória da boemia nos anos 1980 e 1990, lendário bar era um porto seguro no Bom Fim


Arquivo pessoal/Toninho do Escaler/DIVULGAÇÃO/JC
Igor Natusch
Durante mais de duas décadas, os boêmios que se moviam pela vida noturna de Porto Alegre tinham sempre um porto seguro em meio ao mar revolto. Localizado no Mercado do Bom Fim, encostado nos brinquedos do parquinho e tendo o Parque da Redenção como pátio, o Escaler era mais do que uma certeza de cerveja gelada a preço justo. Naquele lugar, a efervescência era regra, em uma junção de tribos e criatividades que explodia em música, arte e mesas ao ar livre. Nas décadas de 1980 e 1990, o Bom Fim era o lugar da doce loucura, da invenção dos novos caminhos - e todo o mundo envolvido nesse barato certamente bateu ponto no Escaler.
Durante mais de duas décadas, os boêmios que se moviam pela vida noturna de Porto Alegre tinham sempre um porto seguro em meio ao mar revolto. Localizado no Mercado do Bom Fim, encostado nos brinquedos do parquinho e tendo o Parque da Redenção como pátio, o Escaler era mais do que uma certeza de cerveja gelada a preço justo. Naquele lugar, a efervescência era regra, em uma junção de tribos e criatividades que explodia em música, arte e mesas ao ar livre. Nas décadas de 1980 e 1990, o Bom Fim era o lugar da doce loucura, da invenção dos novos caminhos - e todo o mundo envolvido nesse barato certamente bateu ponto no Escaler.
Para quem viveu aqueles dias, o livro Escaler: quando o Bom Fim era nosso, senhor! (Ballejo, 196 páginas, R$ 71,00) é um convite para embarcar em uma doce viagem pelo oceano da memória. Para os mais novos, o depoimento de Toninho do Escaler, registrado pelo jornalista e escritor Paulo César Teixeira, é registro do passado e provocação para o futuro. Afinal, se tem uma coisa que fenômenos recentes como o Tutti Giorni, na escadaria da Borges de Medeiros, e as agitações no Viaduto do Brooklyn nos dizem, é que há muita gente com vontade de beber e curtir cultura ao ar livre em Porto Alegre. Um espírito que, talvez, seja parte da própria cidade, e que não há decreto que faça desaparecer.
"Espero que o livro suscite discussões sobre esse tema. Estamos vivendo uma era de ódio, mas o ódio não constrói, essas pessoas só vão destruir a si próprias e suas famílias", pondera Antônio Carlos Ramos Calheiros, o Toninho do Escaler, lendário dono do não menos lendário bar porto-alegrense. "Alguns me dizem que o Bom Fim não volta mais, mas por que não volta? Podemos fazer tudo de novo, com mais alegria, mais carinho, mais organização."
A obra se movimenta na fluidez de uma conversa de boteco, sem se agarrar demais a uma ordem cronológica. É como se o nosso navio fizesse idas e vindas, balançando um pouco com a força das águas - uma sensação que tem tudo a ver com Toninho, que foi oficial da marinha mercante antes de, em outubro de 1982, inaugurar o Escaler. "Queria que a voz do Toninho fosse ouvida no livro, com esse jeito de contar as coisas meio aos borbotões, mas organizada em um fundo que fizesse sentido", conta Teixeira - que, aliás, conheceu Toninho por intermédio do Jornal do Comércio, em uma reportagem cultural sobre o bar publicada em 2019.
A partir de 1984, quando assumiu seu caráter noturno, o Escaler começou a colecionar tipos humanos e histórias. O show de Bebeto Alves em março de 1988, que juntou tanta gente que bloqueou a entrada da Igreja Santa Teresinha, impedindo a missa de domingo; a ocasião em que dois brigões foram separados pela iniciativa de um frequentador que, precisando ir ao banheiro, fez o serviço direto em cima dos caras; a noite em que a Bandaliera chamou tanta gente que a Lancheria do Parque, do lado de lá da Redenção, terminou a noite só com água de torneira para servir. Foi uma viagem longa, cheia de emoções e risadas, que nem faz sentido querer resumir aqui: melhor será que o leitor ou leitora vá mesmo até o livro, onde as encontrará em profusão.
Mas, como a gente bem sabe, nem todo mundo gosta de bagunça, por mais criativa que seja. Na metade dos anos 2000, Toninho cansou. Sempre se incomodando com o poder público, decidiu fechar o Escaler: era tanta briga para manter o bar aberto que a alegria tinha virado quase desgosto. "Foram muitos anos de luta, de sobrevivência, mas também de muita alegria, de uma vida muito legal com a minha família. Mas tudo desandou", relembra, com tristeza.
Foi-se para o Uruguai, depois voltou a trabalhar no mar. Nos períodos de solidão, anotava algumas das incontáveis histórias do Escaler: "Eu mesmo, quando lia, dava risada". Hoje aposentado e morando em São Lourenço do Sul, Toninho sentiu na chegada da pandemia um impulso para organizar as memórias em forma de livro - e o reencontro com Paulo César Teixeira veio como sinal para soltar as amarras e dar início à viagem.
Embora a história que conta seja profundamente porto-alegrense, Escaler: quando o Bom Fim era nosso, senhor! é um livro de apelo universal. Afinal, o conflito entre as zonas boêmias e a sociedade respeitável é quase uma das disputas primordiais da civilização. "Bairro boêmio que não incomoda não tem graça nenhuma, desde a Grécia Antiga", comenta Teixeira. "Esses espaços públicos voltados à vida noturna incomodam desde sempre, é até certo ponto normal que isso aconteça. Mas, ao mesmo tempo, são laboratórios dos novos comportamentos da sociedade. É nesses lugares que se acaba testando os caminhos pelos quais a sociedade vai avançar em tempos futuros."
Da sua parte, Toninho tem planos para uma Porto Alegre mais festiva no futuro. Em parceria com a jornalista e produtora cultural Katia Suman, prepara para o pós-pandemia uma série de shows, reunindo nomes consagrados e muita gente da nova geração - tudo, se depender dele, financiado com as vendas de uma cerveja com a marca do Escaler. "Não queremos ficar ricos, mas queremos retomar a cena cultural gaúcha do jeito que nós achamos que deve ser feito. As cidades têm que ter um palco livre, que dê espaço para quem tem talento, não apenas colocar os amigos para tocar. Tem que haver liberdade para fazer cultura na cidade", empolga-se Toninho, já vislumbrando as novas viagens que virão.
O livro pode ser adquirido pelo site www.ballejocc.com/escaler ou pelo e-mail [email protected] - pagamentos pelo PIX (53) 99121-0330 não têm custo de frete para Porto Alegre ou Pelotas. Para outras cidades e estados, a taxa de entrega é R$ 15,00.
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