Dono de um visual inconfundível e autor de um estilo musical único, Tony da Gatorra chega aos 70 anos com uma bagagem recheada de histórias e conquistas. O artista, que já rodou o Brasil e o mundo exibindo sua criação, agora comemora seu aniversário em uma live especial promovida pelo grupo Música da Casa Verde. O evento virtual acontece nesta terça-feira (3), às 21h, com transmissão ao vivo
pelo canal de Youtube do coletivo.
Admirador do "rock das antigas", Tony é fã de grandes nomes da música como Raul Seixas, Pink Floyd, Led Zeppelin, Rolling Stones e Beatles. A guitarra, muito utilizada por eles, serviu de inspiração para a criação inusitada da gatorra, que recebe ainda características de instrumentos de percussão, outra paixão sua. Essa invenção foi o que permitiu sua entrada oficial no universo musical. Técnico eletricista de formação, seus conhecimentos na área vieram como complemento para concretizar a produção do aparelho, feito de forma totalmente artesanal por ele desde 1996.
Em entrevista ao Jornal do Comércio, Tony conta que o apetrecho surgiu com o propósito de conscientizar as pessoas a respeito das injustiças do mundo. "Não sou cantor, sou instrumentista, então é através do instrumento que eu transmito meus pensamentos e minhas ideias. Minha música sempre foi de protesto, trazendo assuntos como a exploração e a escravidão. Precisamos reivindicar contras os políticos e mercenários do País", afirma.
Natural de Cachoeira do Sul, mudou-se para Esteio aos três anos de idade depois do falecimento da mãe. Ao lado do pai e dos irmãos, teve infância humilde e cresceu rodeado de incertezas que, agora, servem de inspiração para sua música. "Fui criado na pobreza, passando fome, e até hoje vejo gente vivendo a mesma situação que eu vivi há 60 anos. Decidi que não posso ficar calado frente ao que precisa ser dito. A minha liberdade de expressão deve ser respeitada, pois somos nós que sustentamos essa nação."
Suas manifestações públicas, através dos embalos da gatorra, renderam-lhe oportunidades que jamais imaginou vivenciar. Além das palestras em universidades federais e convites de emissoras para apresentar a sua criação, o instrumentista ainda participou de shows e turnês internacionais ao lado de importantes músicos e vendeu modelos exclusivos do aparelho para estrangeiros. O guitarrista Nick McCarthy, da banda escocesa Franz Ferdinand, foi um dos clientes mais especiais. Durante sua passagem pelo Brasil, o músico conheceu o aparelho e decidiu adquirir uma unidade.
Tony revela que o contato com o exterior fez com que ele passasse a enxergar ainda mais nitidamente a diferença no tratamento e no reconhecimento do seu trabalho como músico. "O pessoal da Europa valoriza muito o estudo e a cultura, principalmente em relação à música. Os países de lá dão muita força e incentivo para os artistas darem continuidade aos seus trabalhos, ao contrário do que acontece aqui. No Brasil o governo é inimigo da cultura porque não querem que o povo fique esperto", desabafa ele.
Com 25 anos de carreira, o instrumentista lamenta nunca ter conseguido aumentar a produção das gatorras. "As pessoas se interessam muito por elas, mas não querem pagar o valor que realmente vale. Eu faço tudo sozinho reaproveitando materiais, dá muito trabalho. Elas têm modelos únicos. Sempre construo de maneiras diferentes, alterando o design e o próprio circuito interno, além de numerar cada unidade."
Com novos trabalhos de música na rua e shows que devem acontecer nos próximos meses, Tony diz que ficará sem aceitar encomendas durante um tempinho. Apesar da pausa, ressalta: "Eu continuo o mesmo de sempre, cabeludo e usando calça boca de sino. Minha idade não modifica meu espírito, mas agora quero focar em outras coisas".
A live comemorativa faz parte da nova agenda de compromissos do artista. Esta noite, Tainam Dias e Rafael Bartô sobem ao palco com o instrumentista para tocar 11 canções ao vivo, misturando faixas novas com outras mais antigas. "É muito bom ver um coletivo independente nos apoiando e reconhecendo nosso trabalho, já que por parte do governo não conseguimos nada."