Corrigir texto

Se você encontrou algum erro nesta notícia, por favor preencha o formulário abaixo e clique em enviar. Este formulário destina-se somente à comunicação de erros.

Cultura

- Publicada em 07 de Julho de 2021 às 20:30

Escritora canadense Alice Munro chega aos 90 anos

Autora foi a primeira contista a receber o Prêmio Nobel de Literatura

Autora foi a primeira contista a receber o Prêmio Nobel de Literatura


DEREK SHAPTON/COMPANHIA DAS LETRAS/DIVULGAÇÃO/JC
Igor Natusch
Uma das regras não escritas da literatura é, embora discutível, bastante clara: a nobreza está nos romances. O formato longo seria, por assim dizer, o caminho natural de expressão e consagração dos grandes autores e autoras - mais ou menos como, no universo do cinema, é o longa-metragem que faz a fama de diretores, atores e atrizes. Uma ideia preconcebida que sofreu um desafio importante em 2013, quando a escritora canadense Alice Munro foi agraciada com o Nobel de Literatura. Afinal de contas, a autora - que completa 90 anos de vida neste sábado (10) - construiu toda a sua trajetória como contista - e seu prêmio foi o primeiro, em mais de um século de Nobel, a ser entregue a alguém dedicado exclusivamente ao conto.
Uma das regras não escritas da literatura é, embora discutível, bastante clara: a nobreza está nos romances. O formato longo seria, por assim dizer, o caminho natural de expressão e consagração dos grandes autores e autoras - mais ou menos como, no universo do cinema, é o longa-metragem que faz a fama de diretores, atores e atrizes. Uma ideia preconcebida que sofreu um desafio importante em 2013, quando a escritora canadense Alice Munro foi agraciada com o Nobel de Literatura. Afinal de contas, a autora - que completa 90 anos de vida neste sábado (10) - construiu toda a sua trajetória como contista - e seu prêmio foi o primeiro, em mais de um século de Nobel, a ser entregue a alguém dedicado exclusivamente ao conto.
A pessoa que rompeu barreiras importantes em torno da narrativa curta nasceu Alice Ann Laidlaw, em 10 de julho de 1931, na cidade canadense de Wingham. Sua família estava longe de ser abastada: seu pai era fazendeiro, criador de perus e visons, enquanto a mãe dava aulas em uma escola local. Na adolescência, a futura escritora trabalhou como garçonete e na colheita do tabaco, e cursou dois anos de jornalismo e língua inglesa na Universidade de Western Ontario antes de, ainda aos 20 anos, casar-se com James Munro, um colega de faculdade. Foi ao lado do primeiro marido que Alice Munro vislumbrou, sem grandes alardes, uma nova trilha. Depois de mais de uma década, James cansou-se do trabalho em uma loja de departamentos, e o casal mudou-se para a cidade de Victoria, onde abriram uma livraria, a Munro's Books. Quando o negócio começou, em 1963, vendia quase só exemplares de capa mole, os famosos livros de bolso - e conta o agora ex-marido que, mexendo em parte do estoque, Alice reencontrou a chama que a colocaria no coração da literatura de seu país.
Embora escrevesse desde a adolescência, e publicasse histórias esporádicas em revistas literárias há mais de década, Alice nunca tinha feito um esforço concentrado de buscar uma carreira na escrita. Mas, lendo algumas das obras à venda enquanto cumpria turnos no lugar do marido, ficou revoltada - e resolveu, como talvez se diga em alguns desses livros de baixo orçamento, colocar mãos à obra de uma vez. "Eu posso escrever livros melhores que isso", teria dito, em um acesso de raiva - e hoje, décadas depois dessa explosão indignada, não haverá quem diga que ela não tinha razão.
Em uma escrita marcada pela clareza, sem grandes experimentações do ponto de vista formal, Alice Munro traz como principal característica o realismo psicológico. Frequentemente ambientadas em pequenas cidadezinhas do condado de Huron, no estado canadense de Ontario, as histórias mostram personagens (geralmente femininas) confrontadas pelas opressões não raro invisíveis do cotidiano, em dilemas morais e humanos delimitados pela necessidade de aceitação social. Não é à toa que diferentes críticos comparam o trabalho de Alice Munro com o do russo Anton Tchekhov: o enredo, mesmo bem amarrado e não raro complexo, está sempre em posição secundária, uma vez que as grandes emoções e acontecimentos extraordinários se dão na esfera subjetiva, na mente e no coração de cada personagem.
Outra característica de Alice está no constante revisitar de sua própria obra. São numerosos os contos que ela reescreveu no decorrer dos anos - alguns décadas depois da primeira versão, outros no espaço de poucos meses. Mais do que alterar o ritmo das frases ou os cenários de alguns conflitos, a autora promove também mudanças nos personagens: por vezes eles ficam mais jovens ou idosos, mais ou menos vulneráveis aos acontecimentos, se tornam mais discretos ou ganham poder decisivo em determinados desfechos. Diz-se que a própria, depois de um tempo, começou a evitar reler os próprios livros - o que, levando em conta essa tendência à reescritura, não é de surpreender. Presente no livro Ódio, amizade, namoro, amor, casamento, um dos contos inspirou o filme Longe dela (2006), dirigido por Sarah Polley e que lida com o impacto do Mal de Alzheimer sobre um casal de aposentados. Outras obras, como Felicidade demais, Vida querida e O amor de uma boa mulher, também receberam edições nacionais, pela Companhia das Letras.
A Munro's Books cresceu, tornou-se lendária e segue ativa, sendo amplamente reconhecida como uma das mais famosas de toda a América do Norte. Quando o casal se separou, em 1972, a livraria ficou com James, enquanto Alice levou o sobrenome artístico e, com ele, construiu uma carreira de influência internacional. Até hoje, contudo, há quem ache que as duas coisas seguem ligadas, e até hoje a loja recebe visitantes torcendo para encontrar Alice perambulando entre as estantes. Seja como for, não é todo mundo que marca época tanto escrevendo livros, quanto fundando um lugar que os venda - e ainda mostrando, na maior premiação literária do mundo, que não é só com volumosos romances que se constrói a trilha para a eternidade artística.
Conteúdo Publicitário
Leia também
Comentários CORRIGIR TEXTO