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Cultura

- Publicada em 30 de Junho de 2021 às 20:04

O escritor e suas cicatrizes: Hemingway morreu há 60 anos

Autor norte-americano construiu uma das obras literárias mais vibrantes do século passado - em meio a explosões, ameaças e aventuras

Autor norte-americano construiu uma das obras literárias mais vibrantes do século passado - em meio a explosões, ameaças e aventuras


JORGE ZAMAR/POPPERFOTO/DIVULGAÇÃO/JC
Igor Natusch
Se o confronto com a mortalidade é um dos elementos formadores de um grande escritor, podemos dizer que Ernest Hemingway passou por essa prova de fogo várias vezes. Uma das primeiras, e talvez mais marcantes, veio décadas antes do sucesso literário, quando voluntariou-se para ser motorista de ambulância da Cruz Vermelha no front da Itália, nos últimos momentos da Primeira Guerra Mundial. Era a chance do jovem de 18 anos, que já havia sido rejeitado pelo exército dos EUA por problemas de visão, engajar-se nos esforços de guerra - o que, naquele momento, ele encarava como um gesto cheio de idealismo romântico.
Se o confronto com a mortalidade é um dos elementos formadores de um grande escritor, podemos dizer que Ernest Hemingway passou por essa prova de fogo várias vezes. Uma das primeiras, e talvez mais marcantes, veio décadas antes do sucesso literário, quando voluntariou-se para ser motorista de ambulância da Cruz Vermelha no front da Itália, nos últimos momentos da Primeira Guerra Mundial. Era a chance do jovem de 18 anos, que já havia sido rejeitado pelo exército dos EUA por problemas de visão, engajar-se nos esforços de guerra - o que, naquele momento, ele encarava como um gesto cheio de idealismo romântico.
Já no seu primeiro dia em Milão, o futuro ícone da literatura norte-americana e mundial (falecido há 60 anos, no dia 2 de julho de 1961) teve um choque duro e grotesco com a realidade do campo de batalha. Foi enviado a uma fábrica de munições bombardeada, e testemunhou o recolhimento dos corpos despedaçados de mulheres que lá trabalhavam - incidente que, mais tarde, ele narraria no livro Morte à tarde (1932). Menos de um mês depois, ele mesmo quase morreu: foi atingido nas pernas pela explosão de um morteiro, logo depois de entregar chocolates e cigarros aos colegas no front.
A experiência na Primeira Grande Guerra não seria única. Cobriu como jornalista a Guerra Civil Espanhola e, já na Segunda Guerra Mundial, acompanhou eventos como o famoso Dia D, que marcou o desembarque dos aliados nas praias francesas da Normandia. Nessa ocasião, estava com a cabeça cheia de curativos, devido a um acidente de carro que sofreu em Londres, logo depois de chegar ao país. Seu envolvimento no conflito foi tamanho que chegou a ser acusado de liderar uma milícia francesa infiltrada em território alemão - um crime previsto na Convenção de Genebra, que impede jornalistas de se engajarem em atividades de caráter militar. Hemingway deu um jeito de escapar de um processo, alegando que apenas deu alguns conselhos ao grupo.
A essa altura, o escritor nascido em Oak Park, Illinois, em 21 de julho de 1899 já era uma celebridade no meio literário. Obras como O sol também se levanta (1926) tinham sido recebidas de forma entusiástica pela crítica, e suas experiências no campo de batalha já tinham virado literatura em Adeus às armas (1929) e Por quem os sinos dobram (1940). Em seus livros, o que impressiona vai além da capacidade de reinventar experiências em forma de vibrante ficção: há, acima de tudo, o poderoso domínio da narrativa, em um estilo de frases curtas e cheio de movimento capaz de, limitando-se ao essencial, dar a impressão de narrar o mundo inteiro.
A esse respeito, o emblemático escritor tinha uma teoria. Uma boa história, segundo ele, é como um iceberg: sua forma visível pode ser impressionante, mas é o que não se enxerga, muitas vezes mais volumoso, que faz com que a estrutura se mova nas águas geladas. A pessoa que escreve deve conhecer cada detalhe de seus personagens e do universo que os anima; aos olhos que leem, contudo, esse significado profundo não deve ser explícito. Mesmo que ele esteja sempre presente, carregando a história adiante. 
Além da escrita memorável, Ernest Hemingway também marcou época pela vida cheia de emoções - e de cicatrizes. Em 1982, quando vivia em Paris com Pauline, a segunda de suas quatro esposas, sofreu um acidente no banheiro que o deixou com uma cicatriz na testa pelo resto da vida. Sofreu outro acidente de carro em 1945, que o deixou com lesões no joelho, e chegou a passar meses de cama durante o período em que viveu em Cuba, sofrendo de problemas no fígado.
Talvez mais incrível é saber que Hemingway sobreviveu a dois acidentes de avião em menos de 48 horas. Em 1954, um ano depois de ganhar o Nobel de Literatura por O velho e o mar, ele e sua quarta esposa, Mary Walsh, faziam um voo turístico pelo Congo Belga (atual República Democrática do Congo) quando o monomotor em que estavam caiu: ela quebrou duas costelas, enquanto o autor feriu a cabeça. No dia seguinte, buscando atendimento médico, embarcaram em um novo voo: a aeronave explodiu logo depois da decolagem, causando queimaduras e uma nova - e mais grave - concussão. Quando finalmente chegou a Uganda para tratamento, encontrou uma série de repórteres, que tinham recebido informes a respeito da morte do famoso aventureiro e escritor.
Natural que todos esses percalços, somados a hábitos pouco saudáveis quanto a bebida e cigarros, tenham deixado a saúde de Hemingway fragilizada. Nos últimos anos, somou-se aos problemas um quadro depressivo, que infelizmente fez com que o renomado autor tirasse a própria vida, aos 61 anos, no porão da casa em que residia em Ketchum, Idaho.
Aparentemente, um componente hereditário influenciou neste destino: pouco antes, Hemingway havia sido diagnosticado com hemocromatose, uma condição que causa acúmulo de ferro nos tecidos e traz, entre suas consequências, quadros severos de depressão. Seu pai, portador da mesma condição clínica, também cometeu suicídio, assim como dois de seus irmãos.
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