Corrigir texto

Se você encontrou algum erro nesta notícia, por favor preencha o formulário abaixo e clique em enviar. Este formulário destina-se somente à comunicação de erros.

Cultura

- Publicada em 14 de Abril de 2021 às 21:15

Um mundo de anjos caídos marca obra deixada por Rubem Fonseca

Falecido há um ano, autor foi fundamental para trazer o modernismo urbano 
à literatura brasileira

Falecido há um ano, autor foi fundamental para trazer o modernismo urbano à literatura brasileira


ZECA FONSECA/DIVULGAÇÃO/JC
Igor Natusch
"Não dá mais para Diadorim." A frase do conto Intestino grosso, presente no livro Feliz ano novo (1975), surge como uma espécie de manifesto, quase quase como uma declaração de princípios literários de Rubem Fonseca. Não era mais tempo de bucolismo, de lavouras e paisagens rurais: as cidades chegaram, com concreto, solidão e chaminés, e nada nos restava senão abraçar essa urbanidade em toda a sua força esmagadora.
"Não dá mais para Diadorim." A frase do conto Intestino grosso, presente no livro Feliz ano novo (1975), surge como uma espécie de manifesto, quase quase como uma declaração de princípios literários de Rubem Fonseca. Não era mais tempo de bucolismo, de lavouras e paisagens rurais: as cidades chegaram, com concreto, solidão e chaminés, e nada nos restava senão abraçar essa urbanidade em toda a sua força esmagadora.
Falecido há exatamente um ano, o autor seguiu esse caminho em passos firmes, sem desvios e sem dourar a pílula - e foi essa caminhada que fez dele um dos nomes máximos na modernização da literatura brasileira.
Nascido em Juiz de Fora (MG), em 11 de maio de 1925, Fonseca trabalhou como comissário de polícia e executivo da Light, empresa de distribuição de energia do Rio de Janeiro, antes de destacar-se na literatura. Surgido em meio a uma safra importante de contistas brasileiros (nomes como Sérgio Sant'Anna, Clarice Lispector, Lygia Fagundes Telles e Dalton Trevisan são mais ou menos da mesma época), Rubem Fonseca destacou-se pela capacidade de ir além dos estereótipos cordiais da nação brasileira. Em suas obras, desfilam policiais corruptos, prostitutas, trambiqueiros, criminosos e desgraçados de todos os tipos - um mundo de anjos caídos, no qual a interação entre classes sociais e esferas de poder se dá somente por meio da violência.
"Rubem Fonseca, talvez como uma segunda onda se pensarmos no Erico Verissimo, estabelece uma voz que dialoga mais com a literatura moderna estadunidense do que com a modernidade francesa", argumenta Guto Leite, poeta, compositor e docente do Instituto de Letras da Ufrgs.
Entre outros efeitos, isso traz um elemento de velocidade ao contar histórias que vira de cabeça para baixo a literatura brasileira - além de, é claro, uma abordagem muito mais crua sobre o cotidiano. Não é à toa que críticas literárias como Flora Süssekind e Leyla Perrone-Moisés associam Fonseca a um legado brutalista em nossa literatura, conectado a obras igualmente incômodas para seu tempo como Os sertões (Euclides da Cunha) e O cortiço (Aluísio de Azevedo).
Embora longe de ser inédita, essa violência rompe com tendências então existentes na literatura brasileira, argumenta Arthur Telló, escritor e professor da Escola de Humanidades da Pucrs. "O João Antônio, por exemplo, escrevia sobre a Boca do Lixo, e mesmo assim demonstrava muita empatia pelos personagens. Rubem Fonseca é muito mais cínico e até sádico em relação aos personagens, seja com os poderosos, seja com os que estão fora da esfera do poder e que recorrem à violência como forma de expressão, como em Feliz ano novo", explica.
Para Telló, a literatura de Fonseca é uma das primeiras, no Brasil, a trabalhar com a ideia da cidade moderna, esse "falso paraíso e local de distopia" que é a metrópole. E o abraço é completo. "Ele faz uso de procedimentos muito inovadores. Introduz em seu texto o corte cinematográfico, uma linguagem própria da reportagem e do jornalismo sensacionalista, além de erotismo, melodrama, experimentalismo. Coisas que pertencem ao universo dos folhetins, e que ele conseguiu inserir no realismo para construir um cenário dos problemas urbanos - não só os concretos, mas também os humanos, como a depressão e a solidão."
Reunidos em livros como Lúcia McCartney (1969) e O cobrador (1979), os contos de Fonseca surgem em meio a igualmente emblemáticas passagens pelo romance, como em O caso Morel (1973), A grande arte (1983) e Agosto (1990). Imensamente influente até hoje, sua literatura - e sua biografia - ainda assim vêm recebendo questionamentos na atualidade. Notoriamente ligado ao Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais (Ipes), que ajudou a fomentar o clima ideológico favorável ao golpe militar de 1964, Rubem Fonseca acabou também sendo alvo de censura por parte da ditadura, que tratava suas histórias como obscenas e vulgares.
"É uma análise que depende de articulação de coisas que são extraliterárias, mas acho que cabe falar do quanto há (nos textos de Fonseca) de supressão da mediação, de uma velocidade que desnorteia a violência, uma postura anti-intelectualidade - traços que hoje percebemos como de extrema-direita, e que impregnam os contos dele", menciona Guto Leite. "Hoje, enxergo o Nelson Rodrigues, por exemplo, como um escritor de direita, e o Rubem Fonseca como de extrema-direita. Isso, para mim, é muito claro."
Problematizações que, ainda que significativas, não apagam a marca deixada pelo autor em grande parte do que se escreve, hoje, em ficção no Brasil. "Esses aspectos de velocidade, de representação desembaraçada, uma literatura de punch, por assim dizer: tudo isso é lição de estilo. O problema, a meu ver, é que isso tudo vem revestido de uma certa concepção de autoritarismo que há na modernidade, uma posição política e de classe. Vejo isso com ressalvas. Mas, em termos de controle de estilo, o Rubem Fonseca é uma lição enorme. É muito, muito influente", acentua Leite.
Conteúdo Publicitário
Leia também
Comentários CORRIGIR TEXTO