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Cultura

- Publicada em 12 de Abril de 2021 às 21:03

Samuel Beckett permanece como legado inquietante na literatura e dramaturgia

Nos 115 anos de seu nascimento, escritor irlandês mantém influência no modernismo e no teatro

Nos 115 anos de seu nascimento, escritor irlandês mantém influência no modernismo e no teatro


FRAN CAFFREY/AFP PHOTO/ARQUIVO/JC
Igor Natusch
Na estrada deserta, uma árvore solitária. Dois homens, sozinhos no cenário desolado, aguardam. Pelo quê? Nunca é possível saber com certeza. Há de chegar um certo Godot, que os dois nunca viram e não sabem quem possa ser: uma pessoa que há de trazer boas novidades e resolver os problemas da dupla, mas que, mesmo estando sempre prestes a aparecer, nunca chega de fato. As conversas de Estragon e Vladimir são sobre nada, as poucas pessoas que passam não trazem nenhuma informação palpável. Ao fim do primeiro ato, surge uma criança com um recado: o senhor Godot não virá hoje, mas com certeza estará presente no dia seguinte. É questão de esperar um pouco mais.
Na estrada deserta, uma árvore solitária. Dois homens, sozinhos no cenário desolado, aguardam. Pelo quê? Nunca é possível saber com certeza. Há de chegar um certo Godot, que os dois nunca viram e não sabem quem possa ser: uma pessoa que há de trazer boas novidades e resolver os problemas da dupla, mas que, mesmo estando sempre prestes a aparecer, nunca chega de fato. As conversas de Estragon e Vladimir são sobre nada, as poucas pessoas que passam não trazem nenhuma informação palpável. Ao fim do primeiro ato, surge uma criança com um recado: o senhor Godot não virá hoje, mas com certeza estará presente no dia seguinte. É questão de esperar um pouco mais.
Não há dúvida de que Esperando Godot, talvez a mais notória obra do dramaturgo e escritor Samuel Beckett, tornou-se um marco desde sua publicação, em 1952. Entendê-la (ou, talvez melhor ainda, perceber-se incapaz de decifrá-la) é ter uma boa ideia a respeito do que fez do irlandês, nascido em 13 de abril de 1906, um ícone do modernismo e um dos pilares do teatro do absurdo, que inquieta audiências há mais de 70 anos.
E a chave talvez seja justamente perceber que pouco ou nada há para ser compreendido. Afinal, trata-se de uma peça sem história ou sentido aparente: todo o universo é uma espera pela resposta que nunca chega, seja no palco ou entre a plateia. Não é assim a arte, não é assim a vida?
Se pudéssemos fazer essa pergunta ao próprio Beckett, é bem possível que ele concordasse, ao menos em parte, com a premissa. Durante um bom tempo, pareceu que sua resposta pessoal estaria na universidade; chegou a mudar-se para Paris com esse propósito, mas acabou desistindo de vez da academia antes dos 30 anos de idade. Foi estudando na capital francesa, porém, que Beckett veio a conhecer o renomado James Joyce, que tornou-se amigo e influenciou fortemente a sua trajetória.
No ano de 1938, a vida de Beckett foi marcada por dois incidentes fundamentais. Foi esfaqueado no peito por um cafetão em uma rua de Paris, em um ataque súbito que por pouco não o levou à morte. Em uma audiência durante a investigação do crime, o escritor perguntou ao seu algoz qual tinha sido a razão da facada; a resposta do acusado foi "eu não sei, meu senhor, peço desculpas".
A quase tragédia, contudo, não foi vazia de significado. Até então uma conhecida distante, Suzanne Dechevaux-Dumesnil reaproximou-se de Beckett após saber do incidente, e os dois iniciaram um relacionamento que duraria durante toda a vida de ambos.
Após colaborar com a Resistência Francesa durante a Segunda Guerra Mundial (uma atuação que lhe rendeu a Cruz de Guerra, mas sobre a qual ele nunca falou abertamente), Samuel Beckett precisou voltar à Irlanda para uma rápida visita, em 1945, para ter a revelação que mudaria sua carreira.
Segundo o próprio, ele estava no quarto de sua mãe quando teve a epifania: se continuasse devoto ao estilo de Joyce, nunca chegaria a lugar algum como escritor. Ao invés de ir na direção do conhecimento mais profundo sobre o ser humano e sobre sua própria obra, Beckett sentiu que deveria fazer o contrário: optar pelo mínimo em detrimento do máximo, empobrecer a própria escrita até que ela se tornasse capaz de falar da ausência, do não saber, do não ser capaz.
Esperando Godot é o mais famoso ato dessa busca pela ausência, mas não o único. A mesma força narrativa sombria, irônica e pessimista surge em obras como Molloy (1951), Malone morre (1951), O inominável (1953) e Fim de partida (1957) - a última, uma peça que reproduz o contexto de dois homens à espera, desta vez em um abrigo precário e quase sem comida. A partir dos anos 1960, o autor inclina-se ao minimalismo, com textos breves e peças de curta duração - uma delas, Breath (1959), foi concebida para uma encenação de cerca de quarenta segundos. Escreveu seu último poema dias antes de morrer, em 22 de dezembro de 1989, em uma casa de repouso: os versos de What is the word ('O que é a palavra', em tradução livre) falam, paradoxalmente, da incapacidade em encontrar modos para falar de si mesmo.
A natureza de suas obras causou discórdia até mesmo entre os responsáveis pelo Nobel de Literatura: descobriu-se recentemente que o autor, laureado em 1969, esteve próximo de receber o prêmio um ano antes, mas foi barrado dentro do comitê como alguém "inadequado" para a honraria, que foi concedida então a Yasunari Kawabata. Seja como for, acabou sendo a Academia Sueca, que concede o Nobel, a fazer uma das melhores definições de Samuel Beckett: um autor cuja literatura encontra, na miséria do homem moderno, a capacidade de ser sublime.
A coleção de significados aparentemente ausentes de Beckett encontra reflexos na história teatral brasileira, em mais de um sentido. Cacilda Becker, um dos nomes máximos do teatro nacional, foi responsável pela primeira montagem profissional de Esperando Godot no País, ao lado de Walmor Chagas - e foi no intervalo entre os dois atos da peça, em um espetáculo de 1969, que ela sofreu o derrame cerebral que a levaria à morte, pouco mais de um mês depois.
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