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Cultura

- Publicada em 30 de Março de 2021 às 19:21

Ressignificar a tradição é mote de Clarissa Ferreira com 'LaVaca'

Violinista e pesquisadora busca financiamento coletivo para álbum com ótica feminista e contemporânea

Violinista e pesquisadora busca financiamento coletivo para álbum com ótica feminista e contemporânea


LUIZA PADILHA/DIVULGAÇÃO/JC
Igor Natusch
Abrir caminho para uma ressignificação inclusiva da identidade cultural gaúcha, a partir da descoberta de um eu-lírico feminista e contemporâneo. Resumos nem sempre são fáceis, muito menos definitivos, mas talvez desse para explicar, com essas poucas palavras, o que a violinista, pesquisadora e compositora Clarissa Ferreira busca com LaVaca, seu primeiro álbum de estúdio e que está, no momento, em uma campanha de financiamento coletivo.
Abrir caminho para uma ressignificação inclusiva da identidade cultural gaúcha, a partir da descoberta de um eu-lírico feminista e contemporâneo. Resumos nem sempre são fáceis, muito menos definitivos, mas talvez desse para explicar, com essas poucas palavras, o que a violinista, pesquisadora e compositora Clarissa Ferreira busca com LaVaca, seu primeiro álbum de estúdio e que está, no momento, em uma campanha de financiamento coletivo.
Seja como for, toda jornada traz muitas nuances: o disco não é apenas um disco, a música não é apenas música, a representatividade não se resume a colocar uma mulher em cima do palco. "Há uma construção mítica sobre a identidade do gaúcho, alicerçada em representações do masculino. Essa coisa do homem campeiro aguerrido, anti-intelectual, semibárbaro, acaba refletindo em uma cultura de violência e tóxica nas relações", comenta Clarissa, em conversa com o Jornal do Comércio. "Sou de Bagé, vivi muito a cultura patriarcal, e isso acaba marcando nossos corpos e nossas memórias. Quis trazer isso para o presente, falar de tradição de uma forma que pudesse ser atualizada."
De fato, o disco não se resume nas dez faixas de áudio que devem fazer parte do trabalho. Culminância de estudos que Clarissa desenvolve há vários anos na área de etnomusicologia, LaVaca contará também com um livro encarte, trazendo o compartilhamento da pesquisa artística para o disco, além de um percurso criativo, letras, cifras e partituras. Tudo isso amarrado por um conceito comum, em torno da natureza e da cultura. A campanha para bancar o projeto está disponível neste link. As contribuições podem ser feitas até o início de junho, e há várias opções de recompensas, dependendo do valor doado.
Clarissa Ferreira surge como artista no coração da música tradicionalista e nativista. O que, quase que por definição, a coloca em posição privilegiada para questioná-la. Os questionamentos foram surgindo na medida em que a artista tentava conciliar sua atuação nos palcos com as reflexões de pesquisadora - várias delas disponíveis online, no blog Gauchismo Líquido. "Fui sendo atravessada pelo tema do gênero, e esses ambientes em que eu tocava eram super masculinos. (De início) eu não problematizava muito essa questão, até porque é doloroso questionar um ambiente com o qual se tem um envolvimento afetivo", recorda.
Uma das perguntas que ela fez a si mesma foi sobre a ausência do eu-lírico feminino na música regional gaúcha. "É claro que há várias compositoras, mas a grande maioria ainda se insere muito nesse estereótipo da mulher gaúcha. Ainda é um tema difícil, o machismo é muito arraigado no meio também entre as mulheres. Minha vivência nesses ambientes foi de que, infelizmente, se você problematizar essa prenda, você não tem direito de estar lá", reforça. "Então, vi isso como um tema de investigação e também como um desafio, porque eu mesma não compunha. Estava acabando o doutorado e ainda tinha insegurança, achava que não tinha condições para compor. Acho que essa foi a grande virada de chave."
Além de sua atuação em oficinas de compositoras e no projeto musical As Tubas, Clarissa tem três singles lançados, disponíveis nas plataformas digitais. O primeiro deles, Manifesto líquido, acabou sendo fundamental nesse processo: "Terminei de escrever e ria, dizendo para mim mesma 'vou deixar isso guardado, está forte'. Mas comecei a mostrar para outras mulheres, e foi criando uma potência. A cada dia descubro um pouco mais sobre o meu processo de composição. É sempre uma grande incógnita, mas que me dá prazer".
Em LaVaca, a voz criativa da artista surge não apenas para ser uma mulher em meio aos homens, mas para fazer o imaginário em torno do pampa encarar a própria realidade. "É contraditório o modo como a gente lida com o pampa, esse bioma tão idealizado, e ver que, na realidade, o próprio tradicionalismo acaba tendo uma ligação com o agronegócio e com modelos exploratórios da natureza. São temas urgentes, e acho que isso me fez querer compor e mostrar logo as músicas, porque não há muito tempo para tentar resolver essas questões", pondera.
Um álbum que, como se vê, não dá para resumir em meia dúzia de palavras. E que naturalmente exigirá a atuação de uma série de produtores, técnicos, musicistas e artistas visuais para sua concretização. Um esforço que chama ainda mais a atenção em tempos nos quais a maioria dos artistas confia nos singles, e não nos álbuns, como forma efetiva de levar sua música adiante. "Sei que as pessoas defendem o lançamento de singles, e até concordo que, dependendo do contexto, não há sentido em um álbum onde cada música fale sobre temas distintos. Mas esse trabalho vai além do musical, é também uma pesquisa, além de ter um lado visual forte. Faz sentido, e é importante, nesse momento da minha trajetória artística, que ele seja apresentado como um todo."
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