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Cultura

- Publicada em 24 de Março de 2021 às 21:18

Escritor peruano Mario Vargas Llosa completa 85 anos no domingo

Escritor traz em sua trajetória as disputas e mudanças da América Latina

Escritor traz em sua trajetória as disputas e mudanças da América Latina


JAVIER SORIANO/AFP/ARQUIVO/JC
Igor Natusch
Se há algo que ninguém poderá dizer contra Mario Vargas Llosa, que completa 85 anos de vida no próximo domingo, é que ele seja uma pessoa que teme mudanças. Em especial no decorrer dos anos 1970, o genial escritor peruano, Nobel de Literatura em 2010, promoveu importantes mudanças em sua vida: alterou o tom de seus livros, incorporando o humor que renderia algumas de suas obras mais célebres, e também a sua visão política, abandonando o pensamento socialista em nome de um ideário cada vez mais liberal. Mudanças de caminho que trouxeram alguns rompimentos - incluindo um incidente lendário, simbólico e nunca esclarecido, envolvendo o igualmente gigante Gabriel García Márquez.
Se há algo que ninguém poderá dizer contra Mario Vargas Llosa, que completa 85 anos de vida no próximo domingo, é que ele seja uma pessoa que teme mudanças. Em especial no decorrer dos anos 1970, o genial escritor peruano, Nobel de Literatura em 2010, promoveu importantes mudanças em sua vida: alterou o tom de seus livros, incorporando o humor que renderia algumas de suas obras mais célebres, e também a sua visão política, abandonando o pensamento socialista em nome de um ideário cada vez mais liberal. Mudanças de caminho que trouxeram alguns rompimentos - incluindo um incidente lendário, simbólico e nunca esclarecido, envolvendo o igualmente gigante Gabriel García Márquez.
A amizade entre os dois autores era notória nos círculos literários da América Latina. Vargas Llosa chegou a escrever sua tese de doutorado na Universidade de Madri, na Espanha, sobre o colega; García Márquez: história de um deicídio chegou a ter trechos utilizados como introdução em algumas reedições do escritor colombiano. A admiração mútua, porém, foi azedando na medida em que a distância política foi crescendo - processo acelerado a partir da dura cobrança de Llosa ao regime cubano, quando da prisão do poeta Heberto Padilla em 1971.
Considerando a estatura dos dois ícones literários, o rompimento definitivo só poderia vir em um incidente espetacular e intensamente emocional. Logo antes de uma sessão de cinema no Palácio de Belas Artes da Cidade do México, os dois se encontraram - e Llosa, descontrolado, desferiu um soco na cara de Márquez, deixando-o com um olho roxo e o nariz inchado. Até onde se sabe, foi a última vez que os dois se encontraram pessoalmente.
As grandes histórias da literatura latino-americana costumam carregar sua dose de mistério - tanto na ficção quanto no mundo real. Os motivos do pugilato nunca foram devidamente esclarecidos: Garcia Márquez morreu em 2014 sem tocar no assunto, e não há nenhum sinal de que Llosa pretenda falar a respeito em algum momento. Fala-se que pode haver uma questão amorosa envolvida, e que ambos acordaram entre si manter o silêncio sobre o caso, em respeito à obra de um e outro. Quando da morte do ex-amigo, Vargas Llosa fez uma declaração elogiosa, mas curta, sem dar qualquer margem para que o tema proibido viesse à baila.
Seja como for, o gesto delimita um antes e um depois na trajetória de Llosa. De certa forma, o rompimento com o pensamento à esquerda comum entre a elite literária da América Latina cristalizou-se a partir do olho roxo que causou em García Márquez. No decorrer dos anos 1980, o peruano engajou-se na política institucional, chegando a concorrer à presidência do Peru em 1990, por uma coalizão de centro-direita chamada Frente Democrático. Seus debates públicos com o amigo uruguaio Mario Benedetti em torno do sandinismo na Nicarágua também se tornaram célebres.
Com a literatura, de qualquer modo, Mario Vargas Llosa nunca rompeu. Ou talvez tenha rompido, sim, inclusive com a sua própria: a história das prostitutas contratadas para visitar tropas do Exército em Pantaleão e as visitadoras (1973), por exemplo, não deixa de ser uma quase paródia de A casa verde (1966), no qual o próprio escritor trata de temas semelhantes em uma ótica muito mais séria. Capaz de escrever romances históricos com a mesma habilidade que recria vivências pessoais, criou obras admiráveis pela complexidade formal e estrutural, como Conversa no Catedral (1969) e A guerra do fim do mundo (1981), ao mesmo tempo que trouxe ao mundo obras fluidas e quase autobiográficas como Tia Julia e o escrevinhador (1977) e Travessuras da menina má (2006). Para muitos, é o mais importante escritor latino-americano do século passado - uma afirmação ousada, sem dúvida, mas que está longe de não ter razão de ser.
Ligado ao Peru e à América Latina por uma paixão que vai além das palavras, Llosa vive há décadas na Espanha, país que virou sua segunda nacionalidade. Ao receber o Nobel de Literatura, falou de seu amor pelos dois universos, além de questionar a si mesmo sobre o que é, no fim das contas, ser um escritor em um continente de tão poucos leitores e tanto analfabetismo, tanta injustiça e pobreza. "Mas é graças à literatura, à consciência que ela forma, ao nosso desencanto com a realidade quando regressamos da jornada a uma bela fantasia, que a civilização é hoje menos cruel do que quando contadores de história começaram a humanizar a vida com suas fábulas. Assim como escrever, ler é um protesto contra as insuficiências da vida". Uma mensagem que certamente une todos e todas que já mudaram caminhos graças à literatura - seja com socos na cara ou não.
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