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audiovisual

- Publicada em 14 de Março de 2021 às 20:13

Alabê Ôni apresenta websérie para ir além da dimensão musical dos tambores

Projeto de 10 anos do conjunto disponibiliza episódios de 'Alabem brasileiro' no YouTube

Projeto de 10 anos do conjunto disponibiliza episódios de 'Alabem brasileiro' no YouTube


ISADORA PISONI/DIVULGAÇÃO/JC
Financiado pela Lei Aldir Blanc via Sedac/RS, o projeto TamboReS - 10 anos de Alabê Ôni lança semanalmente em seu canal de YouTube os episódios da websérie Alabem brasileiro. Os seis primeiros vídeos apresentam o grupo em sua excursão pelo País nos anos 2013 e 2014, dentro do projeto Sonora Brasil do Sesc/RJ.
Financiado pela Lei Aldir Blanc via Sedac/RS, o projeto TamboReS - 10 anos de Alabê Ôni lança semanalmente em seu canal de YouTube os episódios da websérie Alabem brasileiro. Os seis primeiros vídeos apresentam o grupo em sua excursão pelo País nos anos 2013 e 2014, dentro do projeto Sonora Brasil do Sesc/RJ.
O material foi editado por Gustavo Turck (Coletivo Catarse), explorando trocas com grupos da cultura popular brasileira, conversas com Mestres e Mestras Griôs, tanto do universo afro quanto do indígena, com opiniões dos membros do grupo e do músico Kako Xavier. Atualmente, os integrantes do conjunto percussivo são Richard Serraria, Mimmo Ferreira, Pingo Borel e Tuti Rodrigues.  
"Alabem brasileiro sintetiza a ideia de uma viagem feita pelo grupo passando por 114 cidades de todos os estados do País. O grupo registrou em áudio e vídeo o encontro com mestres e mestras da cultura brasileira", afirma Serraria. O músico e escritor considera importante e fundamental o papel do Sesc em todo o País, efetivamente levando cultura por toda parte.
Sobre o título do documentário, Mimmo Ferreira explica que a brincadeira da fusão de duas palavras - 'Alabê' com 'bem' - se justifica na sensação posterior a assistir as imagens: "Depois de dois anos já na estrada, encontrando com vários grupos de manifestações populares, conversando com agentes culturais, foi quando nos sentimos verdadeiramente brasileiros - brasileiros unificados pelos sons dos tambores".
Depois de dois anos da turnê, já em Porto Alegre, o quarteto criou um espetáculo chamado Alabem brasileiro, incluindo cantos e toques desses grupos com os quais conviveram, "para homenageá-los e reativar essa irmandade através dos tambores". "Para cada vez que tocássemos no palco, sentíssemos esse elo ser novamente ativado e também passar isso para as pessoas", detalha Mimmo.
A centralidade conceitual da proposta, assim como do grupo Alabê Ôni - o protagonismo dos tambores do RS -, já aparece materializada na animação da vinheta de abertura dos vídeos na internet, conforme Serraria: "Aqueles tambores pertencem a territórios negros espalhados pelo RS com suas respectivas musicalidades quilombolas: sopapo das charqueadas pelotenses, candombe transfronteiriço, congadas gaúchas e Batuque de Nação Oyó Idjexá".
A vinheta e desenhos foram feitos por Rafael Sarmento (Prana Design e Cultura), com as ilustrações tendo como base fotografias de instrumentos reais usados pelos Alabês. Abrir o projeto com a animação busca reforçar a ideia de que os tambores falam. As cores escolhidas também traçam uma menção conceitual à trajetória do grupo, tendo o verde como tom principal do Alabê e o celeste fazendo menção à relação com o Uruguai.
O nome do projeto, TamboReS, faz referência ao Estado, mas, com a websérie, eles evidenciam diversos sons percussivos de vários cantos brasileiros. "Impossível retratar todos. A nossa mostra é parcial e limitada, restringindo-se a locais que tivemos acesso por intermédio do Projeto Sonora Brasil, aliada a contatos que já tínhamos com alguns artistas e agentes culturais de determinadas localidades", comenta Serraria.
Guiada por uma abordagem histórica, a série audiovisual destaca um estranhamento na recepção das apresentações desse grupo de gaúchos com influência sonora afro-brasileira: "Ué, então há negros no Rio Grande do Sul?". "Isso foi fato recorrente em todo País, assim como em algumas das nove cidades do Estado por onde fizemos a parte local da gira Sonora Brasil. A construção do folclore oficialesco gaúcho baseado numa ideia de valorização de tradições eurocêntricas em detrimento da presença negra e indígena é um fato infelizmente ainda atual nas relações culturais hoje, chamando atenção para uma das dimensões concretas do racismo estrutural. Com reforço da mídia e apoio do Estado, desde a metade do século XX, vem se reafirmando essa percepção falaciosa de que aqui é a Europa do Brasil e portanto não há presença negra relevante quantitativa e culturalmente. O sopapo, junto aos outros tambores negros do RS, é a afirmação tácita da presença negra na construção econômica deste Estado. Nisso, o Alabê Ôni, junto a outros atores sociais como Ponto de Cultura Quilombo do Sopapo e Sarau Sopapo Poético, mobiliza ética e estética ao pensar o sopapo como um artefato político que vai além da dimensão musical", conta Serraria.
Ele completa: “É inegável e indiscutível que a mão de obra escravizada construiu este País com a força do seu trabalho. Urge o reconhecimento da participação real indígena e negra na dimensão econômica e cultural brasileira através da herança dos povos originários assim como dos que vieram da África. Esse processo histórico não se restringiu ao RS e Brasil, sendo que na Bacia do Prata, durante o período colonial, a presença negra nas ‘saladerias’ (nome que recebiam os estabelecimentos em que ocorria o abate do gado com o salgamento para sua conservação num período pré energia elétrica) também é um dado concreto, reafirmando a presença negra na construção das Américas”.
Segundo o percussionista Mimmo Ferreira, a religiosidade será mais explorada nos capítulos 4 e 5 da série, mostrando visitas a grupos quilombolas - Ensaio de Promessa de Quicumbi da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e Terno de Reis - de Mostardas e Tavares (RS), às Pastoras de Floriano (PI), a uma ialorixá no Acre, ao terreiro de Umbanda de Seu Faustino em Dourados (MS) e à Casa das Minas, em São Luís (MA). "Mesmo a religiosidade não aparecendo diretamente em todos os episódios, a espiritualidade é intrínseca a essa websérie."

'Prá Aganjú nascer tambor', de Richard Serraria

Mimmo Ferreira, Richard Serraria, Pingo Borel e Tuti Rodrigues formam o conjunto percussivo

Mimmo Ferreira, Richard Serraria, Pingo Borel e Tuti Rodrigues formam o conjunto percussivo


ISADORA PISONI/DIVULGAÇÃO/JC
"Mar adentro segue o barco
que é um mar de gente
Rumo a outro continente vamuarriba mar em frente
Mar abaixo segue o corpo grávido mais um homem continente
(...)
Foi o filho primeiro que desceu do mar
e chegando em Morro Alto foi logo pedindo fogo pra árvore ser Shangô,
... pedindo fogo pra Aganjú nascer tambor.
Terra abaixo sete palmos já virou semente
Serra do Mar adentro
Terra de Areia mar de invento
noite de vento
ventre repente
outros Nascimentos.
Murro em ponta de estaca,
sopapo novo continente
Todo muque mar em frente
Praia de Fora cerca de arame
vem dentro da gente
pedindo fogo
pra Aganjú nascer tambor."
(Versos do poema de Richard Serraria feito para o documentário durante a viagem de 2013 e 2014. Alguns trechos foram recitados no terceiro episódio da série Alabem brasileiro, explorando a origem do nome do tambor marabaixo)