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Cultura

- Publicada em 23 de Fevereiro de 2021 às 18:15

Luiz Maurício Azevedo luta por uma crítica literária que dê conta da escrita negra

No livro 'Estética e raça', autor, pesquisador e editor apresenta complexidade da vivência negra

No livro 'Estética e raça', autor, pesquisador e editor apresenta complexidade da vivência negra


FERNANDA BASTOS/DIVULGAÇÃO/JC
Igor Natusch
Para Luiz Maurício Azevedo, a construção de uma crítica literária voltada à produção de negros e negras é algo que se faz com sangue nos olhos. Em seu nono livro, Estética e raça: ensaios sobre a literatura negra (Sulina, 138 pág, R$ 34,90), o escritor e doutor em Teoria e História Literária afirma, a partir de uma visão materialista, a necessidade de dar conta da complexidade da vivência negra e do modo como ela surge na literatura brasileira. Tudo isso a partir de uma análise estética honesta dessas obras passadas e futuras - sem preconceitos, mas também sem condescendência.
Para Luiz Maurício Azevedo, a construção de uma crítica literária voltada à produção de negros e negras é algo que se faz com sangue nos olhos. Em seu nono livro, Estética e raça: ensaios sobre a literatura negra (Sulina, 138 pág, R$ 34,90), o escritor e doutor em Teoria e História Literária afirma, a partir de uma visão materialista, a necessidade de dar conta da complexidade da vivência negra e do modo como ela surge na literatura brasileira. Tudo isso a partir de uma análise estética honesta dessas obras passadas e futuras - sem preconceitos, mas também sem condescendência.
"Recebo mensagens de pessoas dizendo 'seu livro é ótimo, parabéns'. Aí pergunto se a pessoa comprou o livro, e ela responde 'não comprei e nem li ainda, mas seu trabalho é maravilhoso, você merece'. É uma tentativa de pagar uma dívida moral com elogios. Muito obrigado, mas não preciso disso", afirma, em entrevista ao Jornal do Comércio.
É desta forma, sem pedir favores e sem concedê-los, que o autor chama a academia e a crítica literária à discussão. "A gente viu um aumento significativo de pesquisas sobre a literatura negra, mas não se verificou um aumento correspondente de docentes negros. Quem está analisando, em geral, são pesquisadores brancos e que têm um compromisso com o que está gerando esse apagamento", diz ele. "E ficar fazendo celebração de autores, em um acerto de contas meio torto e tangencial com a questão racial, é um erro enorme da academia. A gente vai ter que construir um espaço de crítica literária negra, porque não dá para achar que todo escritor negro é bom. Minha luta é mostrar que há uma série de barreiras que são, sim, racistas, e por isso não conhecemos os autores negros - o que é diferente de dizer que tem que abrir a porteira, que não existe bom ou ruim."
Um dos exemplos de como essas barreiras se erguem, segundo Azevedo, está no processo de ridicularização que teria sido aplicado a Carolina de Jesus, que escreveu o clássico Quarto de despejo (1960) enquanto sobrevivia como catadora de papel. "Por que a Carolina é vista como uma escritora que não respeitava a norma culta? Que tipo de imbecil vai dar uma aula sobre Ulisses e dizer 'agora vamos ver Joyce, um escritor que não respeitava o inglês culto'? Ninguém vai fazer isso. A gente faz isso com a Carolina porque precisa explicar como uma mulher negra, que vivia no meio do lixo, conseguiu produzir uma obra de qualidade estética surpreendente", acentua. "O problema não é (a pessoa negra) escrever um livro, nem mesmo que o livro venda bem: a barreira é que ela escreva um livro literariamente bom, e isso não se pode aceitar."
Em relação a Machado de Assis, amplamente celebrado como um dos nomes máximos de nossa literatura, a lógica é outra. "O Machado é tão bom que a sua literatura é absolutamente inatacável", diz o pesquisador de pós-doutorado da USP. "Então, foi preciso transformá-lo em algo que se pudesse aceitar: um grande escritor branco. E o próprio Machado participou dessa palhaçada que foi o embranquecimento dele. Não estou colocando Machado em um tribunal, sei que as condições de sua época importaram. Mas é fato que ele não era um líder da causa negra, e isso propiciou que ele ocupasse um espaço de destaque na literatura brasileira."
Se o passado parece ter se esforçado para negar à literatura negra um espaço de destaque, a atualidade parece apontar em uma direção diferente. Ao menos quando se olha para os números: quase metade das obras mais vendidas do Brasil no último ano são de escritoras e escritores negros, e autores como Djamila Ribeiro, Jeferson Tenório e Itamar Vieira Junior estão no centro dos debates literários (e mesmo intelectuais) em nosso País. Embora reconhecendo os aspectos positivos dessa mudança, o autor de Estética e raça, que também é editor-executivo da Figura de Linguagem, não se furta a colocar nuances na discussão.
"Os livros teóricos da Djamila Ribeiro, como introdução, são realmente muito bons. Mas o que se verifica é que as pessoas estão viciadas no que eu chamo 'espetáculo da tomada de consciência'. De repente, todo mundo se viciou naquele momento em que se diz 'sim, eu sou machista, eu sou homofóbico, eu sou racista e estou em desconstrução'", aponta Azevedo. "As pessoas compram o livro em uma megastore, tiram uma foto para colocar no Instagram e isso vira uma bandeira: 'você não pode me chamar de racista, estou lendo a fulana de tal.' E o livro fica jogado na estante. Não porque são racistas e se recusam a ler negros, mas porque o brasileiro, na verdade, não lê coisa nenhuma."
Nesse sentido, se é fundamental que haja espaço para que pessoas negras que escrevem possam surgir (e, de preferência, produzir literatura de qualidade), não haverá também a necessidade de criar leitores e leitoras negras, em um país que lê tão pouco? "É verdade, a gente não tem leitores negros. E isso porque eles vêm sendo convencidos sistematicamente de que ler não é para eles, ou de que precisam ler coisas que os levem insistentemente a falar do trauma", pondera Azevedo. "Claro que falar de racismo é bom e importante, mas é preciso dar o salto e enfrentar os mecanismos que geram a violência e, a partir dela, o trauma. Não quero jogar ninguém na fogueira do cancelamento, mas sim que as pessoas do meu círculo de convivência entendam que, se existe racismo estrutural, existem também as pessoas que, hoje, estão sistematicamente compactuando com essas estruturas."
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