Construir uma rede de imagens e interpretações, composta por múltiplos olhares e diferentes formas de apresentação em meio à natureza, explorando os limites do corpo. Foi com este propósito que os artistas gaúchos Fabiano Menna e Jairo Klein criaram a performance Poesia do Fio ou Rebanho Poético, em meio à pandemia de Covid-19.
Isolada em um sítio localizado no município de Extrema, em Minas Gerais, a dupla reflete a relação da arte com a natureza, inspirada nas incertezas da vida contemporânea, sob a consultoria do doutor em Semiótica e Linguística Geral, Clécio Torres.
"Estamos pulsando para fazer algo, e ter a natureza à nossa volta e a presença de um ator com o porte do Jairo Klein nos levou a explorar o corpo em movimento em sintonia com tudo onde é possível ver poesia: uma árvore, uma flor, um pássaro", descreve o diretor de arte, Fabiano Menna. "Pensamos nestes elementos todos para criar algo livre e espontâneo, sem preocupação com a crítica."
Contracenando com a natureza, Klein vem desenvolvendo uma série de performances aliadas à paisagem bucólica, que conta com estradas de terra e montanhas, localizada há uma hora e meia de São Paulo. "Neste momento de pandemia, a questão do isolamento nos chamou a apurar o olhar para nosso entorno repleto de bichos, água, e campos com vista para o horizonte", justifica Menna. Trabalhar as possibilidades do corpo e da mente em um lugar aberto (no quintal da casa do diretor de arte) tem sido um processo de meditação sobre a solitude, apontam os artistas.
"Pretendemos unir diversas imagens e criar um documentário", adianta Klein. Reconhecido principalmente por sua pesquisa de 30 anos sobre a obra de Fernando Pessoa, o ator, radicado em Porto Alegre, trabalha com diversos diretores da cena gaúcha, além de interpretar o poeta português no Brasil e exterior. Valendo-se de um dos seus personagens, o guardador de rebanhos Alberto Caeiro (heterônimo de Fernando Pessoa), Klein superou o medo para contracenar com um grupo de vacas, que costumam pastar no entorno do sítio onde está hospedado há algumas semanas.
"Foi muito emocionante, senti uma energia tão forte que o medo (de ser atacado por assustar uma delas) foi passando, e quando percebi o rebanho veio atrás de mim, como se eu fosse mesmo um guardador da alma e do alimento deles - tudo foi surgindo de forma espontânea."
A dupla de artistas também investiu em cenas com fogo, cachoeiras e pedras. "Eu e Jairo já nos conhecemos há 30 anos, e a interpretação dele sempre me inspirou, por ser visceral", comenta Menna. Radicado em São Paulo há 20 anos, o diretor de arte também é figurinista e ator, e realizou diversos desfiles performáticos em Porto Alegre, nos anos 1990, com destaque para A Credencial Pro Sexo, um colar feito com plástico e preservativos, onde a ordem era - em caso de urgência - romper a embalagem e "usar a camisinha".
Segundo ele, o trabalho atual é resultado de uma pesquisa artística de imersão, inspirada em Land Art, Marina Abramovic, Walter de Maria, Bispo do Rosário e a relação da arte com a natureza, explorando os limites do corpo e as possibilidades da mente (o artista presente).
"As ações surgem com a movimentação do corpo do artista, com a música e com o espaço, ocupando a cena", explica. "Este lugar escolhido é parte das ações, incorporações, diálogos e atravessamentos com a paisagem. A relação da arte com a natureza, tendo a própria natureza como fundamento."
Com uma câmera de celular e a abertura para uma associação de surpresas, o diretor de arte afirma que está muito satisfeito com os resultados. "A natureza vai se mostrando de acordo com o que a gente está fazendo - aparecem pássaros, vacas, tudo pode acontecer, até uma chuva pode chegar de repente. Estamos aproveitando para criar em meio à camada atmosférica que nos envolve, e estamos tendo um lindo retorno."
"A ideia é mostrar para as pessoas que, apesar do atual contexto, podemos viver com positividade, alegria, mas sempre com espaço para a reflexão", reforça Klein. "Queremos que as pessoas reflitam e possam tirar pelo menos uma única palavra disso tudo. É um trabalho bem espiritual, feito através de um processo bastante intuitivo, sem nada ensaiado. Tem momentos que parecem que estamos em um conto bíblico."