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Cultura

- Publicada em 16 de Dezembro de 2020 às 21:35

Falecido há 30 anos, Rubem Braga deixou sua marca na literatura brasileira

Escritor emprestou à literatura um olhar objetivo e sensível do cotidiano

Escritor emprestou à literatura um olhar objetivo e sensível do cotidiano


CÉLIO JR/ESTADÃO CONTEÚDO/AE/JC
Igor Natusch
Calcula-se que, no decorrer de mais de seis décadas de jornalismo, Rubem Braga tenha escrito algo em torno de 15 mil crônicas. Pouca gente terá produzido tantos textos sobre o cotidiano, sobre a vida que se escondia detrás das manchetes dos jornais ou que, outras tantas vezes, passava completamente ao largo delas. Mas a verdade é que Braga - falecido há 30 anos, mais precisamente no dia 19 de dezembro de 1990 - destacou-se menos pelo volume de trabalho do que pela imensa qualidade do que produzia: não é a toa que há quem considere a crônica brasileira quase um estilo à parte, e não há quem não coloque o autor entre os nomes máximos desse formato no País.
Calcula-se que, no decorrer de mais de seis décadas de jornalismo, Rubem Braga tenha escrito algo em torno de 15 mil crônicas. Pouca gente terá produzido tantos textos sobre o cotidiano, sobre a vida que se escondia detrás das manchetes dos jornais ou que, outras tantas vezes, passava completamente ao largo delas. Mas a verdade é que Braga - falecido há 30 anos, mais precisamente no dia 19 de dezembro de 1990 - destacou-se menos pelo volume de trabalho do que pela imensa qualidade do que produzia: não é a toa que há quem considere a crônica brasileira quase um estilo à parte, e não há quem não coloque o autor entre os nomes máximos desse formato no País.
Nascido em 12 de janeiro de 1913, na mesma Cachoeiro do Itapemirim (ES) que deu ao Brasil os cantores Roberto Carlos e Sérgio Sampaio, o jovem Rubem Braga nunca se inclinou muito para a música: chegou a formar-se em Direito, mas nunca exerceu a profissão, vivendo uma relação intensa com o jornalismo desde a adolescência. Com 15 anos, já fazia reportagens para o jornal Correio do Sul, fundado pelos seus irmãos Jerônimo e Armando. Dois anos depois, aventurou-se nas primeiras crônicas, que logo se tornaram diárias - um ritmo de escrita que manteve inalterado durante praticamente toda a vida.
Nas décadas seguintes, passou por vários estados brasileiros. Dá para dizer que o Rio de Janeiro foi sua base principal, mas o homem sempre esteve disposto (ou viu-se forçado) a rumar para novas paragens - incluindo Porto Alegre, por onde teve uma estadia curta (pouco mais de quatro meses, de julho a outubro de 1939), mas sem dúvida bastante intensa. Uma passagem, aliás, que mistura duas características notórias do personagem Rubem Braga: o forte posicionamento político e a queda por mulheres comprometidas.
Conta-se que o cronista, então com menos de 30 anos, veio para Porto Alegre "dar um tempo" do Rio de Janeiro, onde a perseguição do Estado Novo aos opositores na imprensa ficava cada vez mais pesada. Outras línguas, mais ferinas, falavam do pouco secreto caso amoroso com Bluma Wainer, esposa do jornalista e empresário Samuel Wainer - uma história que, digamos, fechava algumas portas no jornalismo da então capital da República. Mal desembarcou em Porto Alegre, Rubem Braga recebeu voz de prisão; só livrou-se da polícia política do temido Filinto Müller por interferência de Breno Caldas, que acabou contratando o jornalista.
A prisão foi por motivos políticos, é certo - mas isso de modo algum enfraquece a outra acusação que sobre ele pairava. Foi casado com a teatróloga e colunista Zora Seljan, com quem teve o único filho, Roberto - mas tornou-se famoso nas rodas do Rio de Janeiro pelas várias amantes. Uma das mais notórias foi a atriz Tônia Carrero: o escritor teria ficado tão apaixonado que, em uma ocasião, ameaçou jogar-se ao mar caso ela não cedesse aos seus galanteios.
A biografia Rubem Braga - um cigano fazendeiro do ar, de Marco Antônio de Carvalho, traz uma história emblemática, contada pela própria Tônia. Já nos anos 1960, Rubem mostrou à atriz uma crônica, dizendo que tinha sido escrita para ela. Tônia duvidou, é claro, e disse: "você adora mulher de amigo!" A resposta de Rubem Braga teria sido imediata: "E vou lá me encantar com mulher de inimigo? Nem posso ver!"
Uma característica curiosa, considerando que falamos de um homem que ficou conhecido por ser um tremendo taciturno. Falava pouco e mantinha a cara fechada quase como uma assinatura, sem qualquer menção de parecer simpático. Sabe-se lá como conseguiu manter-se por três anos como cônsul no Marrocos, entre 1960 e 1963 - sorrindo às autoridades do país africano é que não foi.
A verdade, de qualquer modo, é que nunca precisou ser expansivo no dia a dia: seu domínio da palavra era suficiente para abrir todas as portas. Talvez o escritor Manuel Bandeira tenha sido quem melhor resumiu o Rubem Braga cronista: escrevia magistralmente bem sobre qualquer assunto, mas, quando não tinha nenhum assunto para escrever, era melhor ainda. Compilados em obras como 100 crônicas escolhidas (1958), Ai de ti, Copacabana (1960) e A traição dos elegantes (1967), seus textos equilibram a objetividade e o subjetivo, a ironia e o contemplativo, observando o mundo e as pessoas com um olhar crítico aos governantes de todos os tipos, mas profundamente generoso com as pessoas que vêm e vão pelas ruas de todos os dias.
Nas últimas três décadas de vida, morou em um apartamento em Ipanema, no Rio, no qual criou um "quintal aéreo" com plantas, tanque de peixes e presença ampla de passarinhos. Foi lá que faleceu em 1990, vitimado por um câncer na laringe. Após decidir-se por não tratar a doença, foi a São Paulo e contratou a própria cremação, recebendo discretamente amigos nas semanas seguintes em uma forma de despedida. Não escreveu um livro de memórias: segundo ele, a literatura memorialística era muito chata, e já tinha falado de si mesmo mais do que o suficiente em milhares de crônicas que, passageiras como uma página de jornal, ainda assim conservam um sabor de eternidade.
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