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Cultura

- Publicada em 11 de Dezembro de 2020 às 21:05

Valéria Barcellos completa 41 anos e planeja disco e rumos ambiciosos para 2021

Em entrevista, cantora fala sobre recuperação do câncer e processos artísticos de renovação

Em entrevista, cantora fala sobre recuperação do câncer e processos artísticos de renovação


Douglas Barcelos/Divulgação/JC
Roberta Requia
Para quem tem medo da morte, a doença e a dor são um presságio do pior. Para Valéria Barcellos, a morte pode até ter passado por perto, com o câncer que enfrentou em 2019. Mas a vontade de permanecer produzindo e vivendo intensamente o universo artístico, negro e transexual no qual está inserida, foi muito maior do que a doença: "Câncer não é morrer. É só mais uma maneira de morrer. Tenho preguiça de morrer, não quero saber de morte. Tenho muita coisa para fazer ainda".
Para quem tem medo da morte, a doença e a dor são um presságio do pior. Para Valéria Barcellos, a morte pode até ter passado por perto, com o câncer que enfrentou em 2019. Mas a vontade de permanecer produzindo e vivendo intensamente o universo artístico, negro e transexual no qual está inserida, foi muito maior do que a doença: "Câncer não é morrer. É só mais uma maneira de morrer. Tenho preguiça de morrer, não quero saber de morte. Tenho muita coisa para fazer ainda".
Ela, que completa 41 anos nesta quinta-feira (17), ainda afirma: "Eu tô no bônus. A expectativa de vida de uma mulher trans é de 35, estou com um bônus de 6 anos." Entre os novos planos, o disco novo, duas peças de teatro e a ambição de produzir uma Bienal de Arte Trans em Porto Alegre. "Tenho muita coisa pra fazer ainda. Ganhar um Grammy, fazer uma novela, ter uma coluna num jornal de grande circulação, meu programa de TV. Tenho que beijar o Príncipe Harry! E tenho prioridade na fila porque tenho câncer", brinca Valéria durante entrevista para o Jornal do Comércio.
No momento, a cantora está em situação de remissão do câncer (quando as células cancerígenas não são mais detectadas, diferente da cura). Ela relata que o estágio da remissão é difícil por não saber o que está acontecendo com seu corpo, ao contrário do que acontecia durante o período em que fazia quimioterapia: "Semana passada encontramos um nódulo novo no pulmão, que está super no início e é tratável. Tem sim a possibilidade do retorno do câncer, mas estou bem esperançosa e confiante, como nunca deixei de estar. Sempre foquei na cura, e nunca na doença".
E foi durante o tratamento que novos projetos foram nascendo na vida da cantora. Valéria não parou a carreira. "Nunca houve uma retomada porque nunca houve uma parada", confessa. Foi necessária uma adaptação. Os shows, que às vezes chegavam a três na mesma noite, passaram a ser um só. As apresentações, quase diárias, que precisaram ser intercaladas. Mas o processo artístico na carreira musical continuou crescendo, e em outros âmbitos, nascendo: "Eu não conseguiria fazer diferente. Tive que parar em alguns momentos, teve dias em que não conseguia levantar da cama. Mas se tivesse parado de uma maneira muito drástica, teria ficado doente. Eu sucumbiria se não tivesse pelo menos tentado", explica a artista.
A diminuição no ritmo e na correria do dia a dia deu espaço para mais ideias e pensamentos, projetos que estavam guardados por falta de iniciativa. "O processo todo da quimioterapia foi completamente imerso em arte. Fotografei e filmei todo minuto, tenho tudo registrado. Meu cabelo que caiu, uma exposição fotográfica pronta, um show e um musical", revela Valéria sobre Cabeças Carecas, peça que surgiu a partir de relatos de outras mulheres na sala da quimioterapia.
Também foram das experiências trocadas no tratamento que surgiu uma página no Facebook chamada Transradioativa, que deu origem ao livro do mesmo nome (Editora Arole Cultural, disponível para compra no site da editora por R$ 39,50). "Eu falei que ia ficar tão radioativa que ia ser uma transradioativa", explica Valéria aos risos. Também foi durante o tratamento contra o câncer que a carreira com o audiovisual surgiu.
Segundo Valéria, o envolvimento veio da vontade de falar: "Percebi que o visual, aliado com a voz, que é o que eu tenho de mais valor, iria dar certo. Foi então que resolvi investir um pouco mais. A gente percebeu que tinha uma relação incrível com aquilo que às vezes a gente não consegue explicar com verbos e palavras", explica.
A cantora foi premiada pela videoarte Rituais virtuais (disponível no YouTube) no Festival Cinema Negro em Ação, promovido pela Sedac/RS em novembro, e pelo Itaú Cultural. Para ela, a premiação gaúcha, criada e julgada por pessoas negras, foi a mais importante. "Primeiramente porque está tratando das nossas narrativas feitas, faladas, dirigidas, escritas e julgadas por nós. Isso nunca aconteceu, é maravilhoso e necessário. Algo que contempla pessoas como eu e feito por pessoas como eu. Quando fico pensando nisso me dá uma felicidade infinita. É o melhor prêmio que esse vídeo poderia ganhar. Porque tá ali visto por pessoas como eu, feito para pessoas como eu. Não existe felicidade maior quando meu trabalho atinge esse público", desabafa a cantora.
Para 2021, Valéria planeja o lançamento do novo álbum, o disco de sambas chamado Saravau, com produção de FIlipe Catto e participação de Zélia Duncan em uma das canções. Além disso, também planeja "colocar na rua" uma exposição fotográfica, duas peças de teatro e a realização da primeira Bienal de Artes Trans em Porto Alegre.
Segundo ela mesma, projetos ambiciosos: "Quando me declarei multiartista percebi a necessidade de usar todos os cernes pra dizer alguma coisa, porque só um não tá dando certo. Sempre vou querer falar sobre negritude, sobre transexualidade. Gostaria muito de um dia falar sobre outras coisas. Mas não dá, não posso me dar esse luxo ainda. Porque sou uma voz a ser ouvida, literalmente".
Prestes a completar seus 41 anos, contrariando as expectativas de vida de uma mulher trans no Brasil, Valéria Barcellos permanece criando, inovando e até mesmo se renovando, como relata durante a entrevista. Muito mais do que uma história de superação, sua história é de criação e de inspiração artística no País em que mais mata transexuais no mundo. "Quando pensava na morte, comecei a pensar em todas as coisas que não fiz. Tive uma conversa muito séria com ela e falei: 'Dona Morte, eu vou ir com a senhora um dia, sem problema. Mas agora não. Olha só que pessoa maravilhosa que tu vai levar um dia, que fez tanta coisa na vida. Então pensa nisso com carinho'. Ela deve estar pensando nisso até agora."
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