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literatura

- Publicada em 30 de Novembro de 2020 às 21:20

Cotidiano, ironia e passagem do tempo na poesia de Pedro Gonzaga

Escritor lança seu novo livro, 'o nome da parte que não dorme', com live nesta terça-feira (1)

Escritor lança seu novo livro, 'o nome da parte que não dorme', com live nesta terça-feira (1)


TAINÁ HENN/DIVULGAÇÃO/JC
Ao finalizar o colégio, a última coisa que Pedro Gonzaga imaginava seria terminar nas Letras, embora já escrevesse ao entrar na faculdade de Comunicação. "Mas há alguma coisa como vocação, seja um chamado, seja um destino", comenta o hoje escritor, tradutor, poeta e professor, que se graduou em Publicidade e Propaganda pela Ufrgs em 1998.
Ao finalizar o colégio, a última coisa que Pedro Gonzaga imaginava seria terminar nas Letras, embora já escrevesse ao entrar na faculdade de Comunicação. "Mas há alguma coisa como vocação, seja um chamado, seja um destino", comenta o hoje escritor, tradutor, poeta e professor, que se graduou em Publicidade e Propaganda pela Ufrgs em 1998.
Nesta terça-feira (1), ele lança seu novo livro, em live, às 20h. O autor apresenta o nome da parte que não dorme (Ardotempo, 128 págs., R$ 42,90), seu quarto trabalho de poesia, em bate-papo no Instagram do Instituto Ling (@instituto.ling), onde faz palestras e ministra cursos. "É um grande parceiro das artes, um espaço fomentador da cultura em um tempo em que os espaços todos se fecham, mesmo antes da pandemia. O trabalho da equipe da casa é fenomenal. Quando penso em um lugar que lembra os melhores centros europeus e norte-americanos de cultura, penso no Instituto Ling."
A Edições Ardotempo (que também publicou o libreto de poemas Foi num café do Centro) lança este quarto título de poesia do autor, somando-se aos seus três anteriores livros do gênero pela mesma editora: A última temporada (2011), Falso começo (2013) e Em outros tantos quartos da Terra (2017). Além das suas duas obras em prosa (contos) Cidade fechada (Leitura XXI, 2004) e Dois andares: acima! (Novo Século, 2007), o autor ainda lançou dois títulos de crônicas: O livro das coisas verdadeiras (Arquipélago, 2016) e Antes não era tarde (Arquipélago, 2019).
"O momento da publicação é um desafio comparável ao de escrever um livro", diz Pedro. "E assim como creio que podemos ter sorte na escrita de determinado livro, também podemos ter sorte na parceria com editores. Tenho a alegria de trabalhar com o Aquino (Alfredo, da Ardotempo) na minha poesia e com Tito Montenegro (Arquipélago) nas crônicas. A situação do mercado me parece bastante complicada, mas, mais uma vez, acho que, da parte deste lado do balcão, o que se pode fazer é entregar um livro da melhor qualidade possível, e os editores cumprem um grande papel nisso."
O lançamento do professor e também poeta já está disponível em pré-venda no site do autor, com 20% de desconto.
A orelha da publicação é assinada por seu pai, o professor de Literatura Sergius Gonzaga, que é homenageado com o último poema de o nome da parte que não dorme: meu pai faz setenta anos. A apresentação do atual Coordenador do Livro e Literatura da Secretaria Municipal de Cultura de Porto Alegre afirma: "Contra o vento e a maré, a voz lírica de Pedro Gonzaga afirma-se tanto no plano dos temas quanto no da visão de mundo e sobremodo na esfera da linguagem. Fugindo do prosaísmo, da suntuosidade metafórica e das desmedidas piruetas de metapoesia, alcança muitas vezes a pureza da palavra essencial, mescla de referências imediatas ao universo empírico, de elipses reverberantes e da fusão modelar entre estilo elevado e dicção coloquial".
A reportagem perguntou ao autor se não existiria um "impedimento ético" de um pai resenhar a obra de um filho. Neste caso, segundo responde Pedro, é um nepotismo do bem: "Chegando ao meu nono livro, nunca tinha pedido uma apresentação ou orelha a este que é um dos grandes intelectuais e professores do Brasil. Em função do poema que acrescentei sobre os setenta anos dele, achei que era hora de pedir que ele se juntasse a este livro".
Solicitado a fazer um balanço próprio de sua produção poética às vésperas de completar uma década de publicações no gênero, o escritor comenta que gosta de imaginar que progrediu, sim, tanto formal como tematicamente: "Mas posso estar iludido pelo natural avançar do tempo, e por esta necessária caridade que acabamos tendo por nós mesmos. Creio que há novos assuntos, embora me pareçam todos antigos, se postos na escala da tradição: a passagem do tempo, a metafísica do cotidiano, a força do desejo, a natureza".

Um antídoto contra o desespero

Com tom irônico, título tem aspecto heterogêneo entre os poemas

Com tom irônico, título tem aspecto heterogêneo entre os poemas


EDITORA ARDOTEMPO/DIVULGAÇÃO/JC
Pedro Gonzaga nasceu em 1975, em Porto Alegre, cidade onde vive e trabalha. Ele também atuou por muito tempo como músico, dedicando-se ao mesmo tempo à escrita e à tradução - tendo vertido mais de 20 livros para o português.
Doutor em Literatura pela Ufrgs (2013), desenvolve há anos trabalhos com turmas de escrita criativa, voltadas para o público jovem e adulto, e é cronista dos jornais Zero Hora e O Estado de S. Paulo.
Jornal do Comércio - Como é teu processo de escrita de poemas, mais espontâneo ou mais disciplinado? São nove anos de publicação em poesia, e quatro títulos, com o nome da parte que não dorme, lançados no gênero nesse período. Como nasce um livro: “Agora tenho material para publicar”?
Pedro Gonzaga - Minha produção poética começou em 2011 com A última temporada, um título curioso, agora visto em retrospectiva, às margens de uma década de poesia. Em minha própria avaliação, vejo-me como um poeta disciplinado, que precisa de três anos para ter um livro pronto. Quando chego a um volume adequado de poemas, o dobro do que irá para o livro, inicio um processo continuado de revisão. Creio que seja assim para muitos poetas, embora alguns prefiram o papel de artista espontâneo ou atormentado.
JC - Este livro parece muito heterogêneo. Sergius Gonzaga, na orelha, identifica alguns temas da tua escrita, os quais também reconheço. Ao leitor, tuas construções trazem muita ironia. É proposital ou uma consequência da personalidade intelectual?
Pedro - Acho que tua leitura capta duas coisas que me parecem fundamentais no livro. Este aspecto heterogêneo, resultado de um esforço de converter narrações, percepções, fábulas, biografias em poesia, uma ambição formal que venho perseguindo há anos, e o tom irônico, presente em muitos dos poemas, como um recurso de ruído, um antídoto contra o desespero, fruto do absurdo e de nossa ignorância em relação às grandes perguntas. A ironia é o riso do intelecto.
JC - Fizeste uma opção nesta publicação em não utilizar letras maiúsculas. Podes justificar a escolha? Preferes que escrevamos o título com minúscula na matéria?
Pedro - Gostei da ideia. Acho que ficaria muito bem. Há muitos anos venho trabalhando em uma estética que elimina qualquer alteração na superfície do texto. Por isso, não uso também sinais de pontuação, contando com a navalha do verso para ditar o ritmo do poema. Também poderia usar apenas maiúsculas para o mesmo efeito, mas creio que as minúsculas, com suas curvas e serifas, acrescentam um toque estético considerável.
JC - Podes falar da analogia entre o título deste livro novo, o nome da parte que não dorme, e a escolha da imagem da capa? O editor Alfredo Aquino, da Ardotempo, normalmente trabalha com fotos de arquivo de Gilberto Perin, mas gostaríamos de saber se tiveste participação nisso. Quais significados essa associação entre palavra e imagem pode suscitar?
Pedro - O Aquino costuma me oferecer várias opções de capa, muitas delas desse maravilhoso fotógrafo que é o Perin. Ao colocar meus olhos na imagem, entendi que ali estava a reprodução perfeita do espírito do livro. Houve salvação, mas ela está em ruínas. No entanto, é uma ruína de transcendência que ainda não terminou de apagar sua luz. Aos pés do anjo em frangalhos, estamos nós, em busca de nomear o que não tem nome, antes que se nos caia a escuridão. Parece religioso, talvez seja, se assim chamarmos nosso anseio por uma eternidade, mesmo que provisória.
JC - Alguns poemas deste livro abordam a música, de onde parece estar apartado no momento. O poema nos tempos do saxofone é uma anedota. Onde ficou o "cara do saxofone", com aquela “coisa dourada”? Qual o papel da música na tua vida hoje?
Pedro - A música está sempre comigo. Só não tenho mais, por falta de prática, como chegar nos lugares que chegava com o saxofone. Mas na memória continuam brilhando certas noites hilárias, ou quase ridículas, dependendo do enfoque. Agrada-me a ideia de que passei a fazer música com versos.
JC - Pedro Gonzaga tem algumas facetas: a de músico, mas tem ainda o professor, o tradutor e o autor. O poema Magistério 2039 nos mostra um docente exaurido. Para ti, na tua mente, como esses papéis convivem entre si? Há respeito e democracia aí dentro? 
Pedro - Sim, é uma democracia com ares de utopia nos dias de hoje. Todos discutem, xingam-se, ofendem-se, mas toleram-se. A tolerância foi a maior perda da humanidade nas últimas décadas. Digamos que nesta democracia, por ora, importa mais o cargo de relator, de poeta, que o de presidente.
JC - Tens um poema nesta obra dedicado a Marcello Giulian, professor (Canção a um amigo gordo). Como surgiram esses versos?
Pedro - Marcello, vulgo Mamute, e eu temos uma amizade há anos. Parte dela, sendo os gordos tarados por comida que somos, está ligada a essas delícias da mesa que o bom senso e a ciência proíbem. Então fiz uma projeção e nos imaginei idosos, cercados por tantos que quererão bem à nossa saúde, contra nossa vontade.