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literatura

- Publicada em 18 de Novembro de 2020 às 21:47

Com 'Poerotisa', Ana Dos Santos concorre ao Prêmio Ages de Livro do Ano

Poetisa porto-alegrense também apresenta novo título com poemas negros e eróticos

Poetisa porto-alegrense também apresenta novo título com poemas negros e eróticos


NIKELLY PEREIRA/DIVULGAÇÃO/JC
Uma autora que tem chamado muita atenção na cena literária em Porto Alegre nos últimos anos é a poetisa Ana Dos Santos. Escritora que costuma versar sobre as questões de ser uma mulher negra, ela foi presença requisitadíssima nas lives literárias dos últimos dias em função da Feira do Livro e em alusão ao 20 de novembro - Dia da Consciência Negra. Na última delas, por uma educação antirracista, inclusive, ela convidou para o sarau Sopapo Poético - evento que lhe deu visibilidade e foi deixando sua marca mais conhecida - em homenagem a Giba Giba, nesta quinta-feira (19), às 19h30min, com transmissão online ao vivo pela página Afroativos no Facebook.
Uma autora que tem chamado muita atenção na cena literária em Porto Alegre nos últimos anos é a poetisa Ana Dos Santos. Escritora que costuma versar sobre as questões de ser uma mulher negra, ela foi presença requisitadíssima nas lives literárias dos últimos dias em função da Feira do Livro e em alusão ao 20 de novembro - Dia da Consciência Negra. Na última delas, por uma educação antirracista, inclusive, ela convidou para o sarau Sopapo Poético - evento que lhe deu visibilidade e foi deixando sua marca mais conhecida - em homenagem a Giba Giba, nesta quinta-feira (19), às 19h30min, com transmissão online ao vivo pela página Afroativos no Facebook.
"Eu já fui mais ativa no grupo do Sopapo Poético, mas agora só apoio mesmo Eu trabalho com vários coletivos poéticos. Participo também do Verso Livre do Slam. O slam também moldou minha escrita, mas não sou slammer, não participo das competições. Até competi uma vez, no Slam do Gozo e ganhei um prêmio", narra a professora de Literatura.
Nesta sexta-feira (20), a partir das 15h, a poetisa é uma das atrações culturais da Marcha Virtual Zumbi/ Dandara - A Roda da Vida Pelo Bem Viver, parte programação da XI Semana da Consciência Negra da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul - acompanhe pela TV AL ou YouTube. Marietti Fialho e Rafuagi são artistas que trazem trilha musical para a roda.
Ana também é um dos nomes selecionados pelo projeto Desarquivando: Escritoras negras em destaque (edição digital), exposição virtual do site do Arquivo Histórico de Porto Alegre. Ela ainda é finalista do Prêmio Ages Livro do Ano na categoria Poesia, com Poerotisa (62 págs., R$ 59,99), lançado em junho de 2019 pela Editora Figura de Linguagem, que publica autores negros e é identificada com a questão feminista, com uma política interna voltada ao antirracismo e ao combate às desigualdades de gênero e à LGBTfobia. Os vencedores da premiação serão conhecidos em 28 de novembro.
Além de tudo isso, no mês passado, a autora porto-alegrense lançou Pequenos grandes lábios negros (80 págs., R$ 30,00), obra que integra a coleção Mulherio das Letras, publicada pela Venas Abiertas Editora Popular, de Minas Gerais. Dividida em três partes, intituladas Poeróticos, Língua e Poenegros, a obra mais recente aprofunda alguns dos temas abordados em Poerotisa, publicação que celebra a voz feminina e feminista da poética negra. O livro anterior também trazia poemas divididos em três partes: Raiz (falando sobre a origem indígena e africana), Fruto (relação com maternidade e ser mulher negra) e Flor (em que compartilha sentimentos e visões de mundo). Em um deles, ela escreve os versos: "A escrita é a minha salvação, é justiça feita pelas próprias mãos".
Sua primeira obra publicada, Flor (Corpos Editora, 2009, Porto/Portugal) foi lançada por um concurso chamado Ministério da Poesia, de um grupo virtual de poesia chamado World Art Friends. "O prêmio foi a publicação, mas agora está esgotado. As 'flores' estão sempre presentes na minha escrita. Em muitas cosmovisões matriarcais, a flor representa a 'Deusa', a Terra, que também pode se denominar Gaia, Pachamama ou Oxum. A flor da capa de Poerotisa é uma vagina mesmo, é a matriz geradora da vida. A última parte do livro se chama Flor por ser Eros o seu percurso em encontro com Afrodite", conta Ana.
Ela costuma ser classificada como "poeta erótica" e comenta o fato: "Esse tema do erotismo na Literatura ainda é cheio de melindres". A porto-alegrense diz que a chamam assim porque parece que os poemas que mais impressionam os leitores são os poemas eróticos que escreve. "O que aconteceu no Poerotisa sintetiza bem o que o mercado editorial faz com classificações em caixinhas da Literatura. Os editores estavam mais interessados nos meus poemas negros para 'vender' a editora antirracista. E deliberadamente excluíram quase todos os poemas eróticos, justo aqueles que os leitores mais gostavam. Eu escrevo há 20 anos e já fiz várias performances com esses poemas eróticos. Os leitores me questionaram 'e aí, cadê os poemas eróticos?'. O que digo para todos: sofri uma 'circuncisão do meu clitóris poético'. Mas, como as Deusas não dormem, a editora Karine Bassi da Editora Venas Abiertas de Minas Gerais (finalista do Jabuti 2020) me convidou para publicar esses e outros poemas na Coleção II do Mulherio das Letras. O meu terceiro livro Pequenos grandes lábios negros é esse clitóris que os leitores queriam, um clitóris negro, diga-se de passagem, com 'poenegros' também e muita língua 'pretuguesa'."
Muitos poemas da escritora parecem ser produzidos em regime de urgência, com versos e imagens viscerais, mas, ao mesmo tempo, na sua fala, demonstra intenção em abordar determinados temas: "Meu processo de escrita às vezes é visceral mesmo, preciso correr e escrever logo os versos, as imagens, as palavras. Depois deixo 'descansar' como uma massa de pão. Volto e leio diversas vezes. Reescrevo ou dou uma lapidada. Pode estar pronto, ou 'abatumar'". Ela relata que, em função do slam, começou a ler seus poemas em voz alta, e daí começou a encontrar a métrica que encaixa as palavras: "O slam é uma escola de poesia. Mas, também tenho projetos, como a negritude, o feminismo, o erótico. Gosto de pesquisar, ler, assistir filmes e escutar muita música, que é minha maior inspiração".

Poetisa trovadora e amadora que rima sofrimento com contentamento

Escritora e professora Ana Dos Santos no Slam Chamego edição erótica, apresentando X-rated

Escritora e professora Ana Dos Santos no Slam Chamego edição erótica, apresentando X-rated


AFROVULTO/DIVULGAÇÃO/JC
"Às vezes a vida/ me arranca palavras/ e eu as faço macias/ transformo em poesia/ Alivio a dor com amor/ rimo sofrimento com contentamento/ e assim sou poetisa amadora" são alguns versos de um poema sem título da obra Poerotisa (Figura de Linguagem, 2019), de Ana Dos Santos, que concorre ao Prêmio Ages de Livro do Ano em 28 de novembro, junto com Anna Mariano (Apenas por nós choramos) e Ricardo Silvestrin (Sobre o que).
Professora e contadora de histórias, a poetisa é formada em Letras, pela Ufrgs, e ministra aulas de Literatura Brasileira no Ensino Médio do Colégio Estadual Júlio de Castilhos. Ana cursa atualmente mestrado em Estudos Literários Aplicados do Programa de Pós-Graduação em Letras da Ufrgs. Ela faz parte do catálogo Intelectuais Negras Visíveis (UFRJ) e é Acadêmica de Letras do Brasil/Rio Grande do Sul na cadeira 100, com a patrona Lélia Gonzales.
Ela ficou conhecida pelas participações no sarau negro Sopapo Poético, onde também é contadora de histórias no Sopapinho. Iniciou na poesia vendendo poemas na noite boêmia da Lapa e Santa Tereza (RJ), onde também fazia performances poéticas com o Circo Beat (2000). Colou poemas nas ruas de várias cidades brasileiras. Participou com outros poetas e fotógrafos brasileiros da obra Brazil by night (SP, 2008). Tem publicações no Livro da Tribo (2011), Cadernos do Instituto de Letras (Ufrgs, 2003), duas antologias poéticas (Águia – Prosa e Verso, 2009, e Sopapo Poético, 2015).
JC - Adotaste a expressão "Flor do Lácio" (imagino que aludindo à língua portuguesa) para teu e-mail e teu perfil de Instagram. Já o Twitter e o blog trazem “Anita Morango”. Podes justificar esses pseudônimos, facetas ou personas? Quais as referências?
Ana Dos Santos - Sim, "Flor do Lácio" é uma alusão à língua portuguesa, essa língua madrasta e colonizadora. Mas também é o português brasileiro, com as matrizes indígenas e africanas, é o "Pretuguês", conceito de Lélia Gonzales para essa subversão que as mulheres negras fizeram enquanto amamentavam e contavam histórias para os filhos da casa grande. Essa "Flor do Lácio" é "sambódromo, musa América Latina e pó" como verseja Caetano Veloso.
"Anita Morango" foi um apelido de um ex-namorado espanhol por conta de um filme chamado "Perdita Durango". Ele sempre me incentivava a escrever e criei esse "heterônimo" para os poemas eróticos. Eu também estava numa fase "Fernando Pessoa" e até criei um heterônimo masculino (rsrs). Depois, resolvi assumir que todas essas personas poéticas são Ana Dos Santos mesmo, e suas complexidades.
JC - Tu és porto-alegrense, te formaste na Ufrgs. Mas tiveste uma passagem pelo Rio de Janeiro? 
Ana - Sim, sou porto-alegrense. Morei no Rio de Janeiro quando pedi transferência da Ufrgs para a UFRJ. Queria achar meu lugar no curso de Letras. Eu era da tradução do Inglês e depois dessa passagem na cidade maravilhosa, troquei para a licenciatura em Português. Foi no Rio de Janeiro que comecei a mostrar meus poemas para o mundo. Eu fazia cartões com colagens e poemas e vendia nos bares da Lapa e de Santa Tereza. Foi na boemia carioca que comecei a fazer performances com poesia e música, poesia e dança.
JC - Podes dar mais detalhes do andamento da tua pesquisa no mestrado na mesma universidade: tema, previsão de término, orientador(a)? Falaste na live da Ages no dia 14 de novembro que estudas literaturas ameríndias e afrodiaspóricas, que têm a ver com a primeira parte do livro Poerotisa, Raiz. Mas acho interessante seres um pouco mais específica sobre o foco, o objeto da tua dissertação, para entender como ela pode somar a esse campo de conhecimento.
Ana - Eu me formei fazendo um documentário sobre minha avó, que era uma mulher de muita força e que contava histórias de todos os tipos. Era para a disciplina de Literatura Oral da professora Ana Lúcia Liberato Tettamanzy que é minha orientadora desde então. Sempre quis escrever sobre minha avó, mas depois que ela faleceu, quem guardava as histórias eram os filhos dela. Então, fiz esse argumento para compor o documentário sobre essa mulher que ficou na memória dos filhos. Também queria saber a história dos meus bisavós que eram negros livres, que ganharam terras de uma baronesa de Quaraí. Seus filhos formavam junto com minha avó um grupo musical de tangos e milongas. Não consegui ir mais longe, mas com certeza meus tataravós foram escravizados. Meu objetivo era homenagear minha avó e saber das minhas origens.
No mestrado, estou na linha de Estudos Literários Aplicados: Ensino. Eu pesquiso a presença da oralidade nos contos da escritora Conceição Evaristo que fala muito sobre o nosso povo. Encontrei no Feminismo Descolonial de Maria Lugones muitas respostas das minhas ancestrais, porque também sou descendente de indígenas por parte de pai. Essas são as minhas inquietações e tive a possibilidade de escolher intelectuais negras em grande parte da bibliografia. Estou finalizando a dissertação e nós ganhamos um prazo maior por conta da pandemia, mas acredito que em 2021 será entregue. Outro intelectual que também me contempla é Antônio Bispo, que criou o termo "afropindorâmicos" para designar esse verdadeiro encontro que houve aqui nas terras brasilis.
JC - A data da live da Ages lembrava o Massacre de Porongos, ocorrido em 14 de novembro de 1844. Recitaste Era uma vez (de Poerotisa) de forma contundente, que quase levou a mediadora às lágrimas: "Meu corpo é farrapo no chão!". 
Ana - O poema Era uma vez eu pesquisei mesmo, li tudo sobre os Lanceiros Negros e nada me agradava, aliás é um tema bem desagradável. Então, em silêncio, que é outra parte fundamental da minha escrita, eu consegui expressar o que eu queria. E a voz era de um eu lírico masculino.
JC - Poerotisa também tem um poema dedicado à Elisa Lucinda, Mãe. Recentemente, no Festival de Gramado, como atriz, ela – que também é poeta – recebeu uma menção honrosa pela sua trajetória e representatividade? No que ela te influencia e qual o porquê da homenagem?
Ana - Elisa Lucinda eu conheci fora da faculdade. Numa conversa com colegas no café, me perguntaram se eu a conhecia. Fui atrás dos seus livros e fiquei maravilhada. Uma mulher negra como eu, que escrevia poesia e também tinha poemas eróticos. Estava tudo ali, a mulher em sua potência, a liberdade, os amores, as dores, os questionamentos. Os poemas que falavam do racismo e do machismo. Eram os anos 2000 e eu já tinha muitos poemas escritos. Para mim, era uma mensagem: escreva, mostre seus poemas, publique. Daí me encorajei. O poema Mãe eu escrevi quando estava grávida e li o livro dela Parem de falar mal da rotina. Já consegui entregar para Elisa em mãos!
JC - Seguindo na questão da representatividade, participaste nesta semana de um encontro virtual sobre educação antirracista, és professora e a tua obra é muito permeada pelas questões do que é ser uma mulher negra. Como a matéria será publicada nas vésperas do Dia da Consciência Negra, gostaria da tua opinião sobre esse mês de luta, para que esse tema não seja lembrado e celebrado somente em novembro, a cada ano.
Ana - Sou professora de Literatura Brasileira no Colégio Estadual Júlio de Castilhos, Ensino Médio. Eu me formei antes das cotas e da lei 10.639/03 e 11.645/2008 sobre a obrigatoriedade do Ensino da Cultura e História Afro-Brasileira, Africana e Indígenas. Eu comecei uma pesquisa como docente sobre as escritoras negras brasileiras. Há cinco anos, encontrei Carolina de Jesus e a partir daí levei ela e suas iguais para a sala de aula. Fiz duas especializações na Ufrgs sobre a lei e sobre Territórios Negros. Mudou a minha vida porque eu nunca tive essas aulas sobre o meu povo. Acabou se tornando uma oficina que eu ministro. Depois resolvi entrar na pós para seguir cientificamente.
Vou dizer o que penso sobre a Consciência Negra: para se ter consciência é preciso estar inconsciente. O Brasil ainda está inconsciente sobre o racismo estrutural que vivemos no segundo maior País de população negra do mundo. Os brancos são os mais inconscientes. Você não pode ser branco e morar no Brasil sem enxergar isso. A consciência negra é para todo brasileiro, assim como a consciência indígena. O Brasil faltou a essa aula. E como diz a educadora Joaninha Dias: "Educação Antirracista não é um projeto escolar para ser executado em determinados períodos do ano letivo. É currículo".