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Cultura

- Publicada em 30 de Outubro de 2020 às 18:11

Convidada da Feira do Livro, Rosa Montero fala sobre luto, esperança e literatura

Escritora espanhola participa de debate online na Feira do Livro de Porto Alegre neste sábado (31)

Escritora espanhola participa de debate online na Feira do Livro de Porto Alegre neste sábado (31)


ASÍS G. AYERBE/DIVULGAÇÃO/JC
Igor Natusch
A escritora espanhola Rosa Montero está acostumada a falar sobre a morte. Um dos principais nomes da literatura em língua espanhola da atualidade, a autora estará participando da Feira do Livro de Porto Alegre neste sábado (31), às 15h, participando da mesa As sintonias da vida e da morte, com mediação de Emir Rossoni e Renata Wolff. A atividade será on-line e pode ser assistida no site da Feira.
A escritora espanhola Rosa Montero está acostumada a falar sobre a morte. Um dos principais nomes da literatura em língua espanhola da atualidade, a autora estará participando da Feira do Livro de Porto Alegre neste sábado (31), às 15h, participando da mesa As sintonias da vida e da morte, com mediação de Emir Rossoni e Renata Wolff. A atividade será on-line e pode ser assistida no site da Feira.
A conversa será baseada no livro A ridícula ideia de nunca mais te ver (Todavia, 2019), uma obra que, de certo modo, constrói uma ponte entre dois lutos: o da cientista Marie Curie, que escreveu um diário dolorido e visceral após a morte do marido, e da própria Rosa, que perdeu o companheiro Pablo Lizcano em 2009. A partir da obra, Rosa deve traçar paralelos com o momento atual, no qual a Covid-19 nos força a olhar para a dor do outro em diferentes dimensões.
Por e-mail, Rosa Montero falou ao Jornal do Comércio sobre pandemia e morte, mas também sobre esperança e renovação de ideias - tudo isso, é claro, mediado pela potência da literatura como caminho para alcançar não só o outro, mas a nós mesmos.
Jornal do Comércio – Essa é a sua primeira participação na Feira do Livro de Porto Alegre. O ponto de partida do debate será sua obra A ridícula ideia de nunca mais te ver, na qual o luto tem um papel fundamental. Será que podemos dizer que, sem a morte, a literatura não existiria?
Rosa Montero – Claro! A morte condiciona todos os acontecimentos de nossa vida, mas acima de tudo atravessa toda arte e literatura. Como sou uma escritora especialmente existencial, que fala muito da morte e da passagem do tempo - o que o tempo nos faz e nos desfaz, porque viver é se desfazer no tempo - às vezes os jornalistas me perguntam: e por que fala tanto em seus livros de morte? E eu rio, porque a questão seria: como seria possível escrever e não falar sobre a morte? A morte é a grande tragédia, o maior mistério, o grande motor da vida.
JC – A ridícula ideia de nunca mais te ver tem como ponto de partida a sua identificação com o diário de Marie Curie, escrito a partir da morte do marido. Como você vê a importância desse papel de aproximação com o outro que o livro traz, em tempos de tanto ódio entre as pessoas?
Rosa Montero – Repare que mais do que identificação, o que o diário de Marie produziu em mim foi surpresa e admiração. Descobri com aquelas páginas, que são um grito animal de dor, que Marie Curie era muito mais complexa, mais humana e mais poliédrica do que a personagem sombria e fria da biografia oficial. E então, sim, pensei em conversar com ela mentalmente para ver como teria vivido ela as questões essenciais que afetam a todos nós. A empatia é a virtude por excelência. Em um romance meu intitulado História do Rei Transparente, é dito que a palavra compaixão, a capacidade de sentir com (o outro), é a palavra mais bela do mundo, porque não pode ser traída. Você pode trair as palavras liberdade ou justiça, por exemplo, e matar e torturar em nome da liberdade e da justiça. Mas se você tiver compaixão e for capaz de se colocar na pele do seu semelhante, não cometerá atrocidades. Quem dera tivéssemos mais empatia nestes tempos sombrios.
JC – Uma feira de livros, em princípio, é um evento que exige a presença e o contato com os livros e entre as pessoas - mais ou menos como ir a um museu, a um show ou espetáculo teatral. A tendência criada pela pandemia, ao menos para os próximos anos, é de que essa presença seja substituída por mediações virtuais. Estamos espiritualmente e psicologicamente preparados para a perda (mesmo que temporária) dessa presença? Como você vê isso?
Rosa Montero – É uma perda grande e dolorosa. O contato físico, os abraços, a eletricidade positiva gerada por estar com os outros são insubstituíveis. Somos animais sociais. Mas, por outro lado, isso permite contatos que poderiam ser impossíveis. Provavelmente não teria podido viajar para Porto Alegre agora para a feira, mas isso (caráter virtual da Feira) me permite estar presente de alguma forma. Tenhamos esperança e perseverança e façamos o melhor de todas as situações.
JC – A pessoa que escreve está, até certo ponto, acostumada a lidar com a solidão e o isolamento. Mas a pandemia impõe um isolamento de outra natureza e que, é claro, provoca pensamentos muito mais doloridos. Como têm sido esses dias, para você?
Rosa Montero – Como você está certo! Me isolo muito para escrever e me sinto feliz enquanto o faço, mas no confinamento não conseguia me concentrar, no começo nem conseguia ler... A dor do mundo te atinge, a angústia da situação, a preocupação e a piedade. Estou tentando levar as coisas da melhor forma possível, mas a dor existe. Tenhamos esperança em nossa capacidade de resistir. Isso tudo também passará.
JC – Você concluiu seu novo livro La buena suerte (ainda sem título em português) em meio à pandemia. Que efeito esse processo teve para você?
Rosa Montero – Bem, para dizer a verdade terminei o romance no início de janeiro, pouco antes da pandemia, e só faltava fazer a revisão final. E isso me salvou. A literatura me salvou de novo, porque, como já disse, no começo (da pandemia) eu estava tão obcecada que nem conseguia ler. Mas ter um romance tão avançado me ajudou a voltar a ela, fazer o trabalho de revisão, colocar os pés no chão e normalizar um pouco a minha vida.
JC – A pandemia, infelizmente, deve seguir conosco por muito tempo. Que tipo de mudanças você acredita que isso irá nos impor? E como a literatura será afetada por isso?
Rosa Montero – Acho que muitas coisas vão mudar para sempre. Essa pandemia é como a morte de um ente querido: você nunca se recupera de verdade, você nunca pode voltar a um tempo anterior, está perdido para sempre. Mas nós humanos temos tal capacidade de adaptação e sobrevivência que podemos criar uma nova vida, ainda melhor do que a antiga. Quanto ao romance, temos que digerir a pandemia, algum tempo tem que passar. Talvez em dez anos existam muitos romances sobre faroleiros vivendo isolados e coisas assim.
JC - O pensar feminista é um elemento que surge com frequência em seu trabalho. Como você vê o atual momento do movimento feminista, que tem conquistado espaço crescente nos debates públicos?
Rosa Montero – O feminismo aparece em minhas obras de ensaio, como em meu livro Histórias de mulheres, mas os romances são outra coisa. Eu detesto romances utilitários, isto é, feministas, animalistas, ambientalistas etc - mesmo que eu, como cidadã, seja tudo isso. Mas é que você não escreve um romance para ensinar nada, você escreve para aprender. O sentido de escrever romances é a busca do sentido da existência e você não pode iniciar essa jornada do conhecimento estabelecendo as respostas previamente. Dito isso, acredito que nos últimos cinco ou seis anos subimos um degrau na longa luta para reconstruir o sexismo, fizemos um progresso significativo. E uma das características do progresso dos últimos anos é a incorporação ao movimento de muitíssimos homens que, finalmente, perceberam que acabar com o sexismo é também uma causa deles.
JC – Você costuma dizer que "o feminismo é coisa de todos". Por que é tão difícil que as pessoas compreendam esse conceito? O que faz as pessoas pensarem que o feminismo só diz respeito às mulheres?
Rosa Montero – Essa dificuldade é uma consequência do preconceito sexista, que, diga-se de passagem, cega a todos nós. Os preconceitos são parasitas silenciosos. Como surgem antes de nossa razão, não nos damos conta que os temos, mas aí estão. Homens e mulheres são educados por uma ideologia patriarcal ancestral e todos temos preconceitos. Por exemplo, há homens que acreditam que feminismo é coisa apenas das mulheres, mas desgraçadamente também há mulheres que pensam assim.
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