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Cinema

- Publicada em 28 de Outubro de 2020 às 18:54

A esperança de retomada precoce de Hollywood

Grande produção Tenet é resultado de um projeto pessoal do diretor Christopher Nolan

Grande produção Tenet é resultado de um projeto pessoal do diretor Christopher Nolan


WARNER BROS/DIVULGAÇÃO/JC
O que em janeiro se esperava ser o próximo blockbuster do verão norte-americano, poucos meses depois se tornou um questionamento: como estrear um filme durante uma pandemia? Não disposto a postergar para 2021 nem de disponibilizar o filme em streaming, o diretor Christopher Nolan defendeu e incentivou a controversa decisão de fazer com que seu novo filme fosse um marco para a retomada, mesmo restrita, das salas de cinema à atividade. E assim, depois de meses fechadas, elas retornam, com bem menos gente, para Tenet, o primeiro grande filme de Hollywood a chegar às telas nesse pseudo-recomeço da vida normal. No Brasil, o título estreou em 29 de outubro.
O que em janeiro se esperava ser o próximo blockbuster do verão norte-americano, poucos meses depois se tornou um questionamento: como estrear um filme durante uma pandemia? Não disposto a postergar para 2021 nem de disponibilizar o filme em streaming, o diretor Christopher Nolan defendeu e incentivou a controversa decisão de fazer com que seu novo filme fosse um marco para a retomada, mesmo restrita, das salas de cinema à atividade. E assim, depois de meses fechadas, elas retornam, com bem menos gente, para Tenet, o primeiro grande filme de Hollywood a chegar às telas nesse pseudo-recomeço da vida normal. No Brasil, o título estreou em 29 de outubro.
Em uma sala de ópera cheia, a primeira cena do filme que traz uma visão quase nostálgica para o público ainda pré-vacina, conhecemos o protagonista sem nome. John David Washington interpreta um agente secreto, que está em uma missão na qual sua única pista é a palavra Tenet. Aos poucos, com a ajuda de outro agente (Robert Pattinson) e de uma avaliadora de arte presa em um relacionamento perigoso (Elizabeth Debicki), ele percebe que essa missão envolve desarmar o possível estopim de uma Terceira Guerra Mundial e uma literal corrida internacional contra o tempo.
Tenet é o resultado de um projeto pessoal de Nolan, que desenvolveu a história nos últimos 20 anos com base em sua fascinação pelo conceito do tempo. O diretor já havia trabalhado com essa noção em Insônia (2002), que se passa em uma cidade no Polo Norte na qual o sol nunca se põe e os dias parecem contínuos, e em Interestelar (2014), abordando buracos-de-minhoca no espaço. Desenvolvendo a ideia de entropia - em que tudo caminha pela desordem -, Tenet representa a interferência temporal não sendo uma volta ao passado, e sim uma “inversão” dele. O próprio título é baseado em um palíndromo quádruplo em latim, o Quadrado Sator, cujo registro mais antigo foi encontrado nas ruínas de Pompéia.
A ideia da não-linearidade do tempo não é nova no audiovisual, inclusive no autoral. Em 2017, o cineasta David Lynch explorou esse conceito no retorno de Twin Peaks às telas de televisão, e para viabilizar a representação disso em cena utilizou recursos como fazer seus atores interpretarem as cenas “ao contrário”, algo que Nolan também utiliza, em contexto diferente, em Tenet.
Os dois diretores propõem trabalho cerebral por parte do espectador. Porém, enquanto a arte de Lynch tende a ser surreal e reflexiva, Nolan prima pelo espetáculo e pela descrição de teorias difíceis para leigos. Com um orçamento de US$ 200 milhões, a direção de arte condizente com sua visão grandiosa e a fotografia dinâmica de Hoyte von Hoytema, Tenet é uma experiência de entretenimento que consegue instigar o público para além do término do filme, algo raro dentre os grandes longas hollywoodianos contemporâneos.
Entretanto, mesmo levando ao espectador imagens singulares e conceitos complexos de física, Nolan parece subestimar esse público com um roteiro fraco e cheio de clichês. Frases de efeito sucessivas em troca de diálogos mais naturais deixam o filme mais formal do que poderia ser, e talvez o medo de furos em uma trama metafísica tenha deixado as tramas pessoais dos personagens aquém da proposta ousada de inversão temporal.
Os destaques de atuação ficam por conta da australiana Elizabeth Debicki, que interpreta uma mulher disposta a sacrificar tudo pelo filho - o que mesmo vital para a trama parece sempre um pouco fora de lugar -, e do britânico Kenneth Branagh, que pelo talento consegue trazer sutilezas ao antagonista mais fraco já escrito por Nolan, um oligarca russo sem escrúpulos que pode auxiliar o protagonista a decifrar o significado de sua missão. Nas suas curtas cenas como chefes de equipes militares paralelas, Aaron Taylor-Johnson e Fiona Dourif brilham.

John David Washington e Robert Pattinson em cena do longa que entra nas salas nesta quinta-feira (29)

John David Washington e Robert Pattinson em cena do longa que entra nas salas nesta quinta-feira (29)


WARNER BROS/DIVULGAÇÃO/JC
John David Washington tem a mesma qualidade do pai, Denzel, de ser um protagonista nato. Já evidente em Infiltrado na Klan (Spike Lee, 2018), pelo qual concorreu ao Globo de Ouro, o ator comanda bem as cenas dramáticas e ainda melhor as de luta, e com boas oportunidades de mostrar seu timing cômico. Aliás, os momentos de comédia do filme são um ponto alto, com destaque para Robert Pattinson, o parceiro de cena de Washington que o ajuda na literal corrida contra o tempo, e uma participação especial de Michael Caine.
O filme é também uma separação – mesmo que temporária – entre Nolan e seu clássico colaborador Hans Zimmer, que teve que declinar da participação no longa devido ao compromisso com a trilha sonora da adaptação de Duna, dirigida por Denis Villeneuve. No lugar de Zimmer, o sueco Ludwig Göransson faz um trabalho exemplar, ainda mais considerando que as gravações musicais foram feitas a distância, numa pós-produção já afetada pela Covid-19. Buscando refletir a inversão do tempo na trilha, ele invertia os áudios dos instrumentos e pedia para os músicos que regravassem os sons, e depois invertia o resultado. A ideia, segundo Göransson, era chegar o mais perto de como seria uma música performada de maneira invertida.
Rítmico e marcante como em seus trabalhos anteriores, seja pela trilha oscarizada de Pantera Negra (Ryan Coogler, 2018), seja pela produção de clássicos instantâneos como a música This is America junto com o rapper Childish Gambino, o som de Göransson traz referências de música industrial, instrumentos diferentes sobrepostos, uma música inédita com o rapper Travis Scott e em alguns momentos lembra os trabalhos mais recentes da irlandesa Róisín Murphy, uma das expoentes máximas da nova disco music. Capturando o frenesi, a angústia e o passo rápido da trama, a trilha sonora eleva a grandiosidade do filme.
Tenet é prejudicado pelos problemas de diálogo e história simplória por trás de uma produção com qualidade técnica impecável, atores engajados e direção ágil. Mesmo com falhas evidentes, Christopher Nolan é um visionário e ambicioso. O produto final pode não ser tão bom, mas com certeza é magnífico.