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cinema

- Publicada em 28 de Setembro de 2020 às 21:30

Road movie pela mesclada América Latina venceu Kikito de melhor longa gaúcho

Diretora de 'Portuñol', Thais Fernandes era única mulher entre realizadores de obras concorrentes

Diretora de 'Portuñol', Thais Fernandes era única mulher entre realizadores de obras concorrentes


LANÇA FILMES/DIVULGAÇÃO/JC
Em sua premiação, no sábado, o 48º Festival de Cinema de Gramado consagrou narrativas que abordaram andanças pelos territórios latino-americanos. Em 2020, os espectadores puderam acompanhar de casa essas tramas em trânsito, destacadas na maioria dos 51 filmes concorrentes, entre longas e curtas. 
Em sua premiação, no sábado, o 48º Festival de Cinema de Gramado consagrou narrativas que abordaram andanças pelos territórios latino-americanos. Em 2020, os espectadores puderam acompanhar de casa essas tramas em trânsito, destacadas na maioria dos 51 filmes concorrentes, entre longas e curtas. 
Também rodado nas fronteiras do continente, Portuñol, de Thais Fernandes (única mulher entre os cinco concorrentes, que também era o único documentário da seleção), foi eleito Melhor Longa Gaúcho. "Muito feliz por este reconhecimento, quero parabenizar os colegas, agradecer a todos que fizeram parte deste filme. É uma narrativa que fala da importância de conviver com as diferenças", comentou a diretora.
O título foi exibido - virtualmente - no fim de semana anterior no 1º Festival As Amazonas do Cinema (uma Mostra Competitiva que premia obras audiovisuais dirigidas por mulheres dentro da programação oficial do 6º Festival Amazônia DOC), encerrado em 23 de setembro, onde recebeu prêmio especial do júri oficial e foi eleito o melhor filme pelo júri popular.
Com obra influenciada pela Antropologia, a cineasta já havia vencido a Mostra Gaúcha de Curtas do Festival de Gramado em 2018, com o documentário Um corpo feminino. Agora, com seu primeiro longa, também documental, ela concorreu com um road movie que viaja pelas zonas de limite do Brasil com Uruguai, Argentina, Paraguai e Bolívia, investigando noções de "fronteira" e como se dão as trocas culturais dos habitantes desses territórios através da linguagem.
Tendo como norte dos depoimentos dos moradores desses locais o sentido subjetivo de cada um para a palavra "fronteira", possíveis conflitos ou afinidades dos idiomas surgiriam. Em uma relação com a etnografia, na parte final do filme, na cidade uruguaia de Rivera (espelho de uma avenida para a gaúcha Santana do Livramento), uma das entrevistadas declara: "O outro é diferente de ti". E um dos meninos, também do município uruguaio, vem com a palavra "entreverado" sobre o tema proposto, aludindo a misturas, fusão, hibridismo. 
A síntese da obra fílmica parece estar nesse ponto, refletida nas mesclas culturais, como na junção de ingredientes na gastronomia (ou nas diferentes apresentações da mesma erva-mate herdada de uma raiz guarani), dos ritmos musicais e demais manifestações artísticas (rap, literatura ou performances de rua), tão contempladas no decorrer de todo o longa. Como é comum no gênero documental, quando a essência dos filmes surge na ilha de edição, a impressão que fica ao espectador é que também foi na montagem (assinada por Jonatas Rubert) que se desenhou o fio narrativo de Portuñol, a partir da costura dos depoimentos e das paisagens (sonoras ou visuais).
O "entrevero" não é somente nas línguas - espanhol (castelhano), português, guarani e dialetos. Os monumentos, costumes, personagens e histórias exemplificam as representações identitárias não excludentes, mas, sim, em uma confluência que só tende a crescer. O fato de a linha "divisória" ser efetivamente imaginária e de que os que frequentemente a atravessam não quererem vê-la é significativo. Assim como outra mensagem clara do documentário: os preconceitos vêm do desconhecimento. Talvez, por isso, Thais queira conhecer tanto, observar muito, perguntar e ouvir.

Documentário desvenda, no trajeto, latinidade que une personagens diversos

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PEDRO CLEZAR/DIVULGAÇÃO/JC
No filme, a cosmologia indígena se mistura com a vivência acadêmica - a descendente dos povos originários é que explica que a ideia de fronteira é uma coisa trazida pelos brancos, eles não conheciam limites. A paisagem da cidade se mistura com a da floresta.
Músicos uruguaios, rappers indígenas, estudantes venezuelanas, poetas do portunhol selvagem (como Douglas Diegues, Mano Zeu) e professores universitários (Diana Pereira, Rosario Brochado) compõem, todos, um mesmo povo, filhos da mesma Pachamama, habitantes de um continente gigante e unidos por um idioma que traz junto da fala uma cultura única e ao mesmo tempo diversa. Com certo humor e muita musicalidade, Portuñol é uma produção importante num momento de polarização política.
Thais Fernandes conta que leu uma frase, certa vez, que repete aos seus alunos e usa como mantra de trabalho: "Se vocês sabem exatamente o que querem dizer com o seu documentário, não façam um filme, façam um artigo". Para ela, isso provoca a descobrir coisas no processo de fazer o filme e a estar aberto a conhecer a diversidade do outro. "Não quer dizer que não possamos ou não devamos ter uma opinião. Por exemplo, se fosse fazer um filme sobre homofobia, claramente sou contra isso, e o filme refletiria. Se o meu entrevistado fosse um homofóbico, ninguém é uma coisa só."
A diretora avalia que quando já se sabe o retrato que se quer pintar de alguém ou de alguma situação se perde a mágica da relação de ouvir o outro. "E, às vezes, o outro pode ter uma opinião completamente diferente da nossa e, ainda assim, dizer coisas incríveis, que vão ajudar nosso filme, ajudar nossa reflexão", opina.
Ela se utilizou desse método de trabalho para filmar coisas invisíveis, tanto a fronteira, quanto a língua, que é um fenômeno que acontece ao vivo: "É difícil de materializar essa mistura linguística e essa fronteira, que, na verdade, alguém inventou. É um filme de encontro, fui encontrando essas pessoas e essas definições. Gosto de conhecer gente, e estar aberta para o que têm a me dizer, e enxergar essas mágicas invisíveis".
Portuñol surgiu do argumento original de Jessica Luz, produtora do longa. "Foi interessante o processo de chegar no projeto e me apropriar dele, no bom sentido", comenta Thais, que assina também pesquisa e roteiro.
A obra é uma produção da Vulcana Cinema, com coprodução da Epifania Filmes, Globo News e Globo Filmes e distribuição da Lança Filmes.