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MEMÓRIA

- Publicada em 22 de Setembro de 2020 às 20:45

CCMQ: de hotel abandonado a centro cultural

Depois de escapar da demolição, conjunto da CCMQ chegou a ser cogitado como agência bancária antes de ganhar destinação cultural

Depois de escapar da demolição, conjunto da CCMQ chegou a ser cogitado como agência bancária antes de ganhar destinação cultural


LUIZA PRADO/JC
No comecinho dos anos 1980, a história do Hotel Majestic parecia ter chegado ao fim. O outrora suntuoso conjunto era, por assim dizer, invendável: ninguém tinha interesse em comprar o imóvel e, de quebra, gastar uma pequena fortuna corrigindo os incontáveis problemas de infraestrutura. Para os proprietários, a perspectiva mais realista era simplesmente botar tudo abaixo, vendendo o terreno limpo para um estacionamento ou qualquer coisa do tipo.
No comecinho dos anos 1980, a história do Hotel Majestic parecia ter chegado ao fim. O outrora suntuoso conjunto era, por assim dizer, invendável: ninguém tinha interesse em comprar o imóvel e, de quebra, gastar uma pequena fortuna corrigindo os incontáveis problemas de infraestrutura. Para os proprietários, a perspectiva mais realista era simplesmente botar tudo abaixo, vendendo o terreno limpo para um estacionamento ou qualquer coisa do tipo.
A sociedade, porém, tinha outros planos para o prédio - ainda que, em um primeiro momento, ninguém soubesse direito quais eram. Diante do risco de ver o Majestic no chão, o Banrisul antecipou-se e, em julho de 1980, comprou o imóvel. Durante algum tempo, cogitou-se transformar o local em uma agência bancária - o que, diante das características inadequadas dos edifícios, foi logo descartado.
A situação do hotel era, a seu modo, uma metáfora para o momento vivido pela cultura em Porto Alegre. Espaços ligado à arte eram escassos; alguns, como o Theatro São Pedro, estavam inutilizados pelo abandono e vinham fechados há muitos anos. Em paralelo, o cuidado com o patrimônio histórico não estava na ordem do dia, e lugares emblemáticos como a Usina do Gasômetro estiveram bem perto da demolição.
"Queriam demolir tudo para construir a Primeira Perimetral, ia ficar só a chaminé. Falavam em derrubar o Mercado Público, tudo que fosse antigo eles (poder público) queriam demolir", lembra a artista plástica Zoravia Bettiol, que presidiu à época o Movimento Gaúcho em Defesa da Cultura. "O que a gente queria, antes de tudo, era que a Usina fosse restaurada. Não interessava a finalidade, mas sim que ficasse em pé."
O grupo da sociedade civil conseguiu mobilizar a opinião pública, cancelando a demolição e garantindo, em 1982, o tombamento do prédio como patrimônio municipal. Essa vitória trouxe uma alternativa que, mais tarde, refletiria no velho Majestic: transformar essas estruturas em espaços artísticos, ampliando a oferta de cultura e, de quebra, reaproximando os porto-alegrenses do então carcomido Centro Histórico.

Uma "rearquitetura" feita a marteladas

Antes da reforma, Teatro Carlos Carvalho era apelidado de sala do eco por artistas

Antes da reforma, Teatro Carlos Carvalho era apelidado de sala do eco por artistas


LUIZA PRADO/JC
Em dezembro de 1982, o Banrisul vendeu o prédio para o governo do Estado, já com a perspectiva de transformar o local em um espaço cultural. No ano seguinte, foi aprovada a Lei estadual nº 7.803, de autoria do então deputado Ruy Carlos Ostermann, dando ao conjunto o nome atual, Casa de Cultura Mario Quintana (CCMQ). Em dezembro de 1984, surge a Associação dos Amigos da Casa de Cultura Mario Quintana, com o objetivo expresso de garantir que a reforma fosse para a frente e o projeto da CCMQ virasse realidade.
A ocupação do prédio começou antes ainda da reforma, em uma situação que misturava necessidade e precipitação. À época, boa parte dos cômodos não tinha abastecimento de água ou energia elétrica; a futura Sala Carlos Carvalho, no segundo andar da ala oeste, chegou a ser apelidada informalmente de 'sala do eco' pelos grupos teatrais que, de forma precária, ensaiavam no local. Com a fiação improvisada subindo pelas escadas, não surpreende que a Casa tenha passado por um princípio de incêndio, que levou à evacuação do prédio e reforçou a urgência de uma reforma completa.
Em meio a essa entusiasmada bagunça, um grupo, liderado por Carlos Appel, passou a pensar como fazer do antigo Majestic uma verdadeira Casa de Cultura. Com a presença de nomes como Nicea Brasil e Sergio Napp (que seria o primeiro diretor da CCMQ), esse pessoal se pôs a pensar os princípios norteadores para o futuro espaço, dando à Casa um caráter de formação e fruição. Essas duas palavras guiaram a reforma do conjunto, de forma a incentivar o visitante a um determinado percurso cultural pelas passarelas e corredores.
As obras tiveram início em 1987. "Não foi uma restauração, porque, se fosse, teríamos mantido o uso como um hotel", argumenta o arquiteto Flávio Kiefer, que assina o projeto da CCMQ ao lado de Joel Gorski. "Eu digo que foi uma rearquitetura. Tratava-se muito mais de dialogar com o passado, de chegar em uma espécie de acordo com o arquiteto original (Theo Wiederspahn). Uma obra conjunta", resume.
Kiefer lembra que, a essa altura, havia um sentimento favorável a uma retomada cultural na Capital, o que mobilizou diferentes esferas de governo e garantir recursos para a obra avançar. Além disso, a sociedade estava engajada, e não faltava gente querendo ajudar.
"Um dia, recebemos um contato da Brigada Militar, dizendo que iam colocar dois homens à nossa disposição. Na manhã seguinte, eles estavam lá, e a gente não tinha ideia do que fazer com eles", recorda o arquiteto. "Acabamos entregando umas marretas e dizendo: 'vão até o sétimo andar e comecem a demolir'. A reforma da CCMQ começou assim, com dois brigadianos derrubando parede por parede (dos antigos quartos). Imagina, ia levar uns dez anos", completa, dando risadas.
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