No espaço de três décadas, a Casa de Cultura Mario Quintana (CCMQ) tornou-se fundamental no imaginário coletivo de Porto Alegre. Hoje em dia, é difícil até pensar a cidade sem a CCMQ: qual seria nosso ponto de encontro, para onde nossos pés nos levariam naquelas caminhadas sem rumo pelo Centro Histórico?
Aberta ao público no dia 25 de setembro de 1990, a Casa não apenas marcou o reencontro da cidade com sua história, como tornou-se abrigo para artistas de todos os tipos, além de ponto de referência para qualquer um que esteja (mesmo que só de passagem) na Capital. Isso sem contar a homenagem eterna ao poeta que dá nome ao espaço - ele também, em verso e sensibilidade, decisivo para uma Porto Alegre que, mesmo com tantos problemas, segue capaz de sonhar.
Na semana em que a Casa de Cultura Mario Quintana comemora 30 anos, o Jornal do Comércio recorda a história desse lugar tão especial - além de, é claro, projetar olhares para o futuro. Mesmo ainda fechada em decorrência da pandemia do novo coronavírus, a CCMQ trará uma série de atividades comemorativas, como um show virtual de Adriana Calcanhotto, na próxima sexta-feira, e um documentário, que ficará no canal do YouTube da instituição.
No início, tudo era um hotel
Solução arquitetônica ousada, passarelas encantam até hoje os visitantes
LUIZA PRADO/JC
Porto Alegre vivia dias agitados na primeira metade dos anos 1910. Em rápida expansão, a cidade tinha aspirações de se tornar uma metrópole regional - e foi nesse lugar fervilhante de oportunidades que, em 1913, o empresário Horácio de Carvalho obteve, junto à Intendência Municipal, licença para erguer um hotel. O terreno original, embora estreito, tinha localização privilegiada: além de estar no coração comercial do Centro, dava de frente para o Guaíba, então passando pelo aterramento que abriria espaço para uma grande expansão imobiliária.
O projeto ficou nas mãos do arquiteto alemão Theo Wiederspahn, chegado a Porto Alegre cinco anos antes e funcionário do escritório do engenheiro Rudolph Ahrons. O primeiro edifício, hoje a parte oeste do conjunto arquitetônico, foi erguido entre 1916 e 1918. No térreo, funcionava a Companhia Sulford de Veículos; nos quatro andares acima, 150 quartos ofereciam conforto aos que visitavam uma Porto Alegre que não parava de crescer.
Em 1926, o Hotel Majestic começou a tomar a forma atual, a partir das obras na ala leste. Como a então Travessa Araújo Ribeiro (hoje Travessa dos Cataventos) estava no meio do caminho, Wiederspahn tomou uma iniciativa, à época, revolucionária: uniu os dois edifícios por cima, fazendo uso de passarelas suspensas.
"Fico pensando, até hoje, como conseguiram as licenças para essa obra", reflete o arquiteto Flávio Kiefer, responsável, ao lado de Joel Gorski, pela reforma que transformou o Majestic em CCMQ. "A partir de dois terrenos de 10 metros (de largura), ele conseguiu uma fachada de 30 metros, fazendo uso do espaço aéreo. É um projeto muito inteligente", admira-se.
As passarelas deixavam de boca aberta as damas e cavalheiros fazendo footing na Porto Alegre do século passado, e arrancam até hoje um efeito semelhante dos estrangeiros que passam pela Capital. O conjunto, marcado também pelas cúpulas e pelas elegantes soluções referentes à diferença de andares (sete na ala leste, cinco na oeste), é tombado desde 1982 como patrimônio histórico do Estado.
Concluído em 1933, o Majestic viveria seu auge até a década seguinte, sob gerência dos irmãos Masgrau, vindos da Espanha. Com 400 quartos e um salão de refeições capaz de abrigar até 600 pessoas, o hotel se destacava pelo conforto, tendo sido dos primeiros a ter banheiros privativos, além de água corrente e, mais tarde, telefones em todas as peças. Os aposentos especiais para famílias eram tão bonitos e bem cuidados que alguns endinheirados vendiam suas casas, passando a morar nas confortáveis dependências do hotel.
Entre outros, estiveram nos quartos do Majestic nomes como os presidentes Getúlio Vargas e João Goulart, o escritor Erico Verissimo e os cantores Francisco Alves e Vicente Celestino. O hóspede mais notório, porém, só chegaria ao Majestic em 1968, quando o negócio já estava em franca decadência: Mario Quintana, poeta nascido no Alegrete, mas que amou Porto Alegre como poucos.
Na terça-feira (22): a relação de Mario Quintana com o Majestic, e a eternidade do poeta na Casa que leva seu nome