Se existe uma pessoa na história da arte que poderia dizer de si mesma que morreu de tanto trabalhar, essa pessoa seria Honoré de Balzac. Aliás, não se pode dizer que a morte do escritor francês - ocorrida há exatos 170 anos, no dia 18 de agosto de 1850 - tenha sido surpreendente ou mesmo inexplicável: o autor sofreu com problemas de saúde durante praticamente toda a vida, decorrência direta de um ritmo de trabalho enlouquecedor, para dizer o mínimo. Embora festejado já em vida, Balzac não conseguiu colher grandes frutos de sua trabalheira, passando seus dias em um esforço permanente para pagar as contas.
Ainda assim, a rotina extenuante rendeu frutos. Sua obra, além de festejada, é extensa: composta de quase 150 volumes, entre textos completos e narrativas inacabadas, A comédia humana é um dos painéis sociais mais colossais de se que tem notícia, e livros como A mulher de trinta anos (que deu origem ao termo 'balzaquiana'), O pai Goriot e Ilusões perdidas são até hoje influência para novos escritores.
Para Honoré Balzac, a literatura surgiu não apenas como expressão artística, mas como uma forma de ascensão à nobreza. A partícula 'de', aliás, foi incluída por conta própria, em 1829, logo após o falecimento de seu pai Bernard-François: na mente de Honoré, isso dava a seu nome uma sonoridade mais nobiliárquica. O problema é que, ao contrário de outros escritores notáveis de seu tempo, Balzac não teve grande suporte financeiro para desenvolver seus talentos. Após recusar a oportunidade de ser aprendiz de Direito em sua Tours natal, o então jovem aspirante às letras decidiu ir a Paris, em abril de 1819, com uma mesada familiar paupérrima que duraria apenas um ano.
Desde o início, Balzac teve que se virar. E isso, além de dar a ele uma visão profunda e multifacetada sobre a natureza humana, rendeu uma série de boas histórias para seus cronistas futuros. Na juventude, escreveu histórias escandalosas de consumo rápido, fazendo uso de pseudônimos, e envolveu-se em uma série de projetos ligados (ou não) à literatura; nenhum deles deu certo, e as dívidas acumuladas o perseguiriam por toda a vida. Embora bem quisto por seus contemporâneos, em especial os colegas de escrita, Balzac não era muito de frequentar a alta roda parisiense: mesmo que eventualmente estivesse disposto a deixar de lado a personalidade reservada, o fato é que ele não tinha muito tempo para socializar.
A puxada rotina de trabalho de Balzac tornou-se lendária. Diz-se que preferia fazer uma refeição leve ao fim do dia e deitar-se logo ao anoitecer, para sair da cama no começo da madrugada. Com o silêncio da noite como aliado, disparava a escrever de forma quase impulsiva. Após rabiscar até não aguentar mais, se dedicava a corrigir as provas do que tinha escrito no dia anterior, não raro fazendo longas correções que enlouqueciam seus editores. Em uma dessas jornadas noite adentro, escreveu a novela O ilustre Gaudissart em um único dia - o que, segundo cálculos de especialistas, dá uma média impressionante de mais de 33 palavras escritas por minuto. Em outros momentos, com as contas batendo à porta, adotava regimes ainda mais desgastantes: em uma nota que tornou-se célebre, lamentava ter sido forçado a trabalhar por longas 48 horas, sem dormir e quase sem pausas para respirar.
Para dar conta de semelhante ritmo produtivo, o escritor recorria ao café. Muito, muito café, e muito, muito forte: talvez desse até para usar a bebida como tinta, caso a pena de Balzac precisasse de um reforço nesse sentido. Em seu Tratado dos excitantes modernos, o autor fala sobre o poder estimulante de comer o pó do café puro, às colheradas, no máximo diluído em algumas poucas gotas de água - um método que ninguém haverá de duvidar ter sido experimentado pelo próprio Balzac em situações de maior desespero.
A nobreza literária veio, mas a duras penas. Seu primeiro sucesso, Eugénie Grandet, só viria em 1833, depois de mais de 30 obras publicadas, e nunca fez dinheiro suficiente para zerar as dívidas. Seu longo relacionamento com a nobre polonesa Evelina Hanska foi igualmente angustiante: ela era casada e, mesmo depois da viuvez, uma série de obstáculos atrasou o matrimônio com Balzac. Quando finalmente se casaram, em março de 1850, a saúde do escritor já estava deteriorada; cinco meses depois, destroçado pela gangrena e por problemas cardíacos, Balzac faleceu. Uma vida dedicada a seu trabalho, em uma intensidade que poucos artistas poderão (ou mesmo desejarão) igualar - mas que, ainda bem para nós, rende intermináveis horas de leitura, no melhor sentido possível.