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audiovisual

- Publicada em 08 de Agosto de 2020 às 02:09

Fran Rebelatto conta histórias de mulheres trabalhadoras em documentário

Com estreia prevista para dezembro, 'Pasajeras' foi roteirizado e filmado como uma ficção

Com estreia prevista para dezembro, 'Pasajeras' foi roteirizado e filmado como uma ficção


LUCIANA BASEGGIO/DIVULGAÇÃO/JC
Com estreia prevista para dezembro, o documentário Pasajeras é o primeiro longa-metragem da fotógrafa e professora universitária Fran Rebelatto como diretora e roteirista. Com o tema da fronteira atravessando todo o seu processo formativo desde a graduação em Jornalismo na UFSM, a realizadora gaúcha - hoje docente da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila), em Foz do Iguaçu - está trabalhando na fase de pós-produção da obra. 
Com estreia prevista para dezembro, o documentário Pasajeras é o primeiro longa-metragem da fotógrafa e professora universitária Fran Rebelatto como diretora e roteirista. Com o tema da fronteira atravessando todo o seu processo formativo desde a graduação em Jornalismo na UFSM, a realizadora gaúcha - hoje docente da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila), em Foz do Iguaçu - está trabalhando na fase de pós-produção da obra. 
Apesar de ser um documentário, Pasajeras foi roteirizado e filmado como uma ficção. A obra é “sobre a vida de quatro mulheres trabalhadoras da fronteira - que são as personagens centrais -, mas também de outras mulheres trabalhadoras no entorno delas. Partimos da história de Soledad, que é paraguaia, bailarina, professora de dança e ‘pasera’. O filme vai tratar destas várias camadas e papéis assumidos pelas mulheres nas suas relações inter-geracionais, na relação entre mães e filhas. Também serão personagens centrais a indígena maká Susy, a comerciante paraguaia Felicia e a pasera/comercinante brasileira Maria”, explica Fran.
Sobre o título do documentário, a diretora destaca que ele deriva do encontro entre a atribuição que se dá às mulheres que transportam mercadoria, ou seja, ‘paseras’, e a ideia de passagens-cruzamentos, por isso Pasajeras: “Sem tradução para o português, pois a ideia é assumir mesmo a escrita, a grafia e o sentido em portunhol. Diria que o nome foi uma das primeiras coisas a nascer no filme, logo de imediato, no início do projeto, ele surgiu e se consolidou... Nunca mais deixou de ser Pasajeras”.
O filme mostrará a fronteira e as rotinas dessas mulheres por meio de três dispositivos cinematográficos: um olhar observacional sobre o cotidiano delas com a encenação de situações de trabalho e na convivência familiar; a narrativa de lendas da região que estão baseadas nas histórias de duas mulheres indígenas (Jupira e Naipi, que levam a um olhar sobre a paisagem da fronteira); e ainda um espaço afetivo no qual as mulheres relataram suas histórias num olhar íntimo à câmera.
Outro aspecto a ser destacado na trajetória de Pasajeras é que se os rostos femininos são o foco na tela, por trás das câmeras também há muito esforço colaborativo de profissionais do gênero feminino. Fran reconhece que queria muito viver a experiência de ter uma equipe majoritariamente de mulheres realizadoras, especialmente trabalhar com as colegas docentes e com estudantes mulheres da Unila. “Penso que a práxis cinematográfica, ou seja, a relação entre um pensamento sobre o cinema e sua realização tem um lugar privilegiado de encontro no set de filmagem e na sala de montagem. Então, foi muito importante essa vivência de nos deslocarmos da sala de aula, das nossas pesquisas acadêmicas, para comungar de um espaço de realização cinematográfica, estabelecendo, assim, vínculos ainda mais profundos entre nós professoras/realizadoras.”
Ela ressalta que as colegas professoras são profissionais com longa trajetória na realização: “Virginia Osório Flores, montadora do filme, tem uma trajetória com mais de 100 longas. Tainá Xavier é diretora de arte com produção em Cinema e Televisão, bem como Kira Pereira, que fez a captação de som, já trabalhou muito nesta função no cinema, especialmente em documentários”.
Também participaram do projeto mulheres profissionais do cinema e do audiovisual de outras partes do Brasil, que a diretora foi conhecendo neste percurso: “O filme é produzido, por exemplo, pela produtora porto-alegrense Vulcana Cinema e tem como produtora-executiva Jéssica Luz – uma produtora porto-alegrense muito generosa e que abraçou o filme e a fronteira nesta empreitada. Ainda contou com a direção de fotografia de Luciana Baseggio do Coletivo DAFB (Diretoras de Fotografias Brasileiras) e com a produção de Nay Araújo, que é brasileira, mas hoje vive em Portugal”.
Fran diz que se desafiou a ter uma equipe de mulheres no set por que, na sua trajetória, sempre trabalhou em sets em que a maioria das pessoas eram homens, especialmente, nos papéis de ‘cabeças de equipe’: “Ainda mais na minha área, que é a direção de fotografia. Então, considerei importante tensionar esta forma histórica de se fazer cinema e realocar esses papéis, agora, em mãos/ideias de mulheres, especialmente em um filme no qual contamos histórias de mulheres trabalhadoras. Acredito que isso proporcionou uma empatia e confiança maior por parte das personagens ao estarem em um ambiente de filmagem entre outras mulheres. Este encontro entre mulheres trabalhadoras do cinema e mulheres trabalhadoras da fronteira se deu de uma forma muito generosa e bonita”.

Desenvolvimento de projetos com perspectiva de integração latino-americana

Diretora (de óculos) contou com equipe de diversas profissionais mulheres

Diretora (de óculos) contou com equipe de diversas profissionais mulheres


PRODUÇÃO PASAJERAS/DIVULGAÇÃO/JC
Confira a entrevista com a roteirista, diretora e fotógrafa Fran Rebelatto, que leciona na Unila - uma universidade que fica numa cidade de grandes fronteiras internacionais - Foz do Iguaçu (PR). Nascida em um município do Norte do Estado do Rio Grande do Sul, formou-se em Comunicação e fez mestrado em Santa Maria. Porém, que a ouve falar não diz que seu sotaque é de gaúcha. Ela também faz doutorado no Programa de Pós-Graduação em Cinema e Audiovisual na Universidade Federal Fluminense (UFF), com um estudo que tem um recorte de filmes que tensionam as noções de fronteira.
JC – Panorama: No teu Vimeo, há um teaser de um projeto de extensão da Unila realizado nos bairros de Foz do Iguaçu com mulheres que trabalham em confecções de moda e bijuterias. Teu novo longa, Pasajeras, tem alguma relação com essa atividade?
Fran Rebelatto – O curta-metragem Fronteira-mulher: um ensaio é um trabalho específico da relação da universidade, a extensão e a fronteira, a partir da experiência da colega Karine. Foi um ensaio para o Pasajeras no sentido de nos ajudar a entender melhor a realidade deste território, quais seriam os cuidados e preocupações na hora da filmagem, além de nos aproximar de algumas personagens que depois viriam a ser personagens do Pasajeras. Mas não estão diretamente ligados, são projetos diferentes. Este curta foi contemplado pelo Edital Doc Futura, do Canal Futura, em 2018.
Panorama - Pasajeras participou do Ibermedia? Qual a importância desse programa de fomento? O que ele possibilita?
Fran – O projeto do filme participou de vários laboratórios de desenvolvimento de filmes, entre eles, o Ibermedia no Peru, que foi uma instância fundamental para troca de referências, especialmente por que contei com o olhar e a ‘assessoria’ do cineasta colombiano Luis Ospina (que infelizmente faleceu no ano passado) e que é um cineasta com uma trajetória muito particular e intensa no documentário latino-americano.
Participar do laboratório do Ibermedia é uma chancela importante para a vida e caminhada do filme. Também participei do GenderLab no Festival de Direitos Humanos no México, em laboratório de pitching e Mercado Audiovisual do Festival de Cinema de Brasília e do laboratório do Festival de Vídeodanza de Buenos Aires, onde recebemos o prêmio de legendagem. Todos esses espaços são fundamentais para que o filme vá crescendo, para que possas ir te confrontando com outras percepções sobre as diferentes formas de narrar, de contar a história. Ao mesmo tempo, são espaços na qual conhecemos realizadores de várias países, projetos, suas ideias, e de forma generosa e coletiva possamos ir construindo os filmes juntos/as.
Importante dizer que o filme Pasajeras foi contemplado com o apoio financeiro do Edital Rumos Itaú Cultural em 2018-2020.
Panorama - O longa já foi todo filmado, está na fase de definição de último corte. Como se sabe, a montagem é muito definitiva para um documentário. Quais são tuas influências enquanto documentarista? Em que fontes bebes, quais são as escolas que segues?
Fran – Tenho algumas referências cinematográficas que não necessariamente se manifestam em todas as escolhas estéticas do filme Pasajeras, mas que se manifestam nas minhas escolhas estéticas, políticas e na forma como posiciono a câmera na vida e no mundo. Entre estas referências, está Paz Encina (cineasta paraguaia), que tem uma sensibilidade particular para contar histórias e sua relação com a memória e com o tempo. Também me inspira muito o trabalho da cineasta francesa Agnès Varda e do cineasta iraniano Abbas Kiarostami - com quem tive oportunidade de estudar e filmar brevemente na Escuela Internacional de Cine y Television (em Cuba), em 2016.
Não sigo escolas, nem tendências e/ou me cristalizo em torno de referências específicas, gosto de contar histórias por meio das mais diferentes linguagens: fotografias, escrita (especialmente crônicas, ensaios, poesias) e o cinema. Sou uma leitora voraz de literatura e assisto as mais diversas referências cinematográficas, mas claro que, gosto, por exemplo, muito do cinema iraniano e, acredito que o cinema contemporâneo brasileiro tem nos mostrado filmes muito importantes para conhecer e refletir o Brasil.
Panorama - Quais disciplinas ministra na Unila, focadas em fotografia? Esta foi tua trajetória profissional?
Fran – Na Unila, sou professora de fotografia/direção de fotografia no curso de Cinema e Audiovisual, mas também dou aula em outras disciplinas como Projetos Audiovisuais transnacionais e Televisão, colaboro com Fundamentos de América Latina, me interessa muito esta área de desenvolvimento de projetos audiovisuais com perspectiva latino-americana e processos de integração. Comecei minha trajetória como fotógrafa still, passei pelo fotojornalismo, pela fotoetnografia, trabalhei como cinegrafista e depois, no cinema, tenho atuado mais como diretora, roteirista e produtora.
Apesar de dar aula de direção de fotografia e de fazer parte de um grupo nacional de Pesquisa em Cinematografia, Expressão e Pensamento (acabamos de lançar site e também um livro que está disponível na página), não tenho atuado muito como diretora de fotografia diretamente nos sets de filmagem.
Panorama - Trabalhaste com o diretor colombiano Juan Zapata, quando ele filmava no Estado? 
Fran – Trabalhei um tempo com a Produtora Zapata Filmes, sim. Antes de trabalhar na TVE do RS, tive a oportunidade de realizar alguns projetos na produtora, especialmente, no filme Simone. A Zapata Filmes foi um espaço importante também para pensar e aprofundar essa relação com a América Latina.
Panorama - És membro do Fórum Entre Fronteiras - fórum itinerante de produção audiovisual entre Argentina, Brasil e Paraguai. Podes fazer uma retrospectiva breve e explicar pro leitor como é que este assunto começa a ser tão importante na tua carreira? Tem a ver com trajetória pessoal? 
Fran – Sim, a questão/tema fronteira atravessa todo meu processo formativo desde a graduação em Jornalismo na UFSM. Em 2006, tive a oportunidade de participar do Projeto Rondon, na qual com um grupo de estudantes da UFSM, fomos desenvolver projetos na fronteira do Brasil com Colômbia e Peru, na cidade de Tabatinga, na Amazônia. Ao chegar lá e perceber a complexidade de um território de fronteira, fiquei muito impressionada inicialmente o que me fez mudar as percepções geográficas, culturais e políticas do Brasil.
Nunca tinha estado em uma fronteira, nem mesmo as do Sul do Brasil. Ao retornar para a universidade, depois desta vivência na Amazônia, imediatamente comecei a pesquisar sobre as fronteiras territoriais e sua relação com a mídia, por meio da fotografia. Primeiro pensando como a grande mídia representava estes territórios (todos as marcas dos estereótipos e julgamentos destes territórios sob a perspectiva das contravenções, de um território de ilegalidades, etc), depois me propus a conhecer as "nossas" fronteiras ao Sul entre Brasil, Argentina e Uruguai e entender outras formas de compreensão e manifestação da fronteira.
No mestrado em Ciências Sociais, ainda na UFSM, me encontrei com a professora/pesquisadora Luciana Hartmann (minha orientadora), que tinha projetos muito importantes sobre os contadores de histórias das regiões de fronteira e, com ela, propomos realizar dois documentários. Foi o que me levou ao Fórum Entre Fronteiras. Bom, tudo isso me levou a querer estar na Unila, a pensar em filmes sobre trabalhadores/as e realidades de fronteiras, e agora, anos depois, no doutorado, me debruço em uma filmografia contemporânea que tem personagens e histórias que cruzam estas fronteiras entre Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai.
O projeto de doutorado fecha um ciclo formativo na qual, neste percurso, vou mudando minha percepção teórico/prática sobre as relações fronteiriças (seus aspectos geográficos, políticas e culturais) e suas manifestações sobre diferentes linguagens.
Saí do Jornalismo, passei pelas Ciências Sociais e hoje estou no Cinema e Audiovisual. Estes diferentes campos do conhecimento vão amalgamando uma formação interdisciplinar que me ajuda a entender melhor a realidade concreta, bem como, areja meu olhar para contar outras e novas histórias...
Panorama - Em uma live recente sobre Cinema de Fronteira, leste um manifesto belo e forte sobre as mulheres da região, falando dos cabelos negros, de sangue guarani, paraguaio, argentino, brasileiro, árabe – de costas marcadas pelo trabalho, do ventre marcado pela violência, de sonhos de cataratas, de bolsas com desenhos dos filhos.
Fran – O poema Manifiesto de la Mujer Transfronteriza foi escrito por mim durante o processo de pesquisa do filme Pasajeras. Não só este, se não que, por fim, estou por lançar um breve livro de poesia que se chama Fronteriza e que foi sendo escrito durante este processo de pesquisa/filmagem, especialmente em 2019. 
Panorama - Estás bem ativa nas redes sociais, participando de vários debates on-line. Para ti, essa presença nas lives é um compromisso social do momento, enquanto professora, realizadora, pesquisadora?
Fran – Estou bem ativa nas redes sociais, porque além de pesquisadora, realizadora e professora, sou também militante comunista e sindicalista, então me preocupo sim em contribuir neste momento com reflexões que nos ajudem a entender a realidade para poder criarmos estratégias de transformá-la. A imposição da comunicação e, desta nova ‘normalidade’, pelos meios virtuais não deve ser encarada de uma forma romântica, sem crítica e cuidado, no entanto, é preciso também ocupar este espaço, disputar narrativas e sensibilidades, se aproximar das pessoas e contribuir com outras leituras possíveis do que estamos vivendo, resistir sempre, e claro, avançar no sentido de outro projeto societário.
Eu acredito muito que a pandemia nos revelou o que existe de mais cruel no capitalismo que é a desumanização das nossas relações sociais mediadas pelo capital, e precisamos juntos/as pensar em como transformar tudo que está aí e dar outro sentido para a vida, outro sentido para nossas relações sociais. Espero que meus filmes, fotografias e escritos possam colaborar um pouquinho para avançarmos neste sentido de transformação!