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Cultura

- Publicada em 14 de Julho de 2020 às 20:48

"Brasil é muito maior do que as capitais", afirma R. Tavares

Em 'Ainda que a terra se abra', seu novo livro, escritor gaúcho faz literatura regional conectada aos dias atuais

Em 'Ainda que a terra se abra', seu novo livro, escritor gaúcho faz literatura regional conectada aos dias atuais


DIONES ALVES/DIVULGAÇÃO/JC
Igor Natusch
Talvez seja hora de a literatura gaúcha voltar para o campo. Embora não seja, é claro, um manifesto nesse sentido, o livro Ainda que a terra se abra (Taverna, 160 págs.), de R. Tavares, traz essa necessidade de retorno dentro de si, em mais de um sentido. A história de Martín, filho da Fronteira gaúcha que parte para virar professor em Brasília e só retorna quando do enterro do pai, é o retrato de um Brasil que, talvez, tenha se deixado fascinar demais pelo urbano. E, em cada surpresa do personagem com um mundo rural que se vira muito melhor do que ele imaginava, talvez seja possível enxergar uma analogia com a própria literatura contemporânea, que ainda se apega à metrópole como cenário exclusivo da modernidade.
Talvez seja hora de a literatura gaúcha voltar para o campo. Embora não seja, é claro, um manifesto nesse sentido, o livro Ainda que a terra se abra (Taverna, 160 págs.), de R. Tavares, traz essa necessidade de retorno dentro de si, em mais de um sentido. A história de Martín, filho da Fronteira gaúcha que parte para virar professor em Brasília e só retorna quando do enterro do pai, é o retrato de um Brasil que, talvez, tenha se deixado fascinar demais pelo urbano. E, em cada surpresa do personagem com um mundo rural que se vira muito melhor do que ele imaginava, talvez seja possível enxergar uma analogia com a própria literatura contemporânea, que ainda se apega à metrópole como cenário exclusivo da modernidade.
"Nossos interiores são parecidos. Eu tenho muitos leitores do Rio Grande do Norte, da Bahia, de Minas Gerais, do Pará", enumera Tavares, em conversa com o Jornal do Comércio. De fato, o escritor calcula que 70% dos compradores de seu livro anterior, Andarilhos (2017), sejam de fora do Rio Grande do Sul. "Nunca quis ficar marcado como escritor de livros sobre homens a cavalo, mas acabei me dando conta de que o Brasil é muito maior do que as capitais. Na literatura brasileira contemporânea, geralmente não vemos essa população do interior representada", reflete.
O processo de criação de Ainda que a terra se abra começou há três anos, quando Tavares leu uma reportagem sobre os chamados neo-rurais, pessoas que estavam saindo das grandes cidades para uma nova vida no interior. A partir da pesquisa que se seguiu, o autor se deu conta de que a experiência literária gaúcha pouco, ou nada, tinha dito a respeito desse fenômeno. "A Trilogia do gaúcho a pé, do Cyro Martins, por exemplo, avançou até o êxodo rural, mas o que aconteceu depois disso não tinha sido abordado", afirma.
Uma lacuna que, é claro, não deixaria de ter efeitos sobre a imaginação do escritor. Aliás, o próprio Tavares é parte dessa história: nascido em Bagé, ele hoje reside em Porto Alegre. Ao invés de fazer o caminho de volta de mala e cuia, como diria o clichê, ele retorna ao pago em força criativa, adotando um estilo seco, de frases curtas e sem espaço para floreios estilísticos.
Escrever livros de caráter rural capazes de dialogar com a atualidade é uma preocupação que R. Tavares carrega desde o começo da carreira. Ao anunciar Andarilhos em seu site pessoal, ele adotou a descrição 'literatura regional contemporânea' - um termo que, desde então, virou quase uma declaração de princípios.
"Quando tive contato com o (escritor português) José Luis Peixoto, soube que ele era conhecido em Portugal como o escritor das ruralidades. Um autor contemporâneo, que escolheu contar histórias universais, mas usando aqueles cenários e gentes do interior. Isso virou uma chave em mim", admite. "Muitas vezes, quem lê a descrição 'literatura regional' acha que é um autor dos anos 1930, ou que eu estou emulando a linguagem daqueles autores. Essa necessidade de nos colocar em uma prateleira acaba sendo também uma forma de nos esconder. Estamos aqui, no contemporâneo, e podemos contar histórias que não sejam datadas sobre os interiores."
O lançamento de Ainda que a terra se abra acabou sofrendo com a chegada do novo coronavírus, vendo-se limitado ao virtual. Recentemente, aconteceu uma dessas atividades, em uma live ao lado de Bárbara Krauss, do canal de YouTube B de Barbárie.
Tavares tem realizado também um videocast semanal, ao lado do escritor gaúcho André Timm, em que conversa com autores do País inteiro para discutir a criação literária em tempos de distanciamento social. Iniciativas que, como diz o próprio, buscam mantê-lo no controle da própria trajetória. "Tento ter uma visão de escritor empreendedor, sabe? Não acredito que o trabalho do escritor acabe quando ele entrega o original, e acho que não posso ficar dependendo de ninguém para fazer o livro acontecer", explica.
Tavares também é um dos proponentes do FestFronteira Literária, que acontece diariamente em Bagé e que, posteriormente, deve ser estendido a outros municípios gaúchos. A edição deste ano, marcada para abril, foi cancelada em decorrência da pandemia. Mas o cancelamento teve um desdobramento positivo: em parceria com o curso de Letras da Unipampa, foi criado um curso de extensão on-line, voltado a professores da rede pública e que qualifica profissionais para usar a literatura brasileira contemporânea em sala de aula. Mais um sinal de que, quando necessário, o interior sabe muito bem buscar o moderno e se reinventar.
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