Corrigir texto

Se você encontrou algum erro nesta notícia, por favor preencha o formulário abaixo e clique em enviar. Este formulário destina-se somente à comunicação de erros.

Cultura

- Publicada em 08 de Junho de 2020 às 19:20

Veronica Stigger reflete sobre ambientes de escrita, dentro e fora de casa

Escritora fala sobre a arte de escrever em tempos sombrios

Escritora fala sobre a arte de escrever em tempos sombrios


/EDUARDO STERZI/DIVULGAÇÃO/JC
Igor Natusch
Para Veronica Stigger, o distanciamento social imposto pelo novo coronavírus vai além do prejuízo à convivência com outros seres humanos. No caso da escritora e curadora, o próprio processo criativo viu-se rompido ao meio. "Para mim, o trabalho de criação se dá no confronto com a realidade, e, para isso, sinto muita necessidade de estar no mundo", admite, em conversa com o Jornal do Comércio.
Para Veronica Stigger, o distanciamento social imposto pelo novo coronavírus vai além do prejuízo à convivência com outros seres humanos. No caso da escritora e curadora, o próprio processo criativo viu-se rompido ao meio. "Para mim, o trabalho de criação se dá no confronto com a realidade, e, para isso, sinto muita necessidade de estar no mundo", admite, em conversa com o Jornal do Comércio.
Meses de isolamento quase absoluto são uma novidade na vida de Veronica. Como ela própria diz, seu recolhimento criativo podia acontecer em qualquer lugar. "Não foram poucas as vezes que escrevi na rua, em ônibus, em trens, em aviões, em praças... Seja em blocos, seja no meu próprio computador, um notebook velho e pesado que levo para toda parte. Não perdia, por exemplo, nenhuma chance de acompanhar meu marido, Eduardo Sterzi, que dá aulas na Unicamp, em Campinas, para poder, debaixo das árvores do campus, trabalhar. Foi lá, aliás, que escrevi vários capítulos e revisei meu romance Opisanie swiata (2013)", conta.
As imposições de saúde, é claro, mudaram isso tudo. Mas a autora - que lançou, no ano passado, pela editora Todavia, o volume de histórias Sombrio ermo turvo - tenta enxergar essa limitação temporária não como agonia, mas como contingência. "Por mais que sinta muita falta do contato com o mundo, sei que, se podemos, devemos, agora, ficar em casa - até para proteger os outros que não podem. E assim ficarei até que isso passe. Sou facilmente adaptável. O mais angustiante de estar confinada é a espera: esperar para saber no que vai dar. Não só no plano epidemiológico, mas no plano político."
Seja como for, os problemas não se limitam à falta do ambiente externo para criar. "É difícil se concentrar quando a raiva e a tristeza são os grandes sentimentos dessa quarentena", lamenta, deixando clara sua insatisfação com os rumos políticos e de saúde do País. "Como se não fosse o bastante estarmos enfrentando uma das pandemias mais graves em 100 anos, temos que lidar com um verme fascista que debocha dos mortos. Em certa medida, tornou-se realidade o que víamos nos filmes-catástrofe. Tem sempre um imbecil que não acredita na gravidade da ameaça. No caso do Brasil, o imbecil está na presidência. Acho que ninguém, seja escritor ou não, está preparado para essa dupla catástrofe, da epidemia e do desgoverno", desabafa.
Mas quem é que disse que escrever seria uma coisa simples? De certa forma, juntar palavras para criar sentidos é uma tarefa ainda mais necessária em tempos difíceis - e Veronica Stigger tem pelo menos três projetos em andamento. "Dois deles estão mais ou menos em andamento. Um, que se intitula Shark stories, é uma reunião de textos sem gênero definido, que oscilam entre ensaio, depoimento e ficção. Outro, que tem o título provisório de Krakatoa, será sobre vulcões e sobre a Indonésia, também sem gênero definido", explica. "O terceiro é O satanista, uma novela, que há anos planejo escrever. Para este, tenho muitas anotações, mas pouco texto já elaborado. Queria ter disposição para levá-lo adiante, porque, dos três projetos, é aquele que aponta para o que mais nos falta agora, alegria, mas, como diz Vladimir em Esperando Godot, 'não se pode nem mais rir'".
Talvez seja mesmo assim. Mas ainda se pode escrever - ao menos por enquanto. E Veronica enxerga, na escrita, uma responsabilidade extra em tempos de angústia, caos político e incerteza. "O escritor é, antes de tudo, um cidadão - e um cidadão que tem, em certo sentido, uma visibilidade maior. Por isso, creio que, como cidadão, não pode perder uma oportunidade sequer de denunciar os desmandos do governo Bolsonaro, que só agravam a crise que vivemos e nos colocam numa situação tal que não sabemos mais quando poderemos - se é que poderemos - sair dessa", diz, convicta.
Palavras são, afinal de contas, um terreno em disputa, quase um campo de batalha - tanto na frase de quem cria quanto na mente de quem lê. E o que teria Veronica Stigger a sugerir ao leitor em busca de uma fagulha que acenda a chama, capaz de aquecer o inverno (real e metafórico) que nos cerca? "Se a pessoa quiser ficar mais angustiada, recomendo os geniais O mez da grippe, de Valêncio Xavier, e Esperando Godot, de Samuel Beckett. Se quiser colocar os clássicos em dia, fique com Clarice Lispector e comece com o mais divertido de todos: A hora da estrela. Se não leu Roberto Bolaño, a hora é agora, e entre logo de cabeça nos dois volumões: Os detetives selvagens e 2666."
Conteúdo Publicitário
Leia também
Comentários CORRIGIR TEXTO