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Cultura

- Publicada em 27 de Maio de 2020 às 19:16

A sublime imperfeição dos contos de Sérgio Sant'Anna

Falecido no dia 10 de maio, escritor ergueu-se como um dos nomes mais importantes do gênero

Falecido no dia 10 de maio, escritor ergueu-se como um dos nomes mais importantes do gênero


CHICO CERCHIARO/COMPANHIA DAS LETRAS/DIVULGAÇÃO/JC
Igor Natusch
A literatura brasileira despediu-se, neste mês, de um de seus contadores de histórias mais peculiares. Falecido no último dia 10, em decorrência da Covid-19, o escritor Sérgio Sant'Anna era amplamente reconhecido como um dos principais nomes do conto brasileiro - um gênero muitas vezes relegado a segundo plano no mercado, em detrimento do romance, mas no qual o País possui uma tradição das mais ricas. Aos 78 anos, o autor carioca continuava produzindo (seu livro mais recente, Anjo noturno, é de 2017), e seguia fiel a um dos pilares máximos de sua obra: a vontade incansável de explorar novas trilhas criativas.
A literatura brasileira despediu-se, neste mês, de um de seus contadores de histórias mais peculiares. Falecido no último dia 10, em decorrência da Covid-19, o escritor Sérgio Sant'Anna era amplamente reconhecido como um dos principais nomes do conto brasileiro - um gênero muitas vezes relegado a segundo plano no mercado, em detrimento do romance, mas no qual o País possui uma tradição das mais ricas. Aos 78 anos, o autor carioca continuava produzindo (seu livro mais recente, Anjo noturno, é de 2017), e seguia fiel a um dos pilares máximos de sua obra: a vontade incansável de explorar novas trilhas criativas.
Seu primeiro volume de contos, O sobrevivente (1969), teve pequena tiragem, financiada com dinheiro que tomou emprestado de seu pai - e que nunca pagou. A obra não estava entre as favoritas do próprio autor: para ele, tudo nela era muito imaturo, e só autorizou sua republicação depois de muita insistência de sua editora, Companhia das Letras, e apenas como parte de antologias.
Uma resistência que não deixa de ser curiosa, vinda de alguém cuja obra sempre esteve ligada à potência criativa do erro - "existe algo de rígido, morto, na perfeição", diz o narrador em Páginas sem glória (2012), uma das mais festejadas novelas de Sant'Anna. Mesmo porque esse material de um escritor aprendiz foi fundamental para o maduro e destemido trabalhador das palavras que surgiu. Graças à obra O sobrevivente, Sant'Anna ganhou uma bolsa na Universidade de Iowa, nos Estados Unidos, e começou a desenvolver pontos fundamentais de sua literatura posterior - em especial, a profunda fascinação pela plasticidade do teatro.
A partir de Notas de Manfredo Rangel, repórter (1973), começou a afirmar-se como um dos principais nomes da moderna literatura brasileira. A regularidade de lançamentos, com obras publicadas quase religiosamente a cada dois ou três anos, contrasta com a disposição permanente para testar os limites da linguagem.
Embora tenha se movimentado com qualidade pelo romance e pela poesia, foi no conto em que mais se destacou, usando a escrita para descartar todos os formalismos em nome do diálogo (por vezes, à beira da desconstrução) entre olhares, linguagens artísticas e gêneros narrativos. Volumes mais recentes, como O voo da madrugada (2003) e Páginas sem glória (2012), são quase tão festejados quanto obras clássicas, como Confissões de Ralfo (romance, 1975), Amazona (novela, 1986) e O concerto de João Gilberto no Rio de Janeiro (contos, 1983).
"Ele dizia que gostava muito de ir a museus, ver exposições de pintura etc., porque sempre saía desses lugares com muitas ideias para escrever", comenta Arthur Telló, escritor e professor da Escola de Humanidades da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (Pucrs). Em sua visão, o uso que Sant'Anna fazia da arte como mediação da realidade anda lado a lado com a exaltação do imperfeito como potência criadora. "É subjetivo, claro, mas penso que ele é um dos escritores que melhor soube colocar os adjetivos na literatura brasileira. Graças a isso, conseguia criar contos que são quase poemas, devido ao trabalho da frase", explica.
Sérgio Sant'Anna faz parte de uma geração de autores de vanguarda, ao lado de nomes como Osman Lins, J. J. Veiga e Hermilo Borba Filho. Arthur Telló explica que, em especial a partir dos anos 1980, essa vertente literária foi perdendo espaço no mercado, na medida em que este se estruturou em torno de um realismo mais convencional. "Ao contrário de escritores como Rubem Fonseca, que teve grande sucesso de vendas, Sant'Anna acaba ficando um tanto circunscrito a esse âmbito de escritor para escritores, um pouco como Mario Levrero no Uruguai. Dentro da academia, ele acaba sendo uma presença estranha e, até certo ponto, incômoda, dentro dessa espécie de batalha entre correntes de vanguarda e realistas que existe na literatura brasileira."
Nos últimos tempos, o autor seguia com uma produção intensa, adotando um tom mais memorialista em seus escritos. Além disso, mantinha presença regular nas redes sociais, engajando-se sem reservas no debate político. "Sérgio Sant'Anna é um de nossos maiores escritores contemporâneos e era uma pessoa formidável, que não se furtava a se posicionar contra o governo fascista de Jair Bolsonaro", afirma a escritora e crítica de arte Veronica Stigger.
Uma admiração que, é claro, ganhou também ares de aprendizado, e que tem muito a ver com o modo como o autor juntava as palavras para criar sentidos e sensações. "Lendo seus textos ficcionais (e não sei de qual deles gosto mais), aprendi que é fundamental ser preciso na linguagem empregada, quase cirúrgico, e que não há possibilidade de escrita sem imaginação e sem experimentação", comenta.
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