Em meio aos inúmeros gêneros da música, o samba talvez seja um dos que melhor ergue a ponte entre a dor e a animação, a tristeza e o espírito leve. Além de, é claro, ser um universo familiarizado com o posicionamento político. Tudo isso está no coração de Líder corrompido, do músico e compositor Augusto Britto, canção que será lançada como single nas plataformas digitais no dia 9 de junho. Com participação de Nei Lisboa e do grupo Samba e Amor, a faixa traz uma crítica profunda aos recentes rumos da política brasileira. O lançamento é da Loop Discos.
Além de transformar em música a angústia diante da negligência de nossos governantes diante dos sofrimentos da população, a música marca um momento importante na trajetória artística de seu autor. Formado em Música na Ufrgs, Augusto Britto já acumula realizações em 28 anos de vida: é autor de um livro de poesias (Calma, já vai passar, de 2018), trabalhou na curadoria do barco Cisne Branco, em Porto Alegre, e hoje vive em Portugal, onde estuda na Universidade Nova de Lisboa. Tudo isso, é claro, sem nunca deixar o samba de lado, uma paixão que vem desde a adolescência.
Líder corrompido, explica ele, foi escrita em 2016, logo após o impeachment de Dilma Rousseff. Até virar single, a canção foi tocada ao vivo algumas vezes - entre elas, uma ao lado de Nei Lisboa, quando do lançamento do livro de estreia de Britto. A cantora Maria Luiza Fontoura, da banda Samba e Amor, também já havia cantado a música em algumas oportunidades - e foi a partir dessa intimidade que o time de intérpretes para a versão de estúdio foi tomando forma.
A gravação se deu em em fevereiro deste ano, no Estúdio Pedra Redonda, do produtor Wagner Lagemann. Além de Britto (que assume o bandolim) e as vozes de Nei e Maria Luiza, a gravação traz Lucas de Azevedo (violão), Rafa Marques (bateria), Samy Cassali (baixo) e Vorô Silva (cavaco). "A gente teve que rearranjar a música (logo antes da gravação), porque o tom (da voz) do Nei não era o tom da Malu. Ajeitamos a estrutura da música ali, na hora, enquanto o Wagner organizava o estúdio e acabamos gravando ela em dois tons diferentes. A sorte é que os músicos que chamei, além de amigos, são profissionais de altíssimo nível. No fim, foi perfeito o jeito como tudo fluiu, foi um dia bem especial e todo mundo se divertiu bastante", relembra.
A música finalizada, de qualquer modo, não traz uma mensagem que convide a risadas. O sentimento, aqui, é de insatisfação e um tanto de melancolia - explicitado, acima de tudo, no refrão: "Me revolta não poder erradicar de vez o sofrimento/ e mais que tudo não saber se quem controla tudo tá querendo".
"Não vejo (a música) tanto como uma tomada de posição, mas sim como a expressão de um sentimento que desde então só se intensifica, que é o de que nossos líderes não tem como foco principal o bem-estar do nosso povo", explica Britto. "Lembro que, naquela época (2016), fiquei pensando 'quem é esse Temer, qual o sentido desse cara no poder?', e sigo pensando isso sobre nosso atual presidente. É revoltante estar sofrendo e ouvir 'e daí?'. Preferiria dizer que foi um sentimento que tive em 2016 e que isso passou, mas as coisas só pioraram desde então, e de uma maneira que era difícil de imaginar naquela época."
Vendo as coisas a partir de Lisboa, onde cursa Línguas e Literaturas, o gaúcho acaba enxergando de perto o modo como outros olhares veem a degradação do cenário político brasileiro. "Um professor britânico que tenho na universidade comentou comigo, meio tímido, sobre a declaração que Bolsonaro tinha feito de que (o ator norte-americano) Leonardo DiCaprio tinha iniciado o incêndio na Amazônia. Ele disse que a matéria tinha saído na sessão de humor de um jornal da Inglaterra", lamenta. "É bem triste ver o jeito como as pessoas reagem quando dizemos que somos brasileiros. As pessoas nos olham como se tivessem pena."
Seja como for, agora é momento de sobreviver ao novo coronavírus. Uma tarefa que vai exigir muita força de todos que formam o ecossistema da cultura, tanto em Portugal quanto no Brasil. "Todos os músicos e artistas que eu conheço estão sem trabalho e isso é péssimo para a nossa sociedade. A cultura, no entanto, jamais vai morrer. Músicas seguem sendo tocadas e compostas, os artistas seguem dando seu recado sobre o mundo, mesmo que de casa. Torcemos para que esse momento sirva para que nossa sociedade dê o protagonismo merecido para a arte, para que políticas culturais sejam entendidas como essenciais, e que a importância da nossa cultura não volte a ser questionada, como já foi tantas vezes."