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Cultura

- Publicada em 18 de Maio de 2020 às 20:08

Luisa Geisler dá uma pausa nas palavras

Escritora diz que pandemia do novo coronavírus a afetou também como leitora

Escritora diz que pandemia do novo coronavírus a afetou também como leitora


DESIRÉE FERREIRA/COMPANHIA DAS LETRAS/DIVULGAÇÃO/JC
Igor Natusch
Diante da angústia individual e coletiva trazida pelo novo coronavírus, é natural que se busque o auxílio das palavras - seja como forma de organização interna, seja para acalmar uma mente já cansada de pensar. Para a escritora Luisa Geisler, porém, a melhor forma de lidar com a palavra, neste momento, é manter-se distante dela. Pelo menos por enquanto. "Eu sei que a inspiração vai voltar em algum momento, mas, pelo menos agora, não quero nem pensar em escrever. Não tenho vontade, não estou nem um pouco a fim", diz ela, em entrevista ao Jornal do Comércio.
Diante da angústia individual e coletiva trazida pelo novo coronavírus, é natural que se busque o auxílio das palavras - seja como forma de organização interna, seja para acalmar uma mente já cansada de pensar. Para a escritora Luisa Geisler, porém, a melhor forma de lidar com a palavra, neste momento, é manter-se distante dela. Pelo menos por enquanto. "Eu sei que a inspiração vai voltar em algum momento, mas, pelo menos agora, não quero nem pensar em escrever. Não tenho vontade, não estou nem um pouco a fim", diz ela, em entrevista ao Jornal do Comércio.
À primeira vista, pode parecer uma postura estranha, em especial, vinda de alguém cuja vida está tão profundamente conectada com a literatura. Mas, segundo a autora e tradutora, a decisão de deixar a escrita de lado tem a ver com um bloqueio ainda anterior: a incapacidade da leitura. "(A pandemia) mudou minha experiência como leitora. Fiquei um mês sem conseguir ler prosa. Li quadrinhos, poesias", explica. "Para mim, estava sendo - e continua sendo - muito difícil desligar. O narrador dizia 'então Paul saiu para jantar', e eu pensava 'mas não dá para sair para jantar'... Todos os livros que eu estava lendo pareciam livros de época", brinca Luisa.
Como a própria escritora (que lançou, em 2019, o romance Enfim, capivaras) admite, essa alteração acabou afetando todo o resto. Antes dos primeiros casos da Covid-19 no Brasil, ela estava trabalhando em um volume de contos - que agora está parado e talvez acabe dormindo durante anos na gaveta. "É bem possível que não vá ser publicado, por escolha minha. Não sei se como declaração artística ele ainda tem valor. Não entendo ainda onde minha ficção está no meio disso tudo, sabe? Se eu escrevo uma coisa que se passa antes da pandemia, é como se estivesse ignorando a cor do céu - mas, se escrevo algo pós-pandemia, também parece errado. E escrever algo que se passa durante a pandemia me parece muito óbvio. Então decidi que, por enquanto, não vou escrever."
Pausar a produção literária não deixa de ser uma grande coisa para uma autora que publicou o primeiro livro (Contos de mentira, 2010) com 19 anos e que já acumula várias obras publicadas em uma década de carreira. Mas, como explica Luisa, é preciso organizar as palavras dentro de si antes de colocá-las no papel. "Acho que estamos tentando descobrir a causa do incêndio com a casa pegando fogo. É claro que se pode lançar um olhar crítico agora, no presente, mas me pergunto se não vamos mudar de opinião semana que vem. Estou esperando o incêndio passar para confirmar, ou não, as minhas impressões", explica.
Luisa Geisler é uma das mãos que assina o romance coletivo Corpos secos - que trata, por coincidência, de uma doença que transforma pessoas em espectros humanos, sem atividade cerebral, mas sedentas de sangue. O lançamento da obra (dividida com Marcelo Ferroni, Natalia Borges Polesso e Samir Machado de Machado) acabou sendo diretamente afetado pelo coronavírus. "Foi tudo muito rápido. Eu tinha uma viagem marcada para o final de março, para conversar sobre o livro com livreiros em São Paulo, e a viagem foi cancelada na véspera. Tivemos que fazer o lançamento on-line, mas não tem a mesma graça, não dá para abraçar, para autografar", lamenta.
Uma mudança repentina que pode nos acompanhar por muito tempo - e provocar alterações significativas no ecossistema da literatura. "Acho que estamos em um cenário complicado para quem produz a literatura mais interessante, que são as editoras independentes. Temo pelas livrarias menores, de bairro. Na verdade, estamos fazendo um remendo para criar uma sensação de normalidade, com as lives, por exemplo. Mas eu sou uma otimista. Consigo ver uma recuperação, só não sei se vai ser logo."
Um otimismo de quem, mesmo admitindo as próprias incertezas, já está acostumada a buscar seu espaço em meio aos obstáculos. Com 29 anos, Luisa lida desde sempre com o rótulo de "jovem escritora" - que, por trás do aparente elogio, esconde uma eterna exigência em provar alguma coisa. "Quando dizem 'jovem de 19 anos lança livro e ganha prêmio', parece uma manchete tipo 'macaco dirige carro', não é? Algo do tipo 'você nunca imaginaria que uma jovem escreveria um livro!'", brinca ela, ao mesmo tempo em que fala muito sério.
"Eu me pergunto a serviço de que falamos em autora jovem, sabe. Meus amigos escritores homens da mesma idade não tinham esse tipo de manchete, mas enfim", diz. "Acho que só vou vencer o estereótipo de escritora jovem quando chegar aos 80 anos, porque não existe uma escritora contemporânea mulher - nem digo da minha faixa etária, mas de até 45 ou 50 anos - que não seja chamada de jovem."
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