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Literatura

- Publicada em 13 de Abril de 2020 às 20:22

Gustavo Melo Czekster fala sobre dificuldades de escrever durante o isolamento

Autor de dois livros de contos, escritor está prestes a lançar seu primeiro romance

Autor de dois livros de contos, escritor está prestes a lançar seu primeiro romance


LUIZA PRADO/JC
Talvez o leitor ou leitora pense que, para quem vive da escrita, os longos dias de isolamento trazidos pelo novo coronavírus sejam um pouco menos penosos. Afinal, escrever é uma tarefa solitária por definição, e escritores são conhecidos pelos longos períodos de reclusão antes de cada nova obra. Pois o escritor gaúcho Gustavo Melo Czekster admite que os dias não passam tão naturalmente quanto se poderia imaginar. "Achava que ficar em quarentena seria só transformar a rotina dos meus dias em algo obrigatório, mas, com o passar dos dias, está se tornando mais difícil", diz o autor.
Talvez o leitor ou leitora pense que, para quem vive da escrita, os longos dias de isolamento trazidos pelo novo coronavírus sejam um pouco menos penosos. Afinal, escrever é uma tarefa solitária por definição, e escritores são conhecidos pelos longos períodos de reclusão antes de cada nova obra. Pois o escritor gaúcho Gustavo Melo Czekster admite que os dias não passam tão naturalmente quanto se poderia imaginar. "Achava que ficar em quarentena seria só transformar a rotina dos meus dias em algo obrigatório, mas, com o passar dos dias, está se tornando mais difícil", diz o autor.
A explicação é, ao mesmo tempo, complexa e bastante simples. "Achei que o problema era a determinação de ficar preso em casa, mas agora percebo que tem a ver com um pouco de paranoia, outro tanto de angústia por não saber em quem confiar para obter informações ou dicas de segurança e um muito de preocupação por saber que estamos sendo sitiados por um inimigo invisível." Um cenário de preocupações com o qual qualquer um de nós, artista ou não, consegue se identificar.
A existência humana ameaçada é um dos principais temas de Czekster, vencedor do Prêmio Açorianos de Literatura 2017, com o livro de contos Não há amanhã. Assim, não lhe causa surpresa que muita gente veja na ficção a melhor forma de lidar com a realidade - ainda mais quando a ameaça é coletiva, difícil de compreender e potencialmente mortal.
"Quando falo de literatura de terror, geralmente começo citando uma frase de H. P. Lovecraft: 'A emoção mais antiga e mais forte da humanidade é o medo, e o mais antigo e mais forte de todos os medos é o medo do desconhecido'. Não existe melhor aplicação para essa frase do que pensá-la em uma pandemia", defende. "Não conseguimos ver o que nos ameaça. Não sabemos com clareza como evitar a doença. Não sabemos sequer se estamos doentes agora ou se ficaremos no futuro. Não existe lógica, racionalidade, pensamentos positivos ou religião que nos prepare para enfrentar o desconhecido."
Um terror para o qual as pessoas parecem rumar, ao invés de fugir: para citar apenas um exemplo, a série Pandemia (cujo tema é bastante óbvio) foi uma das mais assistidas na plataforma Netflix nas semanas posteriores ao início das medidas de distanciamento social. Talvez, como sugere Czekster, justamente para compreender um mundo que foge ao controle. "Basta acessar os noticiários para vermos pessoas lutando para estocar comida, pessoas vigiando os conhecidos, pessoas mandando outras trabalharem e se exporem ao risco, pessoas minimizando ou escondendo mortes. A pandemia está servindo para escancarar a grotesca desumanização pela qual passa a sociedade", argumenta.
Mas, voltando ao começo: o isolamento natural de quem escreve ganha novos contornos, em um momento no qual ganha evidência também o isolamento de quem lê? "Gosto de pensar na ideia do isolamento como um método de estímulo da imaginação", afirma Czekster. "Mais um estado de espírito do que uma circunstância física: podemos estar cercados de pessoas e, ainda assim, nos sentirmos isolados. A grande questão não é ceder ao isolamento e se deprimir, mas percebê-lo como um espaço privilegiado para ficarmos com nossos próprios pensamentos e reflexões."
Um procedimento que, neste momento, mais aproxima do que distancia escritores e potenciais leitores - ou imaginadores. "As respostas estão nos livros, é só procurar. Xavier de Maistre, por exemplo, escreveu no século XIX um livro chamado Viagem ao redor do meu quarto, que conta quantas reflexões, memórias e pensamentos podem sair da simples observação dos objetos presentes em um único quarto. É uma lição para os tempos atuais, sobre o quanto podemos nos redescobrir e reformular cercados pelo cotidiano", sugere.
Da sua parte, Czekster já está com um livro novo no forno. A nota amarela será seu primeiro romance, depois de dois livros de contos (o outro é O homem despedaçado, de 2011), com lançamento pela Editora Zouk. O enredo se passa inteiramente durante uma execução do Concerto para Violoncelo de Elgar, e tem como principal personagem a violoncelista Jacqueline du Pré. "Enquanto está tocando o Concerto, Jacqueline decide perseguir a nota amarela, a nota da Criação, um mito chinês que afirma que todas as coisas do universo possuem no seu interior uma pequena partícula do som original que deu origem a tudo. Neste processo de busca, Jacqueline vai acabar enfrentando seus dilemas e sofrerá as consequências de tentar se aproximar de Deus."

Cinco sugestões de Czekster para os dias de quarentena

"O bom da literatura é que tem opções para todos os estados de espírito em uma quarentena. Para quem quiser imaginar como seria o cenário mais dantesco possível de uma pandemia, vale a pena ler Diário do ano da peste, do Daniel Defoe, que conta com riqueza de detalhes e apuro jornalístico a epidemia de peste bubônica em Londres no século XVII. Também vale a pena reler os contos de Edgar Allan Poe, os quais reúnem suspense e surpresa, em especial A máscara da morte rubra, sobre um nobre que resolve fugir com seus amigos para uma ilha durante uma epidemia de cólera. Outro bom livro para ler é O último homem, da Mary Shelley, que antecipou muito Eu sou a lenda, do Richard Matheson, e conta a história do último sobrevivente de uma praga que dizimou toda a população da Terra. Alexander Púshkin também tem uma ótima peça curta de teatro, Um banquete em tempos de praga. E, para quem quiser se divertir e pensar em como usar o tempo durante a quarentena, dá para rir muito com as histórias pícaras e politicamente incorretas do Decamerão, de Boccaccio."