Corrigir texto

Se você encontrou algum erro nesta notícia, por favor preencha o formulário abaixo e clique em enviar. Este formulário destina-se somente à comunicação de erros.

Cultura

- Publicada em 23 de Março de 2020 às 19:51

Jeferson Tenório reflete sobre criação literária em tempos de quarentena

Novo romance do escritor fala justamente sobre isolamento social

Novo romance do escritor fala justamente sobre isolamento social


UFMG/DIVULGAÇÃO/JC
Igor Natusch
Para o escritor Jeferson Tenório, o recolhimento forçado causado pela chegada da Covid-19 ao Brasil é uma oportunidade para criar. Embora não seja, é claro, nas circunstâncias mais agradáveis. Enquanto milhões de brasileiros se veem forçados ao isolamento, distantes de amigos e parentes, e abrindo mão de atividades de seu agrado, os que trabalham com literatura talvez estejam mais preparados, pelas exigências de seu ofício, a suportar a longa reclusão - o que não quer dizer que ela venha sem dilemas, preocupações ou desafios.
Para o escritor Jeferson Tenório, o recolhimento forçado causado pela chegada da Covid-19 ao Brasil é uma oportunidade para criar. Embora não seja, é claro, nas circunstâncias mais agradáveis. Enquanto milhões de brasileiros se veem forçados ao isolamento, distantes de amigos e parentes, e abrindo mão de atividades de seu agrado, os que trabalham com literatura talvez estejam mais preparados, pelas exigências de seu ofício, a suportar a longa reclusão - o que não quer dizer que ela venha sem dilemas, preocupações ou desafios.
"Dentro do fazer literário, a escrita pressupõe um determinado período de solidão e recolhimento. Isso sempre fez parte do meu processo. Mas, agora, trata-se de um isolamento compulsório, não há uma escolha", explica o escritor carioca radicado em Porto Alegre, em entrevista por telefone ao Jornal do Comércio. Como a maioria dos brasileiros e das brasileiras, ele está recolhido em sua residência, saindo para a rua o mínimo possível.
As restrições impostas pelo enfrentamento do novo coronavírus já tiveram efeitos concretos para Tenório, autor dos romances O beijo na parede (2013) e Estela sem Deus (2018). Sua terceira obra, O avesso da pele, trata da morte de um professor, confundido com um criminoso em uma abordagem policial, e estava com lançamento programado para maio, pela Companhia das Letras. A incerteza que toma conta de tudo, porém, deve forçar uma mudança de planos: no momento, autor e editora estudam uma nova data, em que eventos presenciais, como lançamento e sessões de autógrafos, sejam novamente possíveis.
Se os livros não podem ser lançados como previsto, nada impede que eles sejam escritos. E a intimidade com a solidão é uma arma importante em tempos que exigem sensibilidade, garante Tenório. "Eu acho que o escritor é uma espécie de biógrafo dos sentimentos e dos afetos", afirma. "Sempre recordo-me de uma frase do Dostoiévski, que não lembro se é exatamente assim, mas que diz que talvez a tarefa de um escritor seja a de erguer uma obra em meio à devastação. Ou seja, não esperar o momento mais confortável para fazer sua literatura. É justamente nesses momentos de conflito que o escritor aparece, porque ele vai registrar, a partir da sua reflexão e observação, o que está acontecendo em torno de si e no mundo em que vive."
Os sentimentos cinzentos do nosso tempo também não são estranhos a Jeferson Tenório. Recentemente, ele ministrou a interessados em literatura o curso A construção de personagens em tempos sombrios - um ciclo voltado aos horrores autoritários do presente, mas que permite vários paralelos com a nova camada de cinza trazida pela pandemia. "Uma das primeiras coisas que tratamos (no curso) foi justamente de como - se queremos lidar com os tempos sombrios lá fora - precisamos primeiro encarar nossos próprios fantasmas, lidar com o sombrio que existe dentro de nós. E este momento de solidão (causado pela Covid-19) vai fazer inevitavelmente com que as pessoas se voltem para dentro de si", pondera.
Mais do que um recurso criativo, o isolamento é um poderoso elemento narrativo. E a leitura de exemplos clássicos - como A metamorfose, de Franz Kafka, ou O diário de Anne Frank - pode ser uma experiência enriquecedora. "Não acho que ler Kafka, ou ler Crime e castigo, de Dostoiévski, faça com que as pessoas tenham uma visão pessimista da vida: penso que é o contrário, que é reconhecer que existe esse mundo sombrio lá fora e dentro de nós que pode nos tornar pessoas melhores", explica.
E, por uma grande coincidência, o próximo mergulho de Tenório na escrita traz o isolamento quase como um dos personagens principais. É a história de uma família de cinco pessoas que se tranca, voluntariamente, dentro de casa e some dos olhares do mundo durante dois anos. "É um fato real, cinco pessoas acabaram se isolando há alguns anos em uma cidade do interior de São Paulo. Fiquei fascinado com essa história e achei que poderia modificá-la um pouco, coloquei outros elementos", argumenta o autor.
O romance, que começou a ser escrito há cerca de dois anos, acabou ficando para trás em meio à atividade como professor e outros textos literários. Agora, com a perspectiva de alguns meses dentro de casa, Tenório pretende unir necessidade e criatividade - trazendo, quem sabe, mais um relevante olhar da arte escrita sobre a alma humana entre paredes.
Conteúdo Publicitário
Leia também
Comentários CORRIGIR TEXTO