Há muitas razões para pensar que, para Leonardo Padura, escritor cubano de 64 anos, sua obra mais importante seja O homem que amava os cachorros (Boitempo, 2013). Afinal, com ela, ganhou projeção internacional, além de ter sido um desafio gigante executado com maestria.
Mas, para o autor, seu principal livro não é esse, e sim O romance da minha vida (Boitempo, 328 págs., R$ 54,00), lançado originalmente em 2002, e, agora, editado em português - com tradução de Monica Stahel - pela mesma editora. "Era uma fase boa da minha vida, em que tinha acabado a série policial com o detetive Mario Conde e me sentia aberto para abraçar um projeto completamente diferente, e acabei escolhendo este, uma investigação livre, fictícia, da vida de José Maria Heredia", afirma.
A obra é sobre um autor, nascido em Cuba, que é considerado um dos primeiros poetas românticos da América e também um dos primeiros escritores de seu país a buscar o exílio, por razões políticas. Era membro da maçonaria, pró-independência, e sua produção era marcada pela bandeira da liberdade para a ilha e de um exultante entusiasmo patriótico. Com isso, teve de se mudar para o México, onde acabou morrendo muito jovem.
"Para mim, ele é uma espécie de Lord Byron cubano", conta Padura. Mas, para capturar sua essência, preferiu adotar um estilo ficcional. Nele, logo vão surgindo semelhanças entre o protagonista, o escritor buscado e o próprio autor, como se ali houvesse um jogo de espelhos.
A história começa com o retorno de um exilado, Fernando Terry, que tem como desafio encontrar uma obra perdida de Heredia. A busca pelo manuscrito o leva a conhecer seu pensamento durante os tempos da colônia, uma Cuba que Terry não conhecia. Enquanto isso, sua trajetória vai revelando paralelos, histórias em comum a tantos cubanos, ainda que por razões distintas: o exílio, a busca por um ideal artístico e patriótico, seu lugar no mundo como habitante de uma ilha.
"Creio que ele viveu sabendo que sua vida era como um romance, por isso o comparo a Lord Byron, por isso creio que é um dos nossos primeiros românticos, e tenho uma grande admiração", diz Padura. E acrescenta: "Creio que Heredia, por sua atuação na maçonaria, por ter se engajado na independência, pelo modo como desenvolve seus textos, talvez tenha sido o primeiro cubano a ter real consciência de que era cubano".
Para ele, Heredia também inaugura um destino comum a tantos escritores cubanos - dos quais Padura é uma exceção, pois jamais deixou o bairro em que nasceu e cresceu em Havana - que é o do exílio. "Ele inaugura o exílio político, outros o seguirão, até mais célebres, como José Martí, que virou o grande prócer da independência", comenta. "No século XX, vieram, então, outros tipos de exílio, dos que estavam contra ou simplesmente eram perseguidos pela Revolução aos que buscam vidas melhores. O exílio é uma constante na literatura cubana. Mas o interessante de mergulhar na vida de Heredia é que, naquela época, essa tradição não existia, ele abriu e trilhou sua própria vida, ou seu próprio romance, como ele gostava de dizer."
O romance da minha vida acabou rendendo frutos além das páginas do livro. Um fragmento da obra serviu de inspiração para o filme Regresso a Ítaca, dirigido pelo cineasta francês Laurent Cantet, com roteiro escrito a quatro mãos com Padura. O longa se passa em um terraço em Havana, num fim de tarde em que amigos se reúnem para comemorar o retorno de um deles, depois de um exílio. O encontro dura toda a noite, recheado de lembranças de cada personagem e de suas ilusões e desilusões.
O escritor cubano esteve em Porto Alegre em agosto para lançar o romance A transparência do tempo (Boitempo, 374 págs.), durante o projeto da Secretaria Municipal da Cultura Os livros de nossa vida, em parceria com o Instituto Cervantes. Dois anos antes, foi conferencista do ciclo de palestras Fronteiras do Pensamento.
Reconhecido internacionalmente, Padura destacou-se como jornalista investigativo e, depois, como ensaísta, roteirista e autor de novelas policiais. Pelo conjunto de sua obra, o autor recebeu o Prêmio Princesa das Astúrias das Letras e o Prêmio Nacional de Literatura de Cuba.