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cinema

- Publicada em 17 de Setembro de 2019 às 03:00

A arquitetura da memória pauta documentário 'Torre das donzelas'

No título da premiada documentarista Susanna Lira, cárcere é reconstituído em estúdio pelos desenhos das ex-detentas

No título da premiada documentarista Susanna Lira, cárcere é reconstituído em estúdio pelos desenhos das ex-detentas


ELO COMPANY/DIVULGAÇÃO/JC
Torre das donzelas, da premiada documentarista Susanna Lira, é um filme especial que não deixa o espectador indiferente. O documentário experimental, com dispositivo inovador, estreia nesta quinta-feira, no CineBancários (General Câmara, 424), em um momento importante para resgatar fatos do passado, ainda mais quando certas ações da ditadura militar são minimizadas. Logo no início da narrativa, a realizadora recorda que, durante os 21 anos de regime, houve censura à imprensa, restrição dos direitos políticos e perseguição aos opositores.
Torre das donzelas, da premiada documentarista Susanna Lira, é um filme especial que não deixa o espectador indiferente. O documentário experimental, com dispositivo inovador, estreia nesta quinta-feira, no CineBancários (General Câmara, 424), em um momento importante para resgatar fatos do passado, ainda mais quando certas ações da ditadura militar são minimizadas. Logo no início da narrativa, a realizadora recorda que, durante os 21 anos de regime, houve censura à imprensa, restrição dos direitos políticos e perseguição aos opositores.
O título da obra faz alusão ao apelido que ganhou o espaço do Presídio Tiradentes, em São Paulo, que recebia presas mulheres - incluindo a ex-presidenta Dilma Rousseff, que chegou lá aos 19 anos e também é ouvida pela produção. O documentário reúne as ex-detentas que ficaram reclusas naquele ambiente entre o fim da década de 1960 e início dos anos 1970. A penitenciária foi demolida em 1972.
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A partir de desenhos feitos por cada uma das entrevistadas com giz em um quadro, o título cria um campo de subjetividade ao reerguer uma torre cenográfica, inspirada em Dogville (2003), de Lars Von Trier. Conforme a diretora, César deve morrer (2012), docudrama dos Irmãos Taviani, e A imagem que falta (2013), documentário histórico de Rithy Panh sobre a ditadura no Camboja, foram outras referências cinematográficas para a construção audiovisual.
Durante a pesquisa, a equipe percebeu que cada uma das mulheres tinha uma memória geográfica diferente da torre. "Então, resolvemos criar este lugar sugestivo, porque, na verdade, não sabíamos exatamente como era. Essa torre imaginária ao mesmo tempo é um espaço sugerido para se recuperar a memória coletiva delas. Precisávamos que, juntas, elas conseguissem descrever o que se passou lá dentro", explica. "E reerguer este espaço também é uma forma de resistir ao apagamento de memória, porque há um projeto de apagamento desses lugares justamente para que não nos lembremos deles. "É importante dizer que este dispositivo traz também um ato de resistência por parte da equipe do filme."
Torre das donzelas foi iniciado há sete anos. "Foi obra do acaso estrear neste momento em que o Brasil, realmente, tem um projeto de negação da história, ou, pior ainda, que inverte os valores dessa história. Quando permitimos que um político elogie um torturador no Congresso Nacional e ele se torne presidente da República, estamos negando a história e trazendo uma dor, um constrangimento muito grande para as pessoas que lutaram contra a ditadura no País", analisa a cineasta.
Para ela, o documentário tem força por recuperar a história e contá-la da forma que está relatada: "Todas as mortes, desaparecimentos que ocorreram durante a ditadura militar estão registrados em documentos, que compõem a Comissão da Verdade e a Comissão da Anistia".
Em sua opinião, o filme pode provocar os espectadores a buscarem essas informações, a respeito do que aconteceu. "Por um lado, eu fico triste por estarmos vivendo este momento, mas por outro, penso que o filme pode ser um instrumento de reflexão, para saber o que é viver sob uma ditadura e parar com este discurso de querer a volta dos militares ao poder. São uma força importante para o País, de proteção do território, mas jamais para governá-lo."

Sentido de coletivo

Documentário reúne mulheres que foram presas juntas nos anos 1970, durante a ditadura militar

Documentário reúne mulheres que foram presas juntas nos anos 1970, durante a ditadura militar


ELO COMPANY/DIVULGAÇÃO/JC
Susanna Lira tinha curiosidade sobre esta prisão específica porque dela tinham saído mulheres potentes, importantes para a história do Brasil. "Quando você entra e conhece o cotidiano delas, você percebe que a questão da sororidade, um termo que se fala tanto hoje, já era exercida por elas lá dentro. E acho que foi isso que as fez se tornarem essas pessoas de compartilhamento de conhecimento, de emoções, de sentimentos, que saíram dali tão fortes", avalia a cineasta.
Segundo a documentarista, além de uma aula de sororidade para as mulheres, o filme é ainda uma aula de resistência para todos que hoje se sentem reprimidos, censurados ou excluídos de alguma maneira, "não pela fragilidade delas, mas pela força, pela alegria, e, principalmente, por estarem em grupo".
A diretora destaca que Torre das donzelas é sobre um coletivo e não baseado em memórias individualizadas: "Era importante que não tivesse protagonismo de nenhuma. Aquele convívio, tudo que elas passaram de bom e de ruim, forjou nelas uma realidade, uma história, um destino. A luta só as inspirou, não as vitimizou. Elas foram adiante e até hoje lutam pela democracia no Brasil".
No Festival de Cinema de Gramado do ano passado, um outro título que resgatava esse local do Presídio de Tiradentes arrebatou público e especialistas. O curta Torre, da paulistana Nádia Mangolini, recebeu do júri oficial o Kikito de melhor direção de arte. Também foi considerado melhor filme da categoria pelo júri popular e pelo júri da crítica. A obra pode ser assistida no site do Canal Brasil.
Documentário em animação, a produção é baseada nas lembranças dos quatro filhos de Virgílio Gomes da Silva, o primeiro desaparecido político da ditadura. A viúva do perseguido, Ilda Martins da Silva, é uma das entrevistadas de Susanna no longa. Um relato seu emocionante narrado em Torre das donzelas é reconstituído em traços no curta de Nádia, sobre como a mãe conseguia visualizar as crianças na rua por uma brecha na janela da cela, acenando para o exterior apenas um canudinho estreito feito de jornal. 

Trajetória e prêmios

A diretora Susanna Lira é cineasta e pós-graduada em Direito Internacional e Direitos Humanos. Desde 2004, é sócia da produtora Modo Operante. Em 2018, fez a direção e criação da série Rotas do ódio para a Universal/NBC. Entre seus filmes de maior destaque estão Clara Estrela (2017); Intolerância.doc (2016); Mataram nossos filhos (2016); Levante! (2015); Damas do samba (2015); Porque temos esperança (2014); Uma visita para Elizabeth Teixeira (2011); Positivas (2010); Contracena (2009); Câmera, Close! (2005).
Em 2016, foi homenageada no Festival Internacional de Cinema independente de Mar del Plata, com uma mostra onde foram exibidos seus principais títulos.
Com passagens em diversos festivais e mostras de cinema pelo mundo, Torre das donzelas, seu mais recente lançamento, recebeu o Prêmio Especial do Júri no Festival de Cinema de Brasília de 2018, Prêmio de Melhor direção de documentário; Melhor direção e Júri popular de Melhor Documentário no Festival de Cinema do Rio de Janeiro, Prêmio de Melhor Filme pelo Júri no Festival de Cinema do Uruguai e Prêmio Melhor documentário do Júri Popular na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.