A peça Eu de você é o primeiro monólogo na carreira de Denise Fraga. O que não quer dizer, é claro, que ela esteja sozinha em cima do palco. Na verdade, a atriz terá a seu lado uma série de histórias e sentimentos - tanto do público, que contribuiu com vivências reais inseridas no texto, quanto vindas de um amplo repertório humano de literatura, música, imagens e poesia. Um falso paradoxo, talvez: acompanhada por poetas e pessoas comuns, Denise estará também na confortável companhia dela mesma.
"Fui eu quem pensou no nome - Eu de você é ideia minha", conta Denise, em entrevista ao Jornal do Comércio. Durante os ensaios, ao improvisar um texto final em cima de pedaços tão íntimos da vida das pessoas, ela fez muito mais do que apenas construir personagens. "Eu me deixei atravessar por essas histórias. Sou eu atravessada por você, eu vestida de você. Acho que nunca tive uma intensidade de processo tão grande quanto nessa peça", diz ela.
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Construída a partir de mais de 300 contribuições enviadas espontaneamente pelo público, Eu de você faz temporada de pré-estreia neste fim de semana, no Theatro São Pedro (Praça Mal. Deodoro, s/n°). A peça terá sessões na sexta-feira e no sábado (ambas às 21h), e no domingo, em sessão dupla (18h e 20h30min). Algumas sessões terão intérprete em libras e audiodescrição. Ingressos, entre R$ 40,00 e R$ 70,00, podem ser adquiridos no site e na bilheteria do teatro.
Durante muito tempo, Denise resistiu à ideia de fazer um solo. "Nunca tive vontade. Nunca quis estar sozinha (no palco): eu gosto de contracenar, gosto de gente". Mas a ideia, surgida nos primeiros momento de elaboração da peça, de trançar as histórias de pessoas comuns com pérolas e clássicos da arte trouxe o "brilho no olho", como ela própria descreve. "Eu sempre brinco que quem lê Dostoievski ou Fernando Pessoa vai no mínimo sofrer mais bonito, porque vai sofrer com a cumplicidade dos poetas. (No espetáculo) é como se eu dissesse para as pessoas: olha só o que você deveria ter lido quando sofreu isso, talvez você tivesse sofrido melhor. Olha como essa música embeleza o seu drama."
Durante seis meses, o público foi convidado a trazer suas histórias para o projeto, o que incluiu tanto anúncios em jornais quanto convites pelas redes sociais da própria atriz. A resposta foi tão inesperada quanto comovente. "As pessoas escreveram para a gente histórias que elas não postariam. A vulnerabilidade não dá muitas curtidas. Ao mesmo tempo, são coisas comuns a todos nós desde que o mundo é mundo: vínculo, relações, afeto e memória. E acho que a gente precisa mesmo falar do que nos mantêm humanos, desses alfabetos humanos que a gente, aos poucos, vai perdendo", reflete.
Essa tapeçaria construída entre o cotidiano e o sublime permite a Denise Fraga transitar por um terreno em que ela se sente à vontade: no limite entre o cérebro e o coração, o choro e o riso. "Adoro quando falam para mim 'não sei se rio ou choro', esse momento em que a pessoa está com os olhos cheios de lágrimas e começa a rir. A pessoa transborda de emoção mas não se livrou da sua inteligência, porque a gente ri pela mente. É um lugar muito rico."
Denise idealizou Eu de você ao lado do diretor Luiz Villaça e do produtor José Maria, ambos parceiros em uma série de produções anteriores. O texto final é assinado pelo dramaturgo Rafael Gomes. Todos acostumados a lutar pelo teatro, algo que ganha uma força especial em tempos descritos como “nebulosos” pela atriz. " A gente vive a morte da sutileza, da nuance, e esse espetáculo é um pouco nosso esforço de jogar luz sobre isso. Nossa gana de fazer o espetáculo é falar de alteridade, olhar pelos olhos do outro, viver o que outro viveu, ouvir a história do outro e não apenas a opinião do outro", anima-se Denise.
Escolher a Capital como local para pré-estreia tem a ver, segundo a artista, com o fato de o público gaúcho ainda estar "com o decodificador poético em dia". Nesse sentido, e mantendo coerência com essa tentativa de resgatar o alfabeto quase perdido da convivência, a ideia é promover debates em todas as cidades visitadas pela peça - em Porto Alegre, a conversa coletiva estava planejada para o sábado. "A gente tem que falar, tem que conhecer e se conhecer. A gente precisa de estratégias de esperança, de espaços para cantar. Mas isso não significa cantar para esquecer: vamos cantar para cantar, cantar para falar o que a gente quer falar. Reestabelecer a conversa".